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Coroa de flores na entrega dos Estaleiros de Viana do Castelo à Martifer

por RTP
O atual presidente dos ENVC, Jorge Camões, cumprimenta o presidente da West Sea, Carlos Martins, sob o olhar do seu sócio Paulo Duarte, durante a assinatura do contrato de subconcessão Tiago Petinga, Lusa


Debaixo da “revolta” da Comissão de Trabalhadores e de novas promessas de contestação parlamentar e judicial, o ministro da Defesa selou esta sexta-feira, no Forte de São Julião da Barra, em Oeiras, a subconcessão dos Estaleiros de Viana do Castelo à Martifer. Um desfecho que José Pedro Aguiar-Branco tratou de atribuir, uma vez mais, ao “falhanço do Estado como gestor”. E de retratar como um “renascimento”. Num gesto de sinal contrário, o autarca José Maria Costa levou uma coroa de flores para a cerimónia de assinatura do contrato, ou, nas suas palavras, o “velório da construção naval”.

“Vim a um velório, ao velório da construção naval em Portugal”, resumiu aos jornalistas o presidente da Câmara Municipal de Viana do Castelo, José Maria Costa, enquanto depositava um arranjo de flores na mesa que, pouco depois, serviria para a assinatura do contrato de subconcessão dos Estaleiros Navais ao grupo Martifer.
Nos termos do contrato, a West Sea, empresa criada pela Martifer, pagará ao Estado, até 2031, uma renda anual de 415 mil euros. O grupo prevê contratar 400 dos mais de 600 trabalhadores dos Estaleiros de Viana do Castelo. Até quinta-feira tinham aderido ao plano de rescisões 120 profissionais, num montante global de indemnizações de oito milhões de euros.

O objeto simbólico da contestação do autarca socialista à alienação dos terrenos e infraestruturas dos Estaleiros, que o levou mesmo a fazer um par de participações – até agora infrutíferas - à Procuradoria-Geral da República, seria prontamente removido pelos organizadores do evento. Para abrir caminho às assinaturas do administrador dos ENVC Jorge Camões e de Carlos Martins e Paulo Duarte, pela West Sea, Estaleiros Navais, Lda.

Na contagem decrescente para o momento da assinatura já a Comissão de Trabalhadores reiterara “um sentimento de revolta, de repúdio, por esta decisão”. “Uma decisão que nos permite, a partir de agora, encetar outros caminhos para parar este processo da subconcessão, este crime social que querem fazer”, acrescentava então o porta-voz daquela estrutura, António Costa.

“Hoje não é um dia triste. Ao longo dos últimos dois anos, desde que nos retiraram o trabalho, todos os dias são tristes, porque a pior coisa que pode acontecer a um trabalhador – e acho que ao senhor ministro da Defesa também - é retirarem-lhe o trabalho”, continuou.

“Eu gostava que o senhor primeiro-ministro colocasse o senhor ministro da Defesa numa sala, durante dois anos, para ver se ele se sentiria bem, psicologicamente, sem trabalho”, acabaria por sugerir o porta-voz da Comissão de Trabalhadores.
“O falhanço do Estado como gestor”

Assinado o contrato, o ministro visado pela Comissão de Trabalhadores preferiu insistir no argumento de que “os Estaleiros de Viana do Castelo são o exemplo do falhanço do Estado como gestor”. E do que José Pedro Aguiar-Branco encara igualmente como o “falhanço do modelo ideológico de quem acreditou que o Estado tem de saber produzir navios e bens e serviços que não são essenciais”.

O Estado, propugnou Aguiar-Branco “não tem que produzir navios, tal como não tem de saber produzir cerveja”, e “nunca foi a solução” para os ENVC, antes “o problema”: “Nos últimos 12 anos passaram pelos Estaleiros 12 conselhos de administração diferentes, 25 navios construídos, dois navios por cada administração com prejuízos acumulados superiores a 100 milhões de euros”.


Foto: Tiago Petinga, Lusa

Mas o ministro da Defesa também reconheceria que a subconcessão “é uma opção ideológica”.

Por sua vez, o presidente da Martifer, Carlos Martins, quis assumir “publicamente o compromisso” de “continuar a fazer navios e a reparar navios” em Viana do Castelo. Disse também esperar que “não sejam precisos cinco anos” para chegar à conclusão de que “valeu a pena”.

Carlos Martins adiantaria que o projeto da West Sea passa por “especializar o estaleiro”, de modo a “centralizar maioritariamente a atividade naval no apoio às plataformas de gás e petróleo no mundo inteiro”. Questionado pelos jornalistas após a cerimónia, o responsável revelou ter contratado, até ao momento, apenas dois antigos trabalhadores dos ENVC e que “à partida os salários serão mantidos”. Já no que toca “às regalias, que eram boas”, terão de passar a igualar aquelas que “a Martifer pratica”.
PCP não desarma

Da liça parlamentar resultou entretanto o chumbo, ditado por PSD e CDS-PP, da proposta comunista para a formação de uma comissão parlamentar de inquérito ao processo de subconcessão dos Estaleiros de Viana.

A iniciativa colheu, por outro lado, a “luz verde” do PS, BE e Partido Ecologista “Os Verdes”. Com as abstenções, todavia, dos deputados socialistas Isabel Moreira, Marcos Perestrello, Miranda Calha e Ana Catarina Mendes.

O deputado comunista António Filipe fez já saber que foram encetados contactos com as demais forças partidárias da oposição para recolher assinaturas com vista a um pedido potestativo de um inquérito parlamentar.
“Mais do que indícios de ilegalidade”

Outra voz que se juntou, nas últimas horas, aos críticos da subconcessão foi a do advogado Garcia Pereira, que em declarações à RTP se mostrou convicto de que ainda será possível travar o processo com uma providência cautelar, apesar da assinatura do contrato.
Também o Bloco de Esquerda se prepara para formalizar uma queixa no Ministério Público sobre a "condução administrativa" da subconcessão dos Estaleiros de Viana, alegando que o processo não respeitou o Código de Contratação Pública, que permitiria "preservar" os postos de trabalho.


“Obviamente que existem, diria, mais do que indícios de ilegalidade. Em primeiro lugar, o que está aqui em causa é todo um procedimento que visa defraudar o preceito da lei portuguesa e da lei comunitária que estabelece que quando determinada unidade económica muda de mãos o novo titular dessa unidade económica herda a posição da entidade empregadora, dos contratos dos trabalhadores que trabalham nessa unidade económica”, disse o advogado.

“Ora, o que este procedimento, chamemos-lhe assim, permite é o resultado absolutamente contrário à lei de a empresa subconcessionária ficar titular de tudo o que é ativo da empresa, mas não ficar titular dos contratos de trabalho. E portanto é de facto um negócio muito vantajoso para uma empresa altamente endividada e de capacidade económico-financeira mais do que duvidosa para assegurar o cumprimento das obrigações a que se vinculou, em condições, digamos, pecuniárias verdadeiramente escandalosas”, acentuou.

Foi totalmente oposta a convicção manifestada em Oeiras pelo titular da pasta da Defesa: “O Governo tem 100 por cento confiança de que não há nenhuma ilegalidade ou irregularidade, muito menos de natureza criminal”.

“O Governo tem a certeza absoluta de que cumpriu todas as regras do ponto de vista da legalidade concursal, administrativa e transparência, já o disse mais de uma vez”, concluiu Aguiar-Branco.
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