O ex-ministro e empresário francês Bernard Tapie morreu aos 78 anos, vítima de cancro, disseram os familiares ao grupo de comunicação La Provence, do qual o antigo presidente do Marselha era acionista maioritário.
"Dominique Tapie e os seus filhos têm a infinita dor de anunciar a morte do seu marido e pai, Bernard Tapie, este domingo, 03 de outubro, às 08:40 [horário local, 07:40 em Lisboa], em consequência de um cancro", indicou a família do também antigo minitro, deputado e eurodeputado.
Na sua conta na rede social Instagram, Stéphane Tapie, um dos quatro filhos, confirmou a informação numa curta mensagem, "Adeus minha Fénix", como legenda de uma foto de ambos.
Au revoir mon Phénix 🙏🙏🖤🖤 pic.twitter.com/wRmqDoDyeh
— Stéphane Tapie (@TapieStephane) October 3, 2021
"Partiu em paz, rodeado da mulher, filhos, netos e irmão, presentes ao lado de sua cama. Expressou o desejo de ser enterrado em Marselha, sua cidade do coração", refere a família em comunicado.
Homem das mil vidas e polémicas
Ao longo da sua vida, Bernard Tapie dirigiu empresas e meios de comunicação e presidiu ao Olímpico de Marselha, clube que levou ao título de campeão europeu de futebol em 1992/93, antes de ser impedido de desempenhar funções diretivas em 1994, por irregularidades económicas e desportivas. Em 1993, foi acusado de manipular o resultado do jogo entre o Marselha e o Valenciennes. O Marselha acabou por perder o título de campeão de França, sendo mesmo despromovido ao segundo escalão por causa de problemas financeiros. Bernard Tapie acabou por ser preso.
Tornou-se alvo da atenção dos meios de comunicação nas últimas décadas pelo seu envolvimento em vários escândalos judiciais.
Um destes casos foi a venda da Adidas (do qual foi proprietário entre 1990 e 1993), condição imposta pelo presidente François Mitterrand para que Tapie se tornasse ministro. Passado pouco tempo após a compra pelo Crédit Lyonnais, o banco vendeu a Adidas com lucros avultados, o que levou Tapie a denunciar o caso e obter, em primeira instância, uma indemnização de 135 milhões em danos e juros, uma decisão posteriormente anulada.
Em 2008, recebeu 404 milhões de euros, incluindo 45 milhões por danos morais, depois de uma arbitragem entre Tapie e o Estado francês para resolver a disputa sobre a venda da Adidas. No entanto, em 2015 esta arbitragem foi declarada fraudulenta e anulada pelos tribunais, que exigiram o reembolso do valor recebido.
Em 2019, os tribunais absolveram o então ex-ministro Bernard Tapie, por falta de provas. Este caso afetou a ex-líder do Fundo Monetário Internacional Christine Lagarde e a sua gestão noutras empresas. No entanto, este caso ainda não está resolvido, uma vez que nova decisão é esperada para quarta-feira. A acusação pede cinco anos de prisão por cumplicidade de fraude e desvio de fundos públicos.
Embora a sua condição física tivesse piorado nos últimos meses, Tapie continuava a comentar a política atual nos meios de comunicação social.
Em abril, foi assaltado e agredido em sua casa. Tapie e a mulher foram algemados e espancados por ladrões, que levaram jóias e relógios. No mês seguinte, Tapie renunciou a apelar da última sentença no processo por fraude na arbitragem sobre a venda da Adidas.
"Zorro das empresas"
Filho de um operário de aquecimento, foi símbolo da ascensão social da França dos anos 80 e teve um percurso público de quatro décadas, que começou pela venda de televisões e pela aquisição e venda de empresas em dificuldades. Era chamado de “Zorro das empresas”, apesar de serem poucas as que fez realmente prosperar.
Em 1983, não receava admitir: “quando começo um negócio, tenho uma vontade feroz de ganhar muito dinheiro”. Algo que conseguiu, uma vez que comprar um casa em Paris e um veleiro de luxo.
Exuberante, torna-se estrela televisiva, ao apresentar o programa “Ambições”, que pretendia estimular empreendedores.
Bernard Tapie também foi piloto de automóveis, ator e cantor. Criou a equipa de ciclismo “La Vie Claire”, que venceu dois Tours de France, em 1985 e em 1986.
“Um homem de desafios”
Bernard Hinault, o vencedor do Tour de France de 1985, considerou Bernard Tapie "um homem de desafios”.
“Era uma personagem fora do comum”, conta o campeão francês, evocando que Tapie lhe estendeu a mão ao montar uma equipa em torno dele.
“Eu estava a recuperar de uma operação e ele confiou em mim”, declarou, admitindo “tristeza” pela morte de Tapie. No ano seguinte, o Tour de France foi vencido pelo colega de equipa, o americano Greg LeMond. Hinault relativiza que Tapie seja o responsável pelo aumento dos salários no ciclismo: “esquecemos que o dólar estava a 10 francos naquela altura”.
“Falámos no início do ano ao telefone. Estou a aguentar. É preciso lutar. É preciso acreditar. Era o seu lado batalhador”, conta o antigo ciclista sobre a última vez que falou com Bernard Tapie.
"Ele queria tocar em tudo. Talvez tenha cometido um erro ao entrar na política, mas foi sua escolha", disse Hinault, que se lembra de ter sido convidado quando o Marselha venceu a Liga dos Campeões em 1993. Quanto às controvérsias do antigo ministro, o antigo ciclista é peremtório: “Há aqueles que ganham e aqueles que perdem. Ele fazia parte da primeira categoria”.
Entrada na política
Bernard Tapie entrou na vida política já depois de ter construído o seu império.
Eleito deputado por Bouches-du-Rhône (sul da França) em 1989, sob as cores do socialista François Mitterrand, foi conselheiro regional, deputado europeu e, por menos de dois meses, ministro da Cidade no governo de Pierre Bérégovoy (abril-maio de 1992).
O debate televisivo com o então líder da Frente Nacional (extrema-direita) Jean-Marie Le Pen, em 1989, marcou uma geração de políticos franceses, como notou o primeiro-ministro Jean Castex.
“Lutador”
O Presidente da República enviou as condolências à família dizendo que ele e a mulher estavam “profundamente tocados pela notícia da morte de Bernard Tapie, cuja ambição, energia e entusiamos foram fonte de inspiração para gerações de franceses”.
Já o primeiro-ministro sublinhou francês sublinhou que para ele Bernard Tapie era “um lutador”. "Muito empenhado contra a extrema-direita, mas principalmente por causas, pelo clube, pela sua cidade, pelos negócios. Em suma, um homem muito comprometido que deu tudo e acredito que também o vimos lutar contra a doença", disse Jean Castex.
O Marselha também tem mensagens de condolências publicadas na sua página da rede social Twitter, uma das quais um vídeo do atual presidente Pablo Longoria. Bernard Tapie foi presidente do clube entre 1986 e 1995.
L’Olympique de Marseille a appris avec une profonde tristesse la disparition de Bernard Tapie.
— Olympique de Marseille (@OM_Officiel) October 3, 2021
Il laissera un grand vide dans le cœur des Marseillais et demeurera à jamais dans la légende du club.
Toutes nos condoléances à sa famille ainsi qu’à ses proches 🖤 pic.twitter.com/lx1C14kMV9
C/ Lusa