Leste e centro da Europa em pé de guerra com Bruxelas quanto à importação de cereais ucranianos

por Graça Andrade Ramos - RTP
Camiões oriundos da Ucrânia parados segunda-feira 17 de abril no posto de controlo de Rava-Ruska, na região de Lviv, à espera de entrar na Polónia Reuters

Polónia, Hungria e Eslováquia decidiram banir unilateralmente a importação de produtos agrícolas ucranianos, incluindo cereais, para proteger os seus próprios agricultores de uma descida acentuada de preços devido à saturação do mercado. Outros países do leste e do centro europeu admitem adotar medidas semelhantes.

Kiev está à procura de soluções e representantes ucranianos e polacos reuniram-se em Varsóvia esta segunda-feira, um encontro que poderá só dar frutos nos próximos dias. São também esperadas reuniões entre as autoridades ucranianas e as da Roménia e Eslováquia.

A questão deverá ser debatida quarta-feira entre representantes da União Europeia e dos países afetados. Fontes de Bruxelas explicaram à agência Reuters que uma combinação de baixos preços e procura globais têm deixado os cerais dentro do bloco europeu em vez de serem vendidos.

A Comissão Europeia rejeitou domingo as interdições impostas no último sábado e afirmou em comunicado que a "política comercial da União Europeia é da sua competência exclusiva e, dessa forma, ações unilaterais não são aceitáveis".

O impacto do bloqueio russo das exportações de cereais ucranianos levou a União Europeia a suspender todas as taxas sobre estes e outros produtos agrícolas ucranianos, estabelecendo "vias solidárias" para os escoar e garantir a sua exportação mesmo depois do acordo que suspendeu o bloqueio russo em agosto de 2022.

A decisão de Bruxelas deixou em fúria os agricultores do leste e do centro europeu, os quais se queixam que os cereais mais baratos oriundos da Ucrânia estão a causar-lhes grandes perdas financeiras.

Na Bulgária e na Roménia houve mesmo bloqueios de estrada em protesto, forçando os seus governos a agir.

Protesto de agricultores na Roménia contra a importação de cereais ucranianos a 7 de abril 2023 Foto - Reuters
 
Na Polónia o problema afetou as eleições.
Solução "europeia"
O problema da saturação do mercado foi comunicado a Bruxelas em carta enviada o mês passado pelos primeiros-ministros da Bulgária, da Hungria, da Polónia, da Roménia e da Eslováquia.

Os cinco afirmaram que as tarifas sobre os bens agrícolas ucranianos deveriam regressar e propuseram um mecanismo europeu de compras de cereais baratos.

Jaroslaw Kaczynski, líder do partido que governa a Polónia, explicou que, apesar do país apoiar a Ucrânia, se via forçado a agir para proteger os interesses dos próprios agricultores.

Esta segunda-feira, o ministro húngaro da Agricultura avisou Bruxelas que, se a UE não agir de forma consistente para proteger os agricultores da Hungria, Budapeste poderá prolongar a proibição das importações além de junho.

"Grãos importados da Ucrânia têm ficado parados na Hungria, provocando a queda dos preços cerca de um terço face ao período homólogo", referiu Sandor Farkas no parlamento húngaro, garantindo que fará "tudo o que for possível" para proteger os agricultores do seu país das perturbações do mercado. "Uma solução europeia é inevitável", afirmou.

A Eslováquia anunciou por seu turno uma interdição temporária de alguns produtos agrícolas ucranianos,  à semelhança do já decidido pela Polónia e pela Hungria, excluindo contudo os cereais.
 
A Chéquia preferiu avisar Bruxelas esta segunda-feira de que não irá por enquanto seguir a tendência de interdição, apelando em vez disso a uma solução europeia que evite a proibição unilateral adotada pelos Estados vizinhos.

Praga "não está para já a planear banir as importações do cereal ucraniano e de outros bens agrícolas oriundos da Ucrânia”, afirmou o Ministério da Agricultura checo. O impacto no mercado destas importações necessita contudo de uma "solução alargada a toda a União Europeia", acrescentou.

Responsáveis ucranianos já lamentaram a decisão da Polónia e de outros países, referindo que, se os agricultores polacos estão mal, os ucranianos estão pior.

"Este primeiro passo, na nossa opinião, deveria ser a abertura do tráfego, porque é muito importante e é aquilo que deveria ser feito incondicionalmente e depois disso iremos falar de outras coisas", afirmou o responsável ucraniano pela Agrilcultura, Mykola Solsky, esta segunda-feira.

Em resposta, a Bulgária referiu que, apesar de se manter solidária com a Ucrânia, "está a ser criada uma saturação no mercado agrícola, porque em vez de corredores de exportação, os nossos países se transformaram em armazéns".

O ministro búlgaro da Agricultura, Yavor Gechev, revelou que está também a considerar a proibição das importações ucranianas.
Impacto grave
A crise poderá agravar-se devido à suspensão russa do acordo de exportação dos cereais estabelecido ao abrigo das Nações Unidas. Kiev acusou Moscovo de bloquear as inspeções em águas turcas dos navios contratados para participar na iniciativa.

O Kremlin alertou que a perspetiva de renovar o acordo até ao próximo dia 18 de maio "não é brilhante".

O impacto combinado do fracasso em conseguir uma extensão do acordo com a Rússia e das interdições impostas pelo leste da União Europeia poderá deixar toneladas de cereais paradas dentro da Ucrânia, com sérias consequências financeiras para Kiev.

Cerca de 10 por cento das exportações agrícolas ucranianas atravessam as fronteiras polacas, com a Hungria a registar seis por cento.

A interdição polaca às importações estende-se igualmente ao trânsito através das suas rotas, que representaram, em 2022, 45 milhões de toneladas de cereais, ou três quartos das importações do país oriundas da Ucrânia, referem dados do Ministério da Agricultura da Polónia.

"O objetivo último não é prolongar a interdição indefinidamente, mas garantir que os cereais da Ucrânia, que devem ser exportados, sigam" para o seu destino, explicou o vice-ministro dos Negócios Estrangeiros polacos, Pawel Jablonski.
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