Costa garante que o diabo não vem aí e põe défice abaixo de 2,5%
O primeiro-ministro António Costa levou ao parlamento as linhas orientadoras do Orçamento do Estado para 2017. O primeiro debate quinzenal da legislatura serviu para traçar a linha que separa a política deste Governo das opções PSD-CDS/PP, que levaram à “catástrofe social” dos anos da anterior governação. Garantindo a recuperação económica e o cumprimento do défice exigido por Bruxelas, Costa foi confrontado pelo líder da oposição, Pedro Passos Coelho, que o acusou de retratar a realidade “como se ela fosse outra”.
Costa
“Ao contrário do que muitos vaticinavam, este caminho que decidimos percorrer tem sido possível.” Assentando a escolha ideológica que o seu executivo fez para esta governação, o primeiro-ministro assumiu ter escolhido “construir um país com mais igualdade para interromper a catástrofe social” dos anos da anterior governação.
Costa procurou na sua intervenção inicial explicar em que pilares assenta esse modelo económico e social posto a andar pelo executivo socialista e que será para prosseguir com o Orçamento de 2017.
Neste lote de medidas, está, de acordo com o chefe do Governo, o combate às desigualdades, a reposição dos rendimentos das famílias (o fim da sobretaxa de IRS e da contribuição extraordinária de solidariedade, a reposição dos salários da Função Pública e o aumento progressivo do salário mínimo), o reforço das políticas de coesão social (restabelece moldes do rendimento social de inserção e do complemento solidário para idosos) e também a recuperação do investimento, a capitalização das empresas e a promoção da inovação na economia.Défice inferior a 2,5 por cento
O primeiro-ministro manifestou confiança em que o défice de 2016, “de acordo com todas as previsões … ficará claramente abaixo dos 3% do PIB e, com conforto, será mesmo inferior a 2,5% do Produto Interno Bruto”.
Recuperar rendimentos
“A política de recuperação de rendimentos será continuada, quer por via do aumento das pensões, pela atualização do salário mínimo nacional e das prestações sociais, e pela redução do nível de fiscalidade. Garantimos, assim, melhores condições de vida para as famílias, a valorização do trabalho e maior justiça social.” “Prometemos uma alternativa que respeitasse o nosso programa, as posições da maioria que apoia o Governo e os compromissos internacionais do nosso país - e é isso que estamos a cumprir, contrariando todos os catastrofismos semanais de quem já mais nada tem para dar, do que esperar o falhanço do país”, declarou António Costa a concluir o seu discurso perante a câmara, revelando que não é por isso que o seu Governo está conformado.
“Sabemos que ainda há muito a fazer. Depois do tempo das urgências, é agora o tempo de vencer os bloqueios estruturais ao nosso desenvolvimento”, disse, para apontar os pilares do Programa Nacional de Reformas: prioridades nos combates às desigualdades e o reforço do Estado social, através de apostas na qualificação e conhecimento, na educação (com a generalização do pré-escolar a partir dos três anos) e no investimento na cultura e na ciência e a internacionalização das instituições de Ensino Superior.
Nos vectores económicos está a recuperação do investimento, capitalização das empresas e a promoção da inovação na economia: “Só essa dinâmica sustentará a trajetória de diversificação das exportações e de produção de bens e serviços com maior incorporação de valor acrescentado nacional, ganhando competitividade com valor e não empobrecimento coletivo com baixos salários”, assinalou o chefe do executivo.
Passos compara Costa a Sócrates
Pedro Passos Coelho tomou então a palavra para contrariar o optimismo económico do primeiro-ministro, comparando António Costa a José Sócrates quando retrata a realidade “como se ela fosse outra”.
Passos Coelho
“Lembro-me do que o seu colega primeiro-ministro de então dizia em 2010. E muito parecido consigo”.
“Ao contrário daquilo que diz, está a retratar a realidade como se ela fosse outra e isso é perigoso, ter governantes que gostam de ver as coisas como elas não são paga-se caro e nós pagámos isso muito caro durante uns anos”, sublinhou o líder do PSD e da oposição.
Passos Coelho afirmou ainda que o discurso de Sócrates em 2010 era parecido com o do actual primeiro-ministro, para avisar que desta vez terá de ser António Costa a resolver os problemas que criar: “Lembro-me do que o seu colega primeiro-ministro de então dizia em 2010. É muito parecido consigo, não demorou muito e estava a propor o aumento dos impostos como os senhores agora fazem, o corte do investimento público, o corte das prestações sociais e o Governo seguinte que trate de limpar a casa”.
