Estudo do Colabor faz radiografia do impacto do novo coronavírus na estrutura socioeconómica
Um estudo do Colabor agora tornado público revela que a crise desencadeada com a pandemia de covid-19 poderá estar "a reforçar o padrão de desigualdades" da estrutura socioeconómica do país. Com o sector económico particularmente atingido pelo novo coronavírus, os investigadores sublinham a existência de mais de um terço de trabalhadores por conta de outrem colocados em regime de lay off. O estudo aponta igualmente a perda de rendimentos de cerca de 40 por cento dos trabalhadores e um impacto diferenciado da modalidade de teletrabalho junto do tecido laboral português.
De uma forma genérica, os investigadores começam por apontar “impactos assimétricos” do confinamento consoante os grupos sociais, “assimetria na vulnerabilidade” que “não é independente de alguns traços distintivos do nosso mercado de trabalho. Uns preexistentes e outros que se acentuaram”.
Uma das conclusões deste estudo aponta para o aspecto particular do lay off, que os investigadores vêem como uma potencial ante-câmara de despedimento em massa. Em particular porque esse regime especial foi solicitado pelas empresas ligadas ao turismo e restauração, sectores que no durante e no pós-crise deverão ser os mais afectados pela pandemia.
Um terço dos trabalhadores em lay off
Numa tentativa de proteger tanto os trabalhadores como as empresas, o lay off foi, a par de empréstimos em condições muito particulares, uma das medidas pensadas para garantir a sobrevivência do tecido empresarial neste período de confinamento e inactividade forçada e evitar, ao mesmo tempo, uma vaga incomportável de despedimentos. Este regime permite reduzir temporariamente os períodos normais de trabalho ou suspender contratos, com co-pagamento por fundos públicos de 70% de 2/3 da retribuição normal ilíquida de cada trabalhador até ao limite de 1333,5 euros.
Quanto ao lay off, o recurso a este regime “atinge números inimagináveis, podendo-se falar de um aumento vertical”. Serão neste momento 940 mil trabalhadores em lay off e perto de 70 mil as empresas que já recorreram à medida.
A investigação assinala ainda as formas diferentes em que o desemprego está a afectar os trabalhadores portugueses, sublinhando este tempo de crise velhas desigualdades que voltam a colocar os mais desprotegidos em maior situação de fragilidade: “Apesar das medidas aprovadas para a manutenção do nível de emprego, o desemprego está já a avançar a um ritmo acelerado, penalizando os mais precários e vulneráveis”.
“A 13 de abril de 2020, 353119 desempregados estavam registados no IEFP, mais 32 mil face ao verificado no final do mês anterior (taxa de variação de 9,9%)”, aponta o estudo, para acrescentar que “cerca de 1/3 dos trabalhadores por conta de outrem (setor privado, incluindo as entidades sem fins lucrativos) estejam neste momento abrangidos pelo regime de layoff”.
Os investigadores assinalam estarmos em presença de números sem paralelo, lembrando que, numa comparação com um período recente, “entre janeiro de 2005 e fevereiro de 2020, o valor mensal mais elevado de beneficiários de prestações de lay off foi de 7515, em setembro de 2009”.
Nos últimos seis anos, “a partir de fevereiro de 2014”, o lay off em Portugal “nunca ultrapassou os dois mil beneficiários”.
E a tendência mantém-se quando falamos das próprias empresas: “A 31 de março, 3361 entidades empregadoras estavam a utilizar este regime, a 14 de abril esse valor aproximava-se já de 70 mil”, revelam os dados, ou seja, um número vinte vezes superior quando a crise se instalou na economia.
Trata-se de uma realidade quase desconhecida nas últimas décadas para os patrões, já que, “entre janeiro de 2005 e fevereiro de 2020, o valor mensal mais elevado [de empresas em lay off] foi de 258, em fevereiro de 2013”.
Restauração, alojamento e comércio levaram a maior chapada
O estudo revela que, apesar de a crise estar a tocar transversalmente a economia portuguesa, há no entanto sectores mais afectados do que outros e, entre estes, o “alojamento e a restauração e o comércio destacam-se claramente dos demais, representando entre si quase metade do total de entidades empregadoras” a recorrerem ao lay off.
Relativamente à dimensão das empresas que recorreram a este regime especial, o grosso das adesões está nas “empresas de menor dimensão (até 10 trabalhadores), as mais numerosas na economia”.
Foram até ao momento estas pequenas empresas que mais aderiram ao regime simplificado de lay off, na ordem dos 79%. “As empresas com 11-25 trabalhadores, 26-46 trabalhadores e 50 ou mais trabalhadores representam, respetivamente, 12,7%, 4,2% e 4,1% do total dos pedidos” de regime de lay off, acrescentam o estudo.
