A pesca excessiva de potas e lulas na costa do Peru, atribuída ao aumento de embarcações da China, desencadeou greves da indústria local e levou já a que o preço quintuplicasse devido à escassez. De acordo com pescadores peruanos, os chineses chegam com grandes navios que esmagam os barcos artesanais locais e colocam em risco os ecossistemas da costa do Pacífico. Em 2024, só no Peru, a captura de lulas caiu em 70 por cento, revertendo o pescado para as redes chinesas.
Durante o mês de outubro, sindicatos pesqueiros e pescadores artesanais realizaram greves e montaram bloqueios de estradas por todo o Peru por causa da escassez de lulas gigantes ao largo da costa do país.
Estes grupos da indústria pesqueira atribuem esta “escassez” à pesca ilegal levada a cabo por embarcações de bandeira chinesa. Só em 2024, houve mais de 70 embarcações estrangeiras, maioritariamente vindas da China, a operar na costa do Peru.
Estes barcos, alegadamente, não apresentavam o sistema de controlo de satélite que a lei do país exige.
Estes barcos, alegadamente, não apresentavam o sistema de controlo de satélite que a lei do país exige.
Chineses intensificam pesca da pota
A pesca excessiva na Ásia empurrou os navios chineses para mais longe de casa e há vários anos que os tentáculos desta grande indústria estão a invadir águas de diversos países da América do Sul.A frota chinesa de longa distância é composta por milhares de navios fortemente subsidiados, com o objetivo de se tornar uma superpotência marítima. Em simultâneo, emprega milhões de pessoas e alimenta os 1,4 mil milhões de habitantes.
Várias organizações de defesa da pesca da pota e lula do Peru e do Equador denunciam que muitas das embarcações-fábricas estão a operar ilegalmente. A este argumento juntaram-se as autoridades e ambientalistas dos EUA que corroboram a informação de que os milhares de embarcações chinesas de tamanho industrial colocam em risco os ecossistemas e ameaçam as indústrias pesqueiras desde a África até a América Latina.
“Estas manobras excessivas podem resultar no desaparecimento dos pescadores artesanais do Peru”, acentuou Alfonso Miranda, chefe do Calamasur, um grupo formado por representantes da indústria de lulas do México, Equador, Peru e Chile.
Mas esta pesca desmedida não coloca em causa apenas o sustento das comunidades costeiras.
Milko Schvartzman, coordenador do projeto Oceanos e Pesca, da organização não-governamental argentina Círculo de Políticas Ambientais, adverte: “É preciso entender e colocar em alerta que a lula é a espécie mais capturada no Pacífico na temporada de verão, o que causa um sério problema ambiental porque esse molusco é consumido por quase todas as espécies oceânicas, desde baleias até pássaros”.
“Eles pescam sem parar dia e noite”
“Eles pescam sem parar dia e noite”
Sem declarem a atividade ou o que realmente vem nas redes, muitas destas embarcações são enquadradas em atos de pirataria e representam a principal ameaça global à segurança marítima, alegam os EUA.
Por sua vez, a indústria pesqueira do Peru diz que a captura de lulas e potas, só em 2024, caiu 70 por cento no país. Insistem que é o resultado da pesca em escala industrial que as empresas chinesas trouxeram para os mares onde normalmente apenas pequenos barcos e pescadores artesanais praticam a atividade pesqueira.
Acrescentam que estes navios-fábricas - num único dia - capturam o que um pescador artesanal pesca num ano.
“Eles pescam sem parar dia e noite”, refere Chiroque, de 49 anos, chefe da associação de pescadores de lulas em Paita, cidade na costa norte do Pacífico do Peru onde está sediada a indústria de pesca de lulas, citado no diário norte-americano The Wall Street Journal. “É uma pilhagem horrível”, acrescenta.
Para Elsa Vega, presidente de uma associação de pescadores artesanais do Pero, o que as embarcações chinesas estão a fazer “é uma concorrência desleal”. “É como David e Golias”, descreve.
Lulas e potas no mercado de Islilla em Piura, norte do Perú | Cris Bouroncle - AFP
A lula gigante (Dosidicus gigas) é um cefalópode endémico da região leste do Oceano Pacífico. Encontra-se na faixa geográfica de distribuição entre a Califórnia nos Estados Unidos até ao sul do Chile, e circula desde a superfície até 1.200 metros de profundidade.
