Centenas de pessoas desfilaram hoje na cidade cabo-verdiana do Mindelo, ilha de São Vicente, à revelia das autoridades, protestando contra o alegado tratamento discriminatório, face à proibição nacional de festas de Carnaval devido à covid-19.
"As autoridades não aceitaram e nem apareceram na manifestação. Primeiramente não quiseram nem receber a nota a visar sobre a manifestação. Nem a câmara municipal, nem a polícia aceitaram o nosso documento", afirmou João Brito, de um dos grupos oficiais de Carnaval de São Vicente e organizador da manifestação, que decorreu sem incidentes, recriando o percurso habitual do desfile carnavalesco no Mindelo e com alguns dos participantes fantasiados.
Brito explicou que o protesto decorreu após uma análise à situação na ilha de São Vicente, palco do mais emblemático Carnaval em Cabo Verde, face ao que dizem ser a realidade nas outras ilhas, apesar da proibição nacional de realização de qualquer festa, pública ou privada, devido à evolução da pandemia de covid-19.
"Tem uma lei nacional que impõe que estando em estado de calamidade não pode haver eventos em todos os locais. Percebemos que tem havido manifestações [culturais] e em São Vicente não (...). Tem havido festa de Carnaval em Santiago, no Fogo e em São Vicente foram [a Polícia] nos bares e disseram que não se pode tocar música de Carnaval", reclamou João Brito, afirmando que os artistas daquela ilha estão a ser "prejudicados".
Acrescentou que a situação atual da pandemia em Cabo Verde fez aumentar a adesão popular à manifestação desta noite: "Quando a pandemia estava numa situação complicada, aceitámos [as restrições], mas hoje sentimo-nos um pouco livres, então podemos gozar um pouco o Carnaval".
Devido ao forte aumento de casos de covid-19 entre dezembro e janeiro, o Governo cabo-verdiano proibiu todas as festas públicas e privadas de Carnaval, bem como as atividades dos grupos, em todas as ilhas, medida que afeta sobretudo os de São Vicente e de São Nicolau, que têm as festas mais conhecidas do arquipélago.
Cabo Verde atingiu um pico diário de cerca de 1.400 novos infetados com o novo coronavírus num único dia em janeiro, já com a nova variante Ómicron a circular no arquipélago, chegando então a registar mais de 7.000 casos ativos.
A situação melhorou rapidamente a partir da segunda semana de janeiro, chegando em fevereiro a vários dias sem novos casos e hoje apenas com 19 casos ativos.
Contudo, o Governo cabo-verdiano prorrogou em 19 de fevereiro por mais 15 dias a situação de contingência em todo o país devido à pandemia de covid-19 e não decretou a habitual tolerância de ponto no período festivo do Carnaval, alegando "que as razões de fundo que levaram a que fosse decretada a situação de contingência em todo o território nacional ainda se mantêm".
De acordo com João Brito, há muitas pessoas que vivem à volta da atividade do Carnaval, que movimenta a economia local em São Vicente, e que estão a passar por dificuldades, no segundo ano consecutivo sem festa devido à pandemia de covid-19.
"A senhora que costura se não há Carnaval fica numa situação complicada. Quando há Carnaval, tem possibilidades de colocar em casa uma TV, um frigorífico ou um saco de arroz, mas as pessoas não enxergam esta parte, pensam que é só diversão", diz, ao mesmo tempo que inclui os artesãos na lista das figuras da festa local que estão a passar por dificuldades.
Sem precisar o número de manifestantes no protesto de hoje, João Brito mostrou-se satisfeito pela forma como a manifestação decorreu, realizando precisamente o mesmo percurso que o Carnaval percorre anualmente no Mindelo, com música e batucada.
"Não tenho noção de quantas pessoas apareceram, mas para mim cada um vale um milhão e fico satisfeito por meu povo ter ouvido minha voz e ter aparecido", concluiu.