Ideia de travão constitucional contra défice vale críticas a Amado

por RTP
O ministro dos Negócios Estrangeiros insiste no diagnóstico de uma crise financeira que "está longe de ultrapassada" Miguel Lopes, EPA

O cenário de uma “norma travão” na Lei Fundamental para fixar limites ao défice e ao endividamento é encarado como um “absurdo” pelo PSD e como uma medida “sem sentido” pelo BE. Defendida pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, a ideia de uma reformulação constitucional à imagem de Berlim está longe de ser consensual entre os próprios socialistas. Francisco Assis, líder parlamentar do PS, alerta contra um “excesso de rigidez”.

Se o edifício político do país formalizar, na Constituição da República, uma "norma travão que crie um limite para o défice e o endividamento", verificar-se-á "uma reacção positiva dos mercados". A tese é defendida por Luís Amado na edição de segunda-feira do Diário Económico. Em entrevista ao jornal, o ministro dos Negócios Estrangeiros mostra-se favorável à via adoptada em 2009 pela Alemanha, que aprovou uma emenda constitucional a vincular a federação a um limite de endividamento de 0,35 por cento do produto interno bruto (cerca de dez mil milhões de euros por ano até 2016).

O governante português insiste no diagnóstico de uma crise financeira que "está longe de ultrapassada", defendendo, em seguida, um "consenso alargado" entre as diferentes forças políticas "face a dispositivos constitucionais que criem estabilidade e ajudem a resolver problemas estruturais". Um eventual limite constitucional ao endividamento, sustenta Amado na entrevista ao Diário Económico, teria de passar por "um valor aceitável" que não inviabilizasse "uma resposta adequada em momentos de crise".

As primeiras reacções políticas às palavras do ministro dos Negócios Estrangeiros deitam por terra quaisquer possibilidades de um "consenso alargado". No programa Conselho Superior, da Antena 1, a vice-presidente do PSD Paula Teixeira da Cruz mostrou-se céptica quanto às virtudes da inscrição de uma norma sobre o endividamento na Constituição da República: "A mim parece-me um absurdo, porque esse tipo de limites prende-se com a actividade económica. E portanto pode estar na Constituição à vontade, mas não é isso que vai transformar a realidade. Percebo a ideia de uma lei travão, ou de outra lei travão, mas não serviria, francamente, para nada. Nós ou produzimos ou não produzimos".

"Um problema de atraso"

Também ouvido pela Antena 1, o deputado do Bloco de Esquerda José Gusmão afirmou que o ministro dos Negócios Estrangeiros "não percebeu nada do que foi esta crise económica, das suas causas e da incapacidade de lhes dar resposta".

"O problema que o nosso país tem é um problema de atraso, é um problema de falta de crescimento e de aumento do desemprego. E o Pacto de Estabilidade e Crescimento e as políticas económicas que têm vigorado na União Europeia são uma causa desse problema", prosseguiu o deputado.

"Depois existe um problema de Direito Constitucional que é se faz sentido, e do nosso ponto de vista não faz, que a Constituição da República Portuguesa determine escolhas fundamentais de política económica. Nós pensamos que não o deve fazer. Pensamos, sobretudo no contexto de integração europeia, em que a política orçamental é a única política económica que resta ao Estado-nação, que esse tipo de inscrição no texto constitucional não tem nenhum sentido", concluiu.

"Excesso de rigidez"

Na cúpula do PS, a ideia defendida por Luís Amado também não é pacífica. O líder parlamentar socialista, Francisco Assis, vê um "excesso de rigidez" na eventual criação de um tecto constitucional para o défice e o endividamento. E procura mostrar-se convicto de que o ministro dos Negócios Estrangeiros quis apenas "chamar a atenção".

"Tudo aquilo que passe a introduzir um excesso de rigidez na condução da política económica e da política orçamental não parece o caminho mais adequado. Agora compreendo que as declarações do ministro dos Negócios Estrangeiros se façam nessa perspectiva que é a de chamar a atenção para que haja uma grande preocupação com o equilíbrio das contas públicas", argumentou Assis.

"É uma ideia que já foi apresentada por vários economistas ao longo do tempo, em vários países, por vários políticos. Não me é desconhecida, essa ideia, julgo que mesmo em Portugal houve já quem a tivesse preconizado, pessoas oriundas de outras áreas políticas que a teriam preconizado. Vejo mais nessa ideia essa intenção de contribuir para esta discussão e de chamar a atenção para a necessidade de termos políticas orçamentais rigorosas, ponderadas e devidamente equilibradas e menos uma possibilidade real de introdução dessa medida, de um preceito dessa natureza na nossa Constituição", reforçou.

"Uma questão" a discutir

A publicação alemã Süddeutsche Zeitung noticiava esta segunda-feira que o ministro das Finanças de Angela Merkel, Wolfgang Schaüble, tencionava propor aos Estados-membros da União Europeia a adopção de disposições constitucionais semelhantes àquela que foi introduzida em Berlim. Um porta-voz do Ministério das Finanças da Alemanha confirmou estar em análise, no seio do Governo de Merkel, a apresentação de uma proposta para a criação de um mecanismo europeu de controlo das dívidas públicas, tendo por base a fórmula alemã.

À entrada para a reunião dos ministros das Finanças da Zona Euro, em Bruxelas, Wolfgang Schaüble ressalvou que o "travão aos défices é um termo muito alemão". Contudo, o ministro alemão das Finanças não descartou a disseminação dessa fórmula constitucional pelos demais países da moeda única: "O Pacto de Estabilidade é também uma espécie de travão aos défices e o Mundo inteiro não tem de ser à imagem da Alemanha. Mas é uma questão".

O Governo alemão pretende apresentar já na próxima sexta-feira, durante uma reunião entre os ministros das Finanças da Zona Euro e o presidente do Conselho Europeu, Herman van Rompuy, um novo pacote de propostas para dar resposta ao abalo financeiro e monetário na Europa. "Devemos reduzir e reforçar o Pacto de Estabilidade", resumiu esta segunda-feira o ministro Wolfgang Schaüble, para quem a redução dos desequilíbrios orçamentais deve ser "o objectivo prioritário" na Europa e nos Estados Unidos.

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