"Nunca vimos nada parecido". Do "Dia da Libertação" ao "caos total" nos mercados
No dia 2 de abril, o presidente norte-americano preparava-se para anunciar detalhes sobre as "tarifas recíprocas". Mas no chamado "Dia da Libertação" Donald Trump avançou com uma pausa de 90 dias nas novas taxas aduaneiras para a maioria dos países e com um acentuado aumento nas tarifas sobre a China. As taxas mais altas acabaram por ser suspensas poucas horas após entrarem em vigor, o que levou a que as bolsas de valores globais disparassem novamente após uma queda histórica. Os economistas admitem que não há registos de um "caos" nos mercados internacionais como o que as reviravoltas de Trump está a gerar. E que o impacto se fará sentir nos EUA e no resto do mundo.
"Nunca vimos nada parecido antes", afirmou Qian, acrescentando que a China parece estar a preparar-se para uma longa guerra comercial com os Estados Unidos.
A própria Administração norte-americana apresentou motivos contraditórios para os avanços e recuos de Trump. Enquanto o secretário do Tesouro dos EUA afirmou que esta era “a estratégia” do presidente, o próprio admitiu estar preocupado com a queda do mercado de títulos norte-americano.
“Houve um caos total. E uma das coisas que sabemos é que o caos é mau para o mercado”, declarou Stiglitz.
O economista galardoado com um Nobel considerou que “já houve danos duradouros”, porque, de repente, as “fronteiras importam”.
“E não são apenas fronteiras com aqueles de quem não gosta. São fronteiras com os nossos melhores amigos, no Canadá”, esclareceu. “Este é um novo mundo onde cada país tem que fazer uma pergunta que nunca fizemos antes: qual é a extensão de nossa soberania económica nacional? O que aconteceria se algum louco em outro país — nos Estados Unidos, por exemplo — de repente aumentasse as tarifas em 20%, 10%, 20%, 50%, 100%? Portanto, não há confiança nas nossas relações, seja com amigos ou não tão amigos”.
Trump não tem estratégia
O professor universitário e especialista acrescentou que não tem dúvidas de que “Trump não tem nenhuma teoria económica por trás do que está a fazer”, o que assume ser “perturbador” para qualquer economista ou parte envolvida nas negociações.
“Trump acha que os défices comerciais por si só, e, em particular, os défices comerciais em produtos, refletem que nos tratam injustamente. E isso baseia-se, de certa forma, na premissa de que somos melhores do que qualquer outro país, por isso as pessoas deviam comprar mais bens de nós do que nós compramos delas. É um absurdo”.
Para Joseph Stiglitz, Trump “está determinado a prejudicar as principais indústrias de exportação” do país, e que está “a piorar ainda mais as coisas a nível micro e macro”. E, na entrevista, assumiu que a Admistração norte-americana está a cometer “um erro”, principalmente porque “a importância do comércio com a China” é “muito maior do que o comércio com a Europa”, visto que os EUA dependem de produtos chineses.
Esta perspetiva é partilhada por Nancy Qian: “estas tarifas são sem precedentes”.“Por isso, prevejo que haverá, na verdade, uma perturbação muito grande com essas tarifas enormes e sem precedentes - deixe-me enfatizar "sem precedentes" - contra a China e a retaliação da China, incluindo as restrições à exportação de minerais e terras raras de que precisamos para a nossa produção”.
“São tão elevadas que é realmente difícil para nós calibrar exatamente qual é o custo para todos. Mas sabemos que será enorme”, acrescentou a professora de Economia. “Relações comerciais que levaram décadas a serem construídas, agora estão a ser interrompidas, porque as tarifas estão tão altas que ninguém consegue ser lucrativo, manter os negócios e continuar a importar”.
Quando as taxas aduaneiras aumentam “um pouco”, as empresas talvez consigam “arcar com o prejuízo”, mas se “aumentarem muito”, podem não conseguir “atingir os seus lucros”.
“Nunca vimos nada semelhante antes”, reconheceu, acrescentando que no caso da China, “o custo para ambas as economias será colossal”.
China mantém "calma" face a "instabilidade de Trump"
Na quinta-feira, os Estados Unidos anunciaram taxas de 145 por cento sobre produtos chineses. Em retaliação, Xi Jiping anunciou com taxas de 125 por cento e assegurou que Pequim “não tem medo” da guerra comercial.
Os especialistas acreditam que segundo a visão da China, “os EUA violaram o direito económico internacional” e está preparada para a escalada da guerra comercial, considerando “a instabilidade de Trump”.
Contudo, Qian recusa a ideia de que o objetivo de Trump fosse, desde início, atingir a China.
“É realmente difícil acreditar que tudo isso tenha sido planeado como uma estratégia para atingir a China”, afirmou, recordando que a “relação de adversários” entre Pequim e Washington não é nova. Além disso, os EUA e a China têm estado em negociações, incluindo na questão do TikTok.“Isto não parece uma estratégia bem planeada”.
Os especialistas elogiaram as “vozes surpreendentemente calmas” na China e acreditam que Pequim está a tentar “encontrar o equilíbrio entre prepara a população para as dificuldades económicas que podem surgir e incutir nestas uma mentalidade de solidariedade”.
De uma coisa Stiglitz não tem dúvidas: “Haverá um grande impacto económico nos Estados Unidos”.
Os norte-americanos vão deixar de ser capazes de adquirir os produtos que querem, tal como aconteceu quando as exportações foram suspensas na pandemia ou no início do conflito na Ucrânia.
“Os preços dispararam. (…) E é a esse contexto que voltaremos”, sublinhou. “Isto vai afetar não só os Estados Unidos, mas todos os outros países”.