“Há uma coisa que eu lhe garanto: esta parte da limpeza será mesmo vossa excelência que terá o prazer de a fazer”, disse Passos.
Três mitos
Pouco incomodado com a ideia de “fazer limpezas”, António Costa procurou desmontar o que diz serem os três mitos invocados pela oposição para criticar o trabalho do Governo socialista: a economia não está a crescer como devia; as importações estão em queda; o investimento está a cair.
“Não gosta da realidade e por isso é que eu percebo porque é que apela ao diabo”Dirigindo-se à bancada laranja, o primeiro-ministro começou por garantir que a economia não estava a crescer no terceiro trimestre de 2015, situação que o seu Governo já conseguiu inverter.
Quanto às exportações, traçou um cenário idêntico: em 2015 estavam de facto a baixar, mas em 2016 já começaram a subir. A mesma ideia deixada para o investimento. “É falso que não estejamos a crescer mais do que estávamos a crescer o ano passado, é falso que não estejamos a exportar mais do que exportávamos o ano passado, é falso que não haja mais investimento do que havia o ano passado e, sobretudo, é falso que não haja mais investimento estrangeiro do que aquele que havia no ano passado”.
“O senhor deputado não gosta desta realidade, mas o diabo é este”, atirou Costa, numa reacção em que fez uso do refrão que foi acompanhando os discursos de Passos Coelho sobre a governação socialista, e em que repetiu “em setembro vem aí o diabo”. António Costa brincou com a imagem de Passos mais do que uma vez.
“Não gosta da realidade e por isso é que eu percebo porque é que apela ao diabo, porque a realidade é muito dura e mais vale falar das ficções do que da vida real. Percebo que é um fardo muito pesado. [O deste Governo] vai ser limpar esse fardo e relançar o país”, acrescentou, invocando a pobreza criada durante os anos de governação de Passos Coelho, ao desemprego gerado e ao fracasso na execução das finanças públicas.
Taxa para os mais ricos
Mas não foi apenas de Orçamento que se falou no hemiciclo. A já chamada taxa Mortágua emergiu no debate numa intervenção da coordenadora do BE. Defendendo o imposto sobre os grandes patrimónios, Catarina Martins lembrou à direita os custos que as medidas do executivo Passos/Portas representaram para os rendimentos sobre o trabalho “e os mais pobres”.
O próprio primeiro-ministro lembraria que Passos Coelho defendeu há dois anos uma maior taxação sobre o património de luxo.
“É tão evidente que até o doutor Pedro Passos Coelho estava de acordo”, afirmou António Costa quando respondia à coordenadora do Bloco.Jerónimo de Sousa
“Há por aí quem venha com o velho embuste de que queremos acabar com os ricos e não com os pobres. São os mesmos que colocaram milhares de portugueses na pobreza e nunca tiveram esse rebate de consciência”, atirou o secretário-geral do PCP aos líderes da direita parlamentar, Assunção Cristas e Passos Coelho.
Catarina Martins concluiria para afirmar que é a “desculpa de sempre” da direita quando se avançam impostos sobre património ou imóveis de luxo: “É sempre assim. Sempre que há uma medida para combater privilégios, a direita dirá que isso faz perder investimento. É a desculpa de sempre”.
A presidente do CDS-PP referiu-se também ao “silêncio ensurdecedor do Governo” sobre o sobre um eventual imposto sobre património imobiliário. Avisava que “muita gente” já deixou de comprar casa em Portugal: “Pelo que eu percebi, o senhor primeiro-ministro mais uma vez não sabe responder sobre esta matéria, mas ao menos diga para outros não falarem porque à conta deste silêncio ensurdecedor do Governo pode ter a certeza que já muita gente tirou o seu dinheiro, já muita gente deixou de comprar casa em Portugal, já muita gente deixou de ponderar vir para aqui”, afirmou Assunção Cristas.
Costa respondeu que o programa de Governo “prevê efetivamente que exista a introdução da progressividade no IMI”. Está em estudo chegar a um número que “que aumente a justiça fiscal, não desincentive o investimento, não contribua para aumentar a fraude e evasão fiscal e contribua para a sustentabilidade das finanças públicas”.
c/ Lusa