Libaneses sentem o efeito de uma economia "já em guerra"

por Lusa

Numa padaria no centro de Beirute, apenas um cliente aguarda enquanto dois padeiros preparam uma `manouche`, pão típico libanês muito apreciado, cujo intenso aroma de tomilho e sementes de sésamo tostados se sente do exterior.

"Sentimos uma grande diferença, a rua está muito mais vazia", diz à Lusa Yara Abi Fakher, a responsável comercial deste restaurante libanês localizado no bairro de Gemmayze, conhecido pelos restaurantes modernos e vida noturna. As ruas deste bairro esvaziaram-se desde o início da guerra em Gaza, a 07 de outubro, e dos confrontos entre o Hezbollah e Israel na fronteira sul do Líbano.

"Em geral sentimos um grande desconforto, estamos com os nervos à flor da pele e isso tem um impacto na decisão de sair de casa e gastar dinheiro", diz Yara.

Apesar do Líbano não se encontrar oficialmente em guerra, o medo de que o país seja arrastado para um conflito já afeta uma economia que mesmo antes das hostilidades enfrentava, desde 2019, uma das piores crises económicas dos tempos modernos.

Desde o início do conflito em Gaza, a atividade no setor da restauração caiu entre 70% a 80% durante a semana e registou quebras de 30% a 50% aos fins de semana, de acordo com o sindicato dos restaurantes, discotecas e cafés no Líbano.

Um dos setores mais afetados é o turismo, que se estima que represente entre 20% a 40% do PIB do país. Vários países como a França, Estados Unidos, Reino Unido ou a Alemanha não só desaconselharam os seus cidadãos a viajar para o Líbano como já pediram aos seus nacionais para sair do país de imediato, "dada a situação de segurança imprevisível".

"Ainda há voos comerciais disponíveis, mas em capacidade reduzida", escreveu a embaixada norte-americana no aviso mais recente.

As companhias áreas Lufthansa, Swiss e Saudia cancelaram todos os seus voos para o Líbano. A companhia de bandeira MEA transferiu a maioria dos seus 24 aviões para outros países, deixando apenas oito em funcionamento no aeroporto de Beirute, após as companhias de seguros terem reduzido a cobertura das apólices para danos em tempo de guerra.

No aeroporto de Beirute, nota-se o vazio. Poucos aviões na pista, praticamente nenhumas filas, raros passageiros.

"Os turistas, como por exemplo os muitos libaneses a viver fora do país, trazem com eles moeda estrangeira que ajuda os libaneses a lidar com a crise", diz à Lusa Sibylle Rizk, diretora de políticas públicas na Kulluna Irada, ONG focada em reforma política no Líbano.

A decisão da MEA levou a uma quebra de 80% nos voos da companhia e gerou críticas do Governo.

"Fui completamente contra esta decisão porque isto cria um impacto muito negativo no país", diz à Lusa o ministro da Economia do Líbano, Amin Salam.

"Isto envia uma mensagem negativa lá para fora, seja para os visitantes do Líbano, seja para os importadores e exportadores para o Líbano, e cria um impacto negativo na economia", diz o ministro.

A especialista em economia Sibylle Rizk explica também que "as companhias de seguros já consideram que o Líbano está em guerra e o custo dos seguros aumentou para todas as mercadorias em direção ao Líbano, o que vai ter um impacto nos preços num país onde a inflação já estava em altíssimos níveis".

O ministro da Economia Amin Salam diz à Lusa que o aumento de preços pode rondar entre 1% e 3%, embora considere ainda cedo para saber os efeitos totais. As consequências de uma nova guerra no Líbano, frisa, são incalculáveis.

Durante a última guerra entre o Hezbollah e Israel, em 2006, Israel bombardeou o aeroporto de Beirute, o único da cidade, as estradas de acesso à fronteira com a Síria, e impôs um embargo total às vias marítimas. Se isso se repetir agora, o país já enfraquecido por uma crise económica prolongada e altamente dependente de importações, fica sem saída para os seus residentes, e sem entrada para bens essenciais como comida e combustível.

"O que quer que seja que aconteça que leve o Líbano a entrar numa guerra, vai mesmo levar-nos de volta à Idade Média, e estou a falar a sério", diz o ministro Salam.

"Porque as nossas infraestruturas estão muito, muito mal, e a nossa economia está numa posição muito frágil. Não nos podemos dar ao luxo nem de um empurrãozinho, nem de uma pequena escalada [de violência]", diz Salam.

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