Banco Central da Rússia prevê contração máxima da economia do país em 2023

por Graça Andrade Ramos - RTP
Presidente da Federação Russa, Vladimir Putin Reuters

Afetada pelo impacto "catastrófico" das sanções ocidentais, a economia russa deverá contrair entre quatro e seis por cento este ano e mais entre um e quatro por cento em 2023, antes de regressar ao crescimento positivo em 2024, de acordo com as expetativas reveladas esta sexta-feira pelo Banco Central do país.

A contração do Produto Interno Bruto irá atingir o seu ponto mais baixo na primeira metade de 2023”, referiu o vice-governador Alexei Zabotkin. “A economia irá depois progredir para um novo equilíbrio de longo prazo”.

A expetativa do BCR não é infundada. “Dados de junho sugerem que a contração da economia russa parece ter batido no fundo com a situação nalgumas indústrias a estabilizar”, defendeu Sergey Konygin, economista do Sinara Investmente Bang, à Agência Reuters.

A contração económica no segundo trimestre de 2022 foi também menos grave do que o inicialmente esperado. Os números indicam uma quebra de 4.3 por cento do PIB russo, contra previsões de sete por cento face ao período homólogo entre abril e junho e depois de ter crescido 3.5 por cento no primeiro trimestre.

Apesar disso no início do mês de Agosto surgiram os primeiros indícios de que a economia russa dependente das exportações está à beira da recessão, com a perspetiva de contração a acentuar-se no terceiro trimestre até sete por cento de acordo com projeções do Banco Central russo. A economia deverá começar a recuperar na segunda metade de 2023, antecipa o regulador russo. Um relativo otimismo que poderá não dar frutos se a guerra na Ucrânia continuar.

A contração está a ser atribuída aos efeitos crescentes das sanções sem precedentes impostas pela União Europeia e pelos Estados Unidos como castigo pela invasão da Ucrânia.

E os seus efeitos poderão revelar-se duradouros.

Estudos recentes revelam que o impacto do isolamento ocidental da Rússia estará a ser tal que a recuperação económica em menos de 24 meses poderá ficar comprometida, até por dificuldades de regresso aos mercados anteriores.

O desemprego, por exemplo, deverá atingir pelo menos quatro milhões de pessoas até final de 2022 e há sinais de uma corrida aos depósitos bancários. Calcula-se ainda que 15.000 oligarcas conseguiram fugir do país, levando consigo imensas fortunas.
Cenário de recessão
A economia russa diminuiu quatro por cento no segundo trimestre de 2022 face ao período homólogo, correspondente ao primeiro período da guerra na Ucrânia, demonstraram dados preliminares publicados pelo gabinete russo de estatísticas Rossat.

A recessão tem-se aprofundado desde 24 de fevereiro, data em que Moscovo iniciou a sua “operação especial” na Ucrânia, a qual desencadeou restrições abrangentes ocidentais contra os setores energético e financeiro da Rússia.

Entre as medidas está o congelamento de reservas russas detidas no exterior, que levou dezenas de empresas ocidentais a abandonar o mercado russo. A Rosstat não providenciou detalhes mas os analistas acreditam que a contração da economia se deve aos resultados das sanções acoplada a uma fraca procura consumista.

Um estudo da Universidade de Yale revelou em finais de julho que a economia russa foi “catastroficamente incapacitada” pelas sanções e pelo êxodo massivo das empresas ocidentais.

A pesquisa, tida como a primeira “análise abrangente” da economia russa, indicou que após o início da ofensiva na Ucrânia a Rússia foi atingida por um impacto devastador em diversas áreas.

O país "perdeu empresas representativas de cerca de 40 por cento do seu PIB, revertendo totalmente quase três décadas de investimento estrangeiro”, escreveram os investigadores da Faculdade de Gestão de Yale. A situação foi agravada pela fuga “sem precedentes” de capitais e de pessoas.

Mais de mil empresas restringiram as suas operações na Rússia ou abandonaram o país desde 24 de fevereiro, num efeito transversal em todas as indústrias, da moda às finanças. As sanções, refere o estudo, “deterioraram irrevogavelmente” as exportações russas e as importações do país “colapsaram na sua maioria”, provocando “cortes generalizados dos abastecimentos”.

Os cinco autores contestam ainda a narrativa do Kremlin de que as sanções estão a prejudicar mais os países ocidentais “dada a suposta resiliência e inclusive prosperidade da economia russa”.

“Isso simplesmente não é verdade”, afirmaram.
Economia parada
Devido às sanções, a indústria russa, dependente em grande medida de bens importados, praticamente parou, refere o estudo de Yale.

“Apesar das ilusões de [presidente da Rússia Vladimir] Putin quanto à auto suficiência e substituição das importações, a produção interna russa está completamente parada sem capacidade de substituir negócios, produtos e talentos”, afirmaram. Já o “esvaziamento da base de inovação e de produção russas levou à subida generalizada de preços e à angústia dos consumidores”.

