O Colapso Petrolífero. Impactos em África

por Felipe Pathé Duarte - Comentador de Política Internacional da RTP
Reuters

O preço do crude atingiu níveis de queda históricos. E isto vai ter um forte impacto nas petroeconomias africanas. À data em que se escreve o Brent está a 26 dólares e o West Texas Intermediate (WTI) está perto dos 4 dólares (!). As causas são conhecidas, mas sobre as consequências ainda não há grande prospectiva. É certo que vai atingir drasticamente países cuja estabilidade política e social está intimamente ligada à produção petrolífera.

Para já, o Médio Oriente, produtor de baixo custo e com avultadas reservas cambiais, ainda consegue aguentar este colapso. O mesmo não se passa em países como Angola, Argélia e Nigéria, que têm tanto em comum: altamente dependentes da produção de petróleo, lideranças políticas recentes e uma população expectante de reformas. Embora, não estejam na lista dos 10 maiores produtores mundiais (a Nigéria é o 13º), esta queda livre dos preços pode ser-lhes arrasadora.

a) Angola:

Desde 2017 que tem havido significativas alterações do statu quo angolano. Porém, nos últimos três anos o crescimento anual do PIB de Angola tem sido negativo. E o petróleo contribui para cerca de um terço do PIB angolano. Logo, o colapso nos preços vai manter este país em crescimento negativo num futuro próximo – condições bem longe do crescimento anual de quase dois dígitos que Angola registava na primeira década do milénio.

Ora, o sector petrolífero angolano depende fortemente da procura dos mercados asiáticos, com a China a representar cerca de metade das vendas da Sonangol. Agora, com a diminuição da importação chinesa e a debacle económica da pandemia, Angola pode ter a sua estabilidade ainda mais comprometida. Por um lado, temos os empréstimos de credores chineses, que explicam em parte a relação dívida/PIB, que está cerca dos 90%. Por outro, temos a falta de reformas infraestruturais e os rendimentos não-declarados dos campos de petróleo. Tudo isto aponta para um país que vai continuar faminto de capital. É possível que este colapso nos preços do crude ponha em causa a agenda político-económica de João Lourenço. Um Presidente que depositou esperanças na privatização, numa economia de mercado e no incentivo à concorrência para dinamizar a economia angolana.

b) Argélia:

O movimento social Hirak continua com força na Argélia. Têm sido milhares os que continuam a protestar em massa contra a elite político-militar que, apesar das eleições em Dezembro, não alterou. À semelhança de outros regimes não-democráticos dependentes da produção de hidrocarbonetos, na Argélia também tem havido um desperdício da riqueza proveniente desta matéria-prima. Há anos que se pretende a diversificação económica. Mas, a produção de petróleo e gás natural ainda representam 95% das receitas de exportação. Além disso, o país viu as suas reservas de moeda esgotarem quase 56% nos últimos cinco anos.

Esta pouco eficiente administração decorre da tendência do governo em canalizar a riqueza energética para subsídios insustentáveis. Ainda assim, a actividade económica da Argélia está a alterar. Como resultado, o governo enfrenta um desafio enorme com o desemprego juvenil a atingir quase os 30%. Com excepção de algumas vitórias cosméticas, como a renúncia do antigo presidente Abdelaziz Bouteflika, o movimento Hirak está longe da sua vitória. Somente uma mudança estrutural no modelo de governação (com um líder legitimado pela sociedade civil em vez da elite dominante) fará com que os manifestantes se dispersem.

Agora, caso os recursos financeiros da Argélia escasseiem, resultantes da queda dos preços do petróleo, o país pode ser forçado a reintroduzir fortes medidas de austeridade – afectando desproporcionalmente a classe média e trabalhadora, que compõe grande parte massa social que protesta. O que poderá resultar numa maior, e mais violenta, contestação do poder.

c) Nigéria: 

Em Fevereiro de 2019 Muhammadu Buhari foi reeleito presidente. Foram umas eleições marcadas por tensão política, num país com violentas insurgências no Nordeste, na zona central e no Delta do Níger. Seis meses depois de apresentar um mega orçamento governamental de 34 mil milhões de dólares, o Presidente teve que reduzir os seus planos de estímulo. Era um orçamento que dependia de uma taxa de referência de 57 dólares por barril. O petróleo representa cerca de 90% dos ganhos das exportações e é três quartos da receita do governo. Ainda assim, a diversificação é um vector fundamental da política económica de Buhari. Mas, mesmo que não houvesse um colapso do preço do crude, o actual fraco desempenho dos campos de petróleos e a falta de capacidade de refinação têm sido um impedimento para a maioria dos investidores.

Além disso, a Nigéria também cedeu uma participação de mercado significativa aos EUA. Passaram de um dos maiores clientes para um dos seus maiores concorrentes nos últimos dez anos. E outros grandes clientes, como a Índia, aumentaram as importações de fontes alternativas, como o Iraque.

Agora, Buhari tem poucas opções. Só pode recorrer aos mercados de crédito para impulsionar a economia. A Nigéria já duplicou a dívida nacional desde que Buhari assumiu o cargo em 2015. O crescimento anual do PIB da Nigéria ainda não passou de 2,5%, e o país ainda está em recuperação da recessão de 2016. A recessão global provocada pela pandemia está a complicar o acesso às linhas de crédito, principalmente para os mercados emergentes.

O deficit nigeriano pode limitar a capacidade de gerar pagamentos: uma circunstância que vai desencadear greves e perturbações na prestação de serviços essenciais. Somente uma rápida recuperação nos mercados de petróleo poderá reverter esta situação. Mas as perspectivas de hoje de queda dos preços demonstram que isso é improvável.

Em suma, o parco investimento público e a dependência excessiva no sector petrolífero vão frustrar as prometidas reformas económico-políticas e trazer uma inevitável tensão social. É de lembrar que o recente poder estabelecido nestes países africanos também foi legitimado no cumprimento desta expectativa. Agora todo este cenário será ainda mais agravado pela total incapacidade dos Estados (por excesso ou ausência) na contenção duma pandemia que poderá ter contornos devastadores em África. Humanos e económicos.
PUB