Em causa estão duas dezenas de transferências, feitas entre 2011 e 2014, que foram comunicadas pelos bancos mas não foram alvo do controlo pelo fisco e estavam omissas das estatísticas. O jornal Público conta esta terça-feira que o caso já está a ser investigado pela Inspeção-Geral das Finanças.
Estas omissões, registadas e notificadas às Finanças entre 2011 e 2014, foram detetadas apenas em finais de 2015 e início de 2016, quando foi “retomado o trabalho de análise estatística e divulgação” deste tipo de transferências.
Isto porque em 2010, ainda durante a governação de José Sócrates, foi iniciada a publicação obrigatória das estatísticas sobre transferências para os “territórios com tributação privilegiada”, por ordem, do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais Sérgio Vasques. Uma obrigação que ficou suspensa durante o Governo de Passos Coelho, quando Paulo Núncio foi secretário de Estado com a mesma pasta.
Rita Soares - Antena 1
Desde logo, em abril de 2016, quando a publicação das estatísticas no Portal das Finanças foi retomada, identificaram-se “incongruências com a informação relativa aos anos anteriores”, conta o diário desta terça-feira.
Fernando Rocha Andrade, atual secretário de Estado, ordenou nessa altura que fossem publicados os dados dos anos em falta, que não coincidem com a atualização de valores entretanto realizada, com uma diferença superior a 9800 milhões de euros.
O fisco tinha contabilizado 7162 milhões enviados para offshores entre os anos em causa, mas admite agora que esse valor ascendeu a 16.964 milhões de euros. Impostos são recuperáveis
Estando em causa duas dezenas de transferências, o valor médio por transferência para offshores é de 490 milhões por declaração. Com montantes tão “significativos” por transferência que ficaram por examinar, o Ministério das Finanças ordenou uma averiguação pela Inspeção-Geral das Finanças, conta o jornal.
Resta agora saber se a cobrança dos impostos nesses três anos que escaparam ao escrutínio do fisco estão completamente perdidos. O Ministério das Finanças lembra que “não estão ainda concluídas as investigações em causa”.
Uma vez que o prazo de caducidade para liquidação dos impostos adicionais até ao ano de 2013 já foi atingido, o pagamento das taxas até esse ano poderá ter ficado irremediavelmente perdido.
Ouvido pela Antena 1, o fiscalista Tiago Caiado Guerreiro, o mecanismo legal que obriga os bancos a comunicarem as transferências para paraísos fiscais e a Autoridade Tributária a vigiar essas transferências não faz tanto sentido.
Isto porque os países são agora obrigados a comunicar entre si com uma regularidade trimestral as transferências que são feitas, através de um acordo multilateral para a troca de informações fiscais.
Todos os anos, até ao final do mês de julho, os bancos são obrigados a enviar ao fisco a "Declaração de Operações Transfronteiras", ou a declaração Modelo 38. Nesse documento, são discriminados os valores das transferências, o número de identificação fiscal das empresas ou das pessoas que as operam e ainda o país para onde esse dinheiro é transferido. Uma obrigatoriedade que o fiscalista considera neste momento desnecessária.
Tiago Caiado Guerreiro acredita também que se houve impostos que ficaram por pagar, relativos a essas transferências que não foram vigiadas pelo fisco, eles são recuperáveis.
O acordo entre os vários países para a troca de informações, em vigor desde 1 de janeiro deste ano. "O Estado português vai ser informado das pessoas que têm depósitos bancários no exterior (...) e se elas tiveram rendimentos que não pagaram impostos. Isso tem sanções consideráveis, nomeadamente de natureza criminal", refere o fiscalista.
No entanto, e apesar destas transferências passarem a partir de agora pelo crivo do Estado, Caiado Guerreiro avisa que poderão ficar de fora os movimentos ligados à corrupção e outros crimes, já que se tratam de esquemas "extremamente elaborados" e que poderão passar ao lado da troca de informações em causa.