Os venezuelanos estão divididos sobre a aproximação entre os Estados Unidos e a Venezuela, materializada na recente visita de uma delegação da Casa Branca a Caracas, com o cidadão comum a mostrar um crescente sentimento antiamericano.
"Estou dececionado, passámos anos de sanções, de dificuldades que se agravaram com as sanções, de tensões entre os EUA e a Venezuela, que parece que agora simplesmente vão acabar, porque os norte-americanos precisam de petróleo, um produto que aumentou de preço devido à guerra entre a Rússia e a Ucrânia", explicou Marcos Pujol González à agência Lusa.
Quase a terminar a carreira de "estudos económicos", este venezuelano, de 25 anos, sublinhou ainda que "os venezuelanos foram manipulados pelos EUA, fazendo acreditar que a oposição poderia forçar uma mudança de regime no país e agora, por puro interesse norte-americano, passam a reconhecer um Governo que eles diziam ser ditatorial".
O comerciante Arturo Mateo, 40 anos, disse à Lusa não estar "nada contente com o que acontece", admitindo, no entanto, que a aproximação entre ambos os países poderá "trazer estabilidade e alguma tranquilidade à Venezuela".
"Mas, mesmo que digam que a política é uma coisa que muda, é difícil entender esta mudança por parte de Washington e isso faz pensar que os políticos são iguais em todo o lado, neste caso, quando lhes convém induzem a população contra o regime e quando não, acontecem estas coisas que mesmo que pareçam não são brincadeira", sublinhou o comerciante.
Simpatizante do regime, Jesus F. Junior, estudante de arquitetura, "não entende bem o que se está a passar", mesmo depois de Diosdado Cabelo, vice-presidente do Partido Socialista Unido da Venezuela (no poder), ter afirmado que os Estados Unidos finalmente "captaram a mensagem" de que o Presidente da Venezuela é Nicolás Maduro e que se quiserem falar com ele terão que ligar ao palácio presidencial de Miraflores.
"Os EUA sempre brincaram connosco, desclassificaram-nos, imiscuíram-se nos nossos assuntos, queriam as nossas riquezas naturais e o petróleo, e agora vamos ter que ser amigos dos norte-americanos. Algo não está claro e cada vez temos mais dúvidas", disse.
Segundo o geólogo petrolífero Gustavo Coronel, a invasão da Ucrânia pela Rússia "colocou a já agonizante economia venezuelana numa posição mais complexa e negativa", porque "a guerra aumentou desmesuradamente o valor do petróleo, do qual a Venezuela viveu durante tantos anos, mas agora, nem com ele pode aproveitar as circunstâncias".
"Impõe-se o pragmatismo. De ambos os lados. A Venezuela tem petróleo congelado e os EUA precisam desse petróleo. Maduro, por seu lado, está desesperado por dinheiro fresco, pelo levantamento de sanções internacionais", disse.
Perante este cenário, segundo o comentador Félix Arellano, a oposição venezuelana tem perante si o desafio de se reorganizar, porque os Estados Unidos jogam estrategicamente segundo os seus interesses.
Já o analista político Benigno Alarcón, entende que o contacto direto entre o Governo norte-americano e Nicolás Maduro não implica uma mudança da política de Joe Biden para com a Venezuela e também não é uma garantia de que as sanções internacionais sejam levantadas.
Em 05 de março último, o Presidente da Venezuela recebeu uma delegação de alto nível de responsáveis da Casa Branca no palácio presidencial de Miraflores, em Caracas.
O encontrou foi confirmado por Maduro, que considerou que a reunião foi "cordial e muito diplomática".
A viagem a Caracas, segundo a porta-voz da Casa Branca, Jen Psaki, teve como objetivo "discutir diferentes questões, entre elas, claro, a segurança energética" numa altura de escalada do preço do petróleo, devido ao conflito entre a Rússia e a Ucrânia.
As autoridades norte-americanas, acrescentou Jen Psaki, também abordaram a situação dos seis ex-gestores da Citgo (subsidiária da petrolífera estatal venezuelana), cinco dos quais são cidadãos norte-americanos e um residente permanente, atualmente preso em Caracas.
Em 08 de março as autoridades venezuelanas libertaram dois norte-americanos, Gustavo Adolfo Cárdenas, antigo gestor da Citgo, e José Alberto Fernández, que a imprensa local diz ser um turista cubano-americano acusado de terrorismo em fevereiro de 2021.
Na imprensa venezuelana a visita da delegação norte-americana foi vista como uma tentativa de, no âmbito da guerra entre a Rússia e a Ucrânia, isolar o Presidente russo, Vladimir Putin, de quem o Governo de Caracas é aliado.
A Rússia lançou em 24 de fevereiro uma ofensiva militar na Ucrânia que já causou pelo menos 549 mortos e mais de 950 feridos entre a população civil e provocou a fuga de 4,5 milhões de pessoas, entre as quais 2,5 milhões para os países vizinhos, segundo os mais recentes dados da ONU.
A invasão russa foi condenada pela generalidade da comunidade internacional, que respondeu com o envio de armamento para a Ucrânia e o reforço de sanções económicas a Moscovo.