As capacidades exportadoras russas também foram atingidas, tendo-se a respetiva posição de liderança “deteriorado irremediavelmente, uma vez que agora negoceia a partir de uma posição enfraquecida com a perda dos seus anteriores mercados principais”.

A Rússia “enfrenta desafios íngremes na execução da sua ‘mudança para a Ásia’ sem exportações como gás via gasodutos”, acrescenta o estudo.

As exportações energéticas de gás e de petróleo representam 60 por cento do rendimentos estatais russos, implicando que as exportações de mercadorias são bem mais importantes para a Rússia do que para o resto do mundo.

Estes não são os únicos sinais alarmantes.

A Faculdade de Economia de Kiev publicou, a 10 de agosto, dados sobre a economia russa antecipando que quase quatro milhões de russos irão perder o emprego até finais de 2022.

O estudo ucraniano cita quebras de 40 por cento nos lucros das exportações energéticas russas, com setores como o comércio eletrónico ou a indústria madeireira a serem igualmente profundamente atingidos, e antecipa que o impacto económico da contração deixará o Kremlin sem opções. “O Fundo Monetário Internacional prevê que o desemprego atinja 9.3 por cento na federação Russa em 2022, o que seria equivalente a 3.8 milhões de desempregados adicionais”, nota o estudo de Kiev.

“De acordo com as estimativas do Centro de Pesquisa Estratégica Russo, no final de 2022 o desemprego terá aumentado de forma significativa em 63 por cento das regiões da Rússia, em 16 regiões o desemprego irá pelo menos duplicar face aos níveis médios de janeiro-março de 2022 e em 53 regiões será superior em 1,5 vezes ou mais”, afirmam os autores de Kiev.

“Entre as cinco indústrias mais afetadas pelo número esperado de perda de empregos incluem-se os transportes e logísticas, a indústria automóvel, as vendas grossistas e o comércio eletrónico, a indústria madeireira e os produtos de madeira”, referem.
Secretismo de Putin
O relatório ucraniano sugere que Putin está consciente da situação perigosa em que o país se encontra economicamente e está a tentar evitar que a informação chegue ao público.

“O setor bancário russo tornou-se cada vez mais opaco. A 22 de abril, os bancos russos foram autorizados a não publicar relatórios financeiros intermédios e anuais até setembro de 2022” refere.

Além disso o Banco Central Russo, CBR, “não irá publicar relatórios financeiros até 1 de outubro, tendo deixado de publicar a lista de participantes no SPFS [equivalente ao sistema SWIFT]. Além disso, a um de maio Putin promulgou legislação a proibir os bancos de partilhar informações privilegiadas com países não amigos” acrescenta o documento. O presidente russo assinou, a 14 de julho, legislação a autorizar igualmente o Governo a esconder informações sobre as suas reservas internacionais de moeda, com estas informações a tornarem-se segredo de Estado.

A Rússia está ainda a retirar financiamento a programas públicos no valor de 1,6 biliões de rublos entre 2023 e 2025, afirma o relatório ucraniano. Os seus autores concluem que Putin está a tentar proteger as suas reservas de novos congelamentos.

Sinais da apreensão russa são as provas crescentes de uma corrida aos bancos, com uma quebra de 1.3 biliões de rublos em depósitos individuais equivalente a 3.8 por cento na primeira metade deste ano e que em junho atingiu os 32.9 biliões de rublos.

“Os russos começaram a retirar dinheiro dos bancos para ficarem com dinheiro vivo” referem em Kiev.

Em março, os depósitos em fundos cairam quase três biliões de rublos, ou 9.7 por cento e em junho equivaliam a 36.7 biliões em moeda russa, depois de ter evidenciado crescimento nos dois primeiros meses do ano, indica o relatório.

“Ao mesmo tempo, a atividade de crédito na Rússia demonstra enfraquecimento similar, desde 22 de fevereiro as reservas caíram para 50 biliões de rublos ou 9.5 por cento”.

“O povo e as empresas russas já estão a enfrentar um declínio no consumo com uma quebra de 22 por centos nas importações, incluindo eletrodomésticos importantes e tecnologias cruciais para a produção”, lembra ainda a faculdade de Kiev, apontando a possibilidade de descontentamento crescente.

“Se os preços do petróleo descerem ou se a Europa introduzir tetos para o preço do gás ou qualquer dos lados decidir cortar o abastecimento de gás russo à Europa além dos atuais 43 por cento, o efeito irá materializar-se no próximo ano”, referem os analistas ucranianos.

A Faculdade de Economia de Kiev acredita que a Rússia se encaminha para uma recessão semelhante às vividas em 2009, em 2016 e em 2020.
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