João Leão, antigo ministro das Finanças, considera muito difícil e preocupante governar sem qualquer tipo de apoio parlamentar. Diz mesmo que neste momento o governo está a conduzir "um carro sem travões" e a governar "sem ministro das Finanças porque ele não controla o processo de decisões feito no Parlamento". Adianta que não há nenhum caso igual na Europa.
Em entrevista à Antena 1 e ao Jornal de Negócios e a propósito de casos concretos, como as propostas de descida do IRS e de eliminação das portagens nas ex-scut, João Leão considera que a situação vai tornar-se insustentável porque não há critério para as escolhas, "tudo é aprovado de forma descontrolada e isso a prazo vai minando as finanças publicas".
Nas declarações e acusações do ministro das Finanças ao anterior executivo sobre a aprovação de despesas excecionais, vê uma "comunicação estratégica" para conter as reivindicações e os ânimos porque, no seu entender, é difícil, com base num primeiro trimestre em contabilidade pública, extrapolar para o ano e falar em défice. Reafirma que Portugal parte de uma situação muito positiva e até devia estar a capitalizar mais esse facto para o exterior.
Considera que eventuais despesas do relatório de execução do 1º trimestre são pontuais, não se vão repetir e não põem em causa a previsão de um excedente orçamental no final do ano, que ainda assim admite não será de 0,7 por cento, como inicialmente estava previsto pelo governo anterior.
Não se compromete com a previsão de 0,3 por cento de superavit avançada pelo ministro das Finanças, mas assegura que as medidas previstas para este ano do lado da despesa não vão afetar o equilíbrio orçamental, até porque a maioria vai ter efeito no próximo ano. Dá como exemplo o caso das ex-scut e outras medidas que venham a ser propostas pelo Parlamento que devido à chamada "lei travão" só têm efeito em 2025.
Neste sentido, João Leão continua a considerar que não há necessidade de um orçamento retificativo porque o atual consegue acomodar a redução do IRS e algum eventual impacto com aumentos de salários. Será um "desafio para as finanças públicas", mas o orçamento tem elasticidade suficiente, assegura. Admite, no entanto, que possa ser necessário um orçamento retificativo por uma questão de transparência e legitimidade num cenário em que as medidas a incluir no orçamento alterem muito a orientação dada pelo Parlamento. Mas a acontecer "seria um desafio do ponto de vista negocial muito elevado". Sobre o próximo orçamento, considera que será um grande desafio, que há o risco de não ser aprovado, mas ainda assim isso não significa que seja necessário fazer eleições, porque o atual Orçamento do Estado é suficientemente flexível. "Dá para viver" em 2025 e ainda tem alguma margem para gerir no próximo ano, mesmo considerando os investimentos decorrentes do PRR, acrescenta. João Leão chama ainda à atenção para o facto de o próximo Orçamento do Estado obrigar a ter em conta as novas regras orçamentais da União Europeia que entram em vigor em 2025 e que começam a ser negociadas com a Comissão Europeia em julho. O antigo ministro acha muito difícil levar a Comissão a aceitar a despesa prevista, num cenário de crescimento do PIB de 3 por cento que ainda assim prevê redução de impostos!
Quanto à trajetória da dívida pública, considera que bastava "não estragar para a dívida reduzir", mas considerando as medidas previstas no programa de Governo que, segundo o antigo ministro das Finanças, assentam num "cenário macroeconómico muito otimista" e num contexto de Governo minoritário, em que há medidas que serão aprovadas pelo Parlamento sem escolha do Governo, o ritmo de redução da dívida pública vai abrandar e pode mesmo voltar a agravar-se.
Neste âmbito, o antigo ministro deixa ficar ainda um alerta: o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social deve continuar a investir em dívida pública pelo menos tanto quanto o Orçamento do Estado paga de pensões da CGA.
Entrevista de Rosário Lira (Antena 1) e de Maria Caetano (Jornal de Negócios)