Globalmente, Peru, China e Chile são responsáveis pelas maiores capturas deste recurso. Entre 2013 e 2017, cerca de 900 mil toneladas de lulas gigantes foram desembarcadas no mundo. O Peru foi responsável por 49 por cento, a China, 32 e Chile, 17 por cento.
Com a alteração de liderança, nas últimas semanas de outubro, o preço quintuplicou devido à escassez da pota e lulas, disseram os pescadores peruanos.
O quilo, que costumava custar quatro sois (um euro), atingiu nos últimos meses mais de 24 sois (5,94 euros).
Pequim nega infrações
Enquanto os profissionais do setor acusam a China de esgotar as potas e lulas das águas peruanas, o Governo do Peru defende Pequim.
Enquanto os profissionais do setor acusam a China de esgotar as potas e lulas das águas peruanas, o Governo do Peru defende Pequim.
Desta forma, o Ministério da Produção do Peru já minimizou o impacto da frota pesqueira chinesa, dizendo publicamente que a escassez de lulas foi causada por mudanças no oceano desencadeadas pelo fenómeno climático El Niño.
Por sua vez, o Ministério chinês dos Negócios Estrangeiros escuda-se nas palavras das autoridades peruanas e sublinha que “a China é um país pesqueiro responsável”. Alega que a sua frota não é responsável pela diminuição das lulas e assentua que “a cooperação pesqueira destaca-se nas boas relações entre China e Peru”.
Embarcações chinesas em águas peruanas de acordo com a Calamasur, Comité para a Gestão Sustentável da Lula Gigante | Calamasur
Porém, uma investigação de La Contra, citada na publicação Seafood.media e no portal theoutlawocean, revela uma longa lista de irregularidades detetadas na frota chinesa que opera na costa do Peru.
Por exemplo, os navios desligam os radares e outros dispositivos de rastreio, justamente quando se aproximam das 200 milhas, para não serem detetados. Além disso, quando saem dos portos peruanos, são observados a moverem-se a menos de dois nós, o que, para os pescadores é indicador de velocidade de atividade de pesca.
De acordo com a publicação Diálogo Américas foi registado um aumento de navios chineses a pescar ilegalmente em águas peruanas.A embarcação Hong Pu 16, juntamente com outros dois navios, foi detetada pela Marinha Argentina a pescar ilegalmente, com multiplos equipamentos de pesca e luzes acesas e ainda o sistema de radar AIS desligado.
Entre os mais recentes está um outro navio chinês Tian Xiang apanhado em maio, a pescar ilegalmente na Zona Económica Exclusiva (ZEE) do Perú. Foi-lhe aplicada uma multa que o setor pesqueiro peruano descreveu como “irrisório”, segundo o site de notícias argentino Pescar.
“Em todos os mares do mundo, essa frota é conhecida por cometer infrações graves”, relembrou Alfonso Miranda, da Calamasur.
Segundo as autoridades locais e conservacionistas do Gana, as embarcações chinesas esgotaram pequenos peixes semelhantes à sardinha, vitais para as comunidades costeiras. No Oceano Índico, os navios de atum com bandeira da China, foram acusados de trabalho forçado e remoção de barbatanas de tubarão, uma prática proibida pelos EUA. Em 2016, a guarda costeira da Argentina afundou um navio chinês acusado de pesca ilegal.
Alegada troca de favores
A marinha peruana é acusada pelas associações pesqueiras de se ter colocado "oficialmente aos pés dos interesses comerciais da China", embora o ministro da Produção, Sergio González, tenha garantido que está a aumentar o controlo e a monitorização da frota chinesa que navega ao largo das suas costas.
Novo porto em Chancay | Angela Ponce - Reuters
Entretanto, o Peru mantém laços estreitos com a China, onde a presidente Dina Boluarte esteve em visita oficial há quatro meses.
Curiosamente, está a ser construído um porto de grande capacidade pela empresa estatal chinesa Cosco Shipping, em Chancay, na costa peruana. Esta infraestrutura promete encurtar as rotas marítimas de produtos do Perú para a Ásia.
O país andino prepara-se para inaugurar este porto até o final do ano, que se localiza a 80 quilómetros da capital, Lima.
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