"Capaz de comprar todos os políticos". Indústria petrolífera gerou lucros de 2,8 mil milhões de dólares por dia ao longo de 50 anos

por RTP
Esta é a primeira avaliação a longo prazo dos lucros do setor, com as receitas do petróleo a representarem 86% do total. Ako Rasheed - Reuters

A indústria do petróleo e do gás gerou 2,8 mil milhões de dólares por dia em lucros no último meio século, revelou uma nova análise. O total arrecadado por Estados ricos em petróleo e por empresas de combustíveis fósseis desde 1970 é de 52 biliões de dólares, valor "capaz de comprar todos os políticos, todos os sistemas" e de atrasar a ação sobre a crise climática, alertou o autor do estudo, Aviel Verbruggen.

A análise, baseada em dados do Banco Mundial, avalia as margens de lucro garantidas pelas vendas globais de petróleo e gás, ou seja, o valor produzido após a dedução do custo total de produção.

O estudo ainda não foi publicado em revistas académicas, mas três especialistas da University College London, da London School of Economics e do thinktank Carbon Tracker confirmaram a análise como precisa, com um deles a considerar o total um “número impressionante”. Esta é a primeira avaliação a longo prazo dos lucros do setor, com as receitas do petróleo a representarem 86% do total.

As emissões da queima de combustíveis fósseis impulsionaram a crise climática e contribuíram para piorar os estados de clima extremo, incluindo as atuais ondas de calor que atingem vários países do hemisfério norte, entre os quais Portugal.

“Fiquei realmente surpreendido com números tão altos”, disse o professor e autor do estudo, Aviel Verbruggen, economista de energia e meio ambiente na Universidade de Antuérpia, na Bélgica.

“É uma quantia enorme de dinheiro”, referiu. “Pode ser usado para comprar todos os políticos, todos os sistemas, e acho que isso aconteceu. Protege [os produtores de petróleo e gás] da intervenção dos políticos, que poderiam limitar as suas atividades”.

Para Verbruggen, os lucros da exploração dos recursos naturais não são merecidos. “Eles capturaram 1% de toda a riqueza do mundo sem fazerem nada por isso”, considerou. O lucro médio anual entre 1970 e 2020 foi de um bilião de dólares, mas poderá duas vezes maior já em 2022, alertou o especialista.

Esta captura de lucros poderá estar a impedir as ações globais sobre a emergência climática. “Em todos os países, as pessoas têm tanta dificuldade em pagar as contas de gás e eletricidade e em abastecer de petróleo que não sobra dinheiro para investir em energias renováveis”, explicou Verbruggen.

A análise deste especialista baseou-se nos dados sobre lucros de petróleo e gás do Banco Mundial, que os reúne país por país.
“Lavagem verde”
A indústria de combustíveis fósseis beneficia de subsídios de 16 mil milhões de dólares por dia, segundo o Fundo Monetário Internacional.

“A realidade é que, nos últimos 50 anos, as empresas ganharam muito dinheiro a produzir combustíveis fósseis, cuja queima é a principal causa das mudanças climáticas. E isso está a causar miséria incalculável em todo o mundo e é uma grande ameaça para [o futuro da] civilização humana”, disse, por sua vez, Paul Ekins, professor da University College London.

“No mínimo, essas empresas deveriam investir uma parte muito maior dos seus lucros na transição para a energia de baixo carbono do que investem atualmente. Até que o façam, as suas alegações de que fazem parte da transição energética estão entre os exemplos mais flagrantes de ‘lavagem verde’”.

Mark Campanale, do thinktank Carbon Tracker, acredita que “numa altura de crise do custo de vida, causada por preços recorde de petróleo e gás, esse fluxo de dinheiro deve duplicar este ano. Mudar para um sistema de energia neutro em carbono baseado em energias renováveis é a única maneira de acabar com esta loucura”.

O Guardian revelou em maio que as maiores empresas de combustíveis fósseis do mundo estão a planear dezenas de projetos de “bombas de carbono”, que levariam o clima além dos limites de temperatura acordados internacionalmente, com impactos globais catastróficos.
PUB