Em termos geográficos, as empresas dos distritos de Lisboa e Porto são as que “mais contribuem para essa dinâmica: 23,1% e 19,5%”, o que os investigadores atribuem ao facto de “esses distritos serem os que mais empresas concentram, mas também ao peso crescente que as atividades ligadas ao turismo aí têm”.
Sectores mais vulneráveis do que outros
Cruzando os números acima (trabalhadores e sectores mais atingidos), os investigadores deixam ainda uma nota relativamente aos trabalhadores actualmente colocados em lay off, referindo que “poderão regressar aos seus postos de trabalho mas, se os cenários macroeconómicos mais pessimistas se confirmarem, uma parte das empresas em lay off não retomarão a atividade e os trabalhadores passarão à situação de desemprego”.
“A informação disponível indica que cerca de um em cada quatro trabalhadores em lay off trabalham no setor do alojamento e restauração, precisamente o setor onde têm encerrado mais empresas”, aponta o estudo.
Trata-se de um dado que, pode ler-se, “põe em evidência a questão da vulnerabilidade setorial da criação de emprego verificada nos últimos anos. Na verdade, o risco de desemprego que se coloca em relação a estes trabalhadores também se coloca, porventura até de forma mais veemente, no caso dos trabalhadores independentes com inserções no mercado de trabalho mais precárias”.
De referir ainda que, segundo o estudo, “a 13 de abril, cerca de 145 mil tinham pedido de acesso à medida extraordinária de redução da atividade económica de trabalhador independente, o que corresponde a um aumento de 81,2 mil pedidos face ao registado no início do mês”.
Rendimento, trabalho e teletrabalho
O confinamento parece estar já a reproduzir velhas desigualdades, intensificando-as nuns casos e dando-lhes um novo protagonismo noutros: “Este regime laboral é tipicamente utilizado pelos grupos profissionais mais qualificados, que para trabalhar necessitam essencialmente de instrumentos digitais e de acesso à Internet (…) O facto de este grupo de trabalhadores poder continuar a trabalhar a partir de casa é uma vantagem em relação à manutenção do emprego e do rendimento”.
“Em relação ao tema do teletrabalho, nesta amostra, são precisamente os inquiridos mais qualificados e com melhores rendimentos aqueles que mais facilmente conseguiram trabalhar em casa logo após ter sido decretado o estado de emergência”, assinalam os autores do estudo.
O novo contexto do teletrabalho é outra área em que os investigadores notam igualmente uma reprodução de velhas assimetrias de género, entre homens e mulheres, em particular porque se cruzam aqui “a distribuição do trabalho doméstico e de cuidado às crianças”.
O inquérito “demonstra que as mulheres têm menos condições para o teletrabalho do que os homens, o que será explicável, também, pelo facto de serem elas as principais protagonistas no desempenho das tarefas domésticas. O trabalho a partir de casa é menos problemático para os homens porque estes assumem menos responsabilidades e despendem menos tempo no desempenho das tarefas domésticas”.
Já entre “homens e mulheres em agregados sem crianças, a proporção que considera ter as condições necessárias ao teletrabalho em termos de equipamentos e de espaço, assim como de gestão do tempo, é superior face à registada para o conjunto da amostra”.
Perda de rendimentos afecta 40 por cento
Numa clara demonstração que a pandemia não toca a todos de forma indiferenciada, o trabalho nota que são aqueles que tinham à altura do início da crise uma conjuntura pessoal menos estabilizada quem está agora a caminho de ou já mesmo numa situação mais fragilizada.
“Considerando esta amostra, um número muito significativo dos inquiridos (cerca de 40%) reconhece já ter perdido ou perspetivam uma perda de rendimentos em breve”, assinala o estudo, assinalando, contudo, que mais relevante “é a natureza assimétrica do impacto material de uma crise que começou por ser de saúde pública. Nem todos os grupos foram afetados do mesmo modo”.
De acordo com este inquérito há muitos factores que influem na proporção de perda de rendimentos entre a massa de trabalhadores portugueses: idade, estrutura do agregado familiar, escolaridade e situação económica anterior ao deflagrar da pandemia.
“São os mais jovens e os adultos ainda numa fase inicial da sua vida ativa quem se apresenta como mais vulnerável materialmente. Do mesmo modo que são os inquiridos com mais de 55 anos e, em particular, com mais de 65 que, comparativamente, estão em situação de menor vulnerabilidade”, concluem a investigação.