O preço do petróleo continua a cair, o que afeta as contas públicas dos principais países produtores, como a Arábia Saudita. É o preço mais baixo dos últimos 12 anos. O excesso de matéria-prima no mercado continua a pressionar os preços e a Organização dos Países Exportadores de Petróleo intensificou uma batalha contra a produção nos Estados Unidos. Uma luta que não está a surtir os efeitos desejados. Há mesmo quem diga que a OPEP está a caminho da irrelevância.
A OPEP culpa a grande produção de óleo de xisto pelas baixas cotações no mercado e, de acordo com muitos analistas, estaria disposta a aceitar um preço ainda mais baixo para tirar do mercado outros produtos ou até inviabilizar a exploração dos rivais norte-americanos.
O presidente da OPEP, Emmanuel Ibe Kachikwu, defendeu a realização de uma reunião extraordinária, no início de março, para avaliar a queda dos preços do petróleo.
Até aqui, a OPEP era um cartel que dominava completamente o mercado, mas agora tem um produtor de grande porte para vencer: os Estados Unidos. Uma luta que não está a produzir os efeitos almejados.
As causas para a baixa do preço do petróleo são diversas, mas a mais importante apontada pelos especialistas é o excesso de produção no mercado. Ao site da RTP, António Costa e Silva, presidente da comissão executiva da Partex e professor no Instituto Superior Técnico, disse que desde o fim do primeiro semestre de 2014 há no mercado um excesso de dois milhões de barris de petróleo por dia.
“O planeta está a produzir à volta de 97 milhões e a consumir 95 milhões de barris por dia e, portanto, este excesso de dois milhões por dia mantém-se há muito tempo consecutivamente. Isso é devido, sobretudo, à resolução que começou nos Estados Unidos com o chamado shale gas ["gás de xisto"] e shale oil” ["óleo de xisto"].
Para este especialista, os Estados Unidos “converteram-se no maior produtor mundial de gás. Em relação ao petróleo estavam a produzir seis milhões de barris por dia em 2008 e hoje estão em cerca de 10,5 milhões de barris por dia. Durante quatro anos, consecutivamente, aumentaram um milhão de barris por dia, o que nunca aconteceu na História”.
Defender quotas de mercado
António Costa e Silva sempre foi crítico da estratégia da OPEP, salientando que há um paralelo absoluto com aquilo que ocorreu em 2008 - o preço do petróleo chegou a 147 dólares por barril em julho e, no fim do ano, estava a 32 dólares por barril por causa da crise económica e financeira e um colapso absoluto da procura mundial.
“O que é que a OPEP fez? Entre fevereiro de 2008 e março de 2009 conseguiu diminuir quatro milhões de barris por dia, na produção mundial. Portanto, eles cortaram a produção e a recuperação em V. Os preços desceram mas subiram rapidamente em 2009 e recuperaram (…) A OPEP está a fazer aquilo que eles chamam a luta para defender quotas de mercado, só que essa luta não está a surtir os efeitos que eles pensavam”.
Para o presidente da comissão executiva da Partex, “a OPEP está muito fraturada. Há uma clivagem entre a Arábia Saudita e as outras nações sunitas em relação ao Irão, à Venezuela, à Nigéria e à Argélia. Todos estes países estão em dificuldades, só que a Arábia Saudita não quer der a mão a torcer, não quer regressar atrás na sua decisão. Vamos ver o que é que acontece, mas muito provavelmente vai ser uma decisão muito dura”.
O peso do petróleo
Os grandes consumidores, desde logo os Estados Unidos, o Japão, a Coreia do Sul e todos os Estados da Europa ocidental, são os que mais lucram com os baixos preços do petróleo.
“Na União Europeia, por cada dez dólares do preço do petróleo que baixa, há mais 40 mil milhões de dólares da fatura energética que podem ser libertados para a economia que não são necessários. Isto tem um peso considerável porque aumenta o rendimento das famílias e das empresas, mas evidentemente que precisamos de outras políticas para capitalizar tudo isso”, notou ainda António Costa e Silva.
Os grandes produtores, com a Arábia Saudita à cabeça, todos os países da OPEP, a Rússia, o Brasil e a Venezuela são os que mais perdem com este fenómeno que reflete uma mudança estrutural nos mercados.
“Nos mais de 30 anos que eu trabalho nesta indústria, eu penso que esta é a maior mudança estrutural, depois da criação da OPEP em 1960. Hoje, a resolução do shail gas e do shail oil, nos Estados Unidos, é realmente um acontecimento da mesma dimensão. Está a mudar o mercado. Os Estados Unidos estão a converter-se num exportador também de petróleo.
Vão ser exportadores de gás, quando há muito pouco tempo atrás eram grandes importadores. Isto vai reequilibrar a economia mundial, vai provavelmente criar um mercado mais competitivo, mais transparente, mas tudo isto está em grande mutação (…) A OPEP está a caminho da irrelevância”, conclui o presidente da comissão executiva da Partex.
Para António Comprido, secretário-geral da Apetro - Associação Portuguesa de Empresas Petrolíferas, a expectativa é de que a situação não se altere a curto prazo.
“A OPEP funcionava um bocado como regulador. Desta vez, a OPEP, e muito particularmente a Arábia Saudita, decidiu não perder quota de mercado e, portanto, não fez essa regulação. Houve aqui um braço-de-ferro. Há quem diga que é uma luta entre a Arábia Saudita e os Estados Unidos, nomeadamente uma Arábia Saudita a tentar afundar os preços para prejudicar a produção de gás de xisto nos Estados Unidos, que pelos vistos não se importam muito com o que está a acontecer porque isto banaliza fortemente a Rússia e, portanto, há aqui interesses geopolíticos que não têm muito a ver com o mercado”, disse ao site da RTP o responsável da Apetro.
Para António Comprido, a estratégia de tentar afundar os preços é uma tentativa de inviabilizar a produção de óleo de xisto e, “de facto, tem havido um decréscimo de produção de óleo de xisto e até abrandou tremendamente o investimento que estava a ser feito”.
A petrolífera saudita Aramco, considerada a maior produtora do mundo, confirmou que está a estudar a possibilidade de lançar uma oferta pública inicial.
Em comunicado citado pela imprensa internacional, a empresa esclareceu estar a estudar a possibilidade de colocar no mercado "uma percentagem apropriada" das suas ações, o que para o responsável da Apetro significa que “também eles estão com dificuldades”.
Embora a um ritmo mais lento, “o consumo de petróleo continua a aumentar e vai haver uma altura em que as curvas da oferta e da procura se vão inverter e teremos outra vez uma tensão no sentido da subida. Agora, o preço do petróleo vai voltar a subir, não vai ficar eternamente neste nível ou até descer até aos 20 dólares, como algumas pessoas dizem, mas não vai lá ficar eternamente. A História mostra-nos que voltará a subir. Agora quando e quanto, isso é que nós não sabemos”, concluiu o responsável da Apetro.
O custo dos combustíveis para os consumidores também deverá cair, mas o preço final nas gasolineiras tem em conta outros fatores, e por isso, a redução do custo da gasolina e do gasóleo não tem a mesma dimensão da queda do preço do crude.De facto, os preços chegam muito lentamente aos postos de gasolina e isso “tem a ver basicamente com o funcionamento dos mercados, com as oscilações cambiais. Temos aqui a relação entre o euro e o dólar, os efeitos dos impostos que os diferentes países cobram. No entanto, não temos a explicação cabal para o facto de termos um declínio de 80 por cento do preço do petróleo, por barril, quando vamos analisar os declínios que temos dos preços nas bombas, em litros, a correlação não é direta”, explicou o presidente da Partex ao site da RTP.
Já o secretário-geral da Apetro diz que é uma questão de aritmética. “É que o crude pesa entre 20 a 25 por cento do preço final do produto. Obviamente quando nós comparamos uma queda de preço, em percentagem, se tudo o resto de mantivesse constante, o reflexo no preço do combustível é sempre 1/4, em termos percentuais, daquilo que é a variação do crude. Se o crude cair 50 por cento, o produto não pode cair mais que 12,5 por cento porque há muitos outros componentes que não são arrastados pela queda do crude, a começar pela enorme carga fiscal, os custos de transporte, os seguros, as reservas obrigatórias e os custos de distribuição e armazenagem”.
E acrescenta que, “se isso é verdade, também não se nota na subida. Quando o crude estava a 120 ou 130 dólares, quatro vezes mais do que está hoje, o preço não era o quádruplo do que são hoje os combustíveis, que nunca estiveram a três ou quatro euros por litro. É aritmética pura”.
Quanto ao preço do petróleo, prevê que o barril se situe nos 80 dólares em 2020, pois o aumento da procura absorve o que vê como um excesso temporário da oferta. Uma previsão de preço mais baixo é também considerada para esta década, com valores perto dos 50 dólares por barril.
No final do ano passado, a Agência Internacional de Energia (AIE) antecipou que o petróleo não irá regressar aos 100 dólares por barril antes da próxima década. De acordo com o relatório World Energy Outlook 2015, publicado em novembro do ano passado, em 2020 o barril de petróleo deverá transacionar-se nos 80 dólares.
"Vendam tudo"
O ano 2016 vai ser um ano "cataclísmico" para os mercados, que podem cair 80 por cento, e para a economia mundial. Por isso, o melhor é "vender tudo", alertou esta semana o Royal Bank of Scotland.
Num documento citado pelo jornal britânico The Telegraph, o Royal Bank of Scotland avisa que a tempestade está a aproximar-se e fala em condições de mercado semelhantes às que antecederam a queda do Lehman Brothers em 2008.“Vendam tudo exceto obrigações de elevada qualidade. O que está em causa é o retorno do capital e não de retorno sobre o capital. Numa sala cheia de gente, as portas de saída tornam-se apertadas”.
"A China iniciou uma correção enorme que vai criar uma bola de neve. O crédito e as ações tornaram-se perigosos", diz o mesmo jornal. O Royal Bank of Scotland prevê ainda uma queda do preço do petróleo para os 16 dólares por barril, e uma queda de oito por cento nos mercados acionistas mundiais.
Também a Standard and Poor's (S&P) adverte para ameaças económicas da queda do preço petróleo nos países produtores.
"Estamos perante um risco muito importante”, sublinhou o economista-chefe da S&P para a Europa, Médio Oriente e África, Jean-Michel Six, numa conferência de imprensa durante a qual recordou que alguns analistas estimam que o barril de petróleo poderia cair para 25 dólares nos próximos meses.
O responsável da S&P disse ainda que o ideal, com o petróleo, era que houvesse uma estabilização, porque uma maior queda reduziria ainda mais a procura dos produtores do exterior e anteciparia um aumento posterior que poderia ser descontrolado.