Rajadas de vento de 40 nós e uma tempestade de areia fizeram o navio de carga MV Ever Given encalhar e atravessar-se em pleno Canal do Suez, terça-feira às 07h40 da manhã (hora local). Mais de 100 navios esperam há mais de 24h00 para seguir viagem, ancorados a sul e a norte da passagem de 151 quilómetros ao longo do Egipto, vital para o comércio mundial entre a Ásia e a Europa.
A Autoridade do Canal do Suez, SCA, está a estudar a reabertura de uma seção mais antiga do Canal de forma a desviar por ali o tráfego bloqueado nas duas direções.
Um comboio de navios com destino ao sul foi alertado para se colocar de prontidão.
O presidente da empresa, Osama Rabie, disse esperar que "se Deus quiser, tudo fique resolvido ainda hoje" e admitiu compensar os armadores dos navios retidos.
Talvez uma semana
Um capitão piloto sénior da Autoridade do Canal do Suez, sob anonimato, referiu à CNN que dois dias seria o mínimo de tempo necessário para desencalhar totalmente o porta-contentores de forma a desimpedir o tráfego.
Colocar um navio tão grande de novo a flutuar é "tecnicamente muito complicado", afirmou. O equipamento técnico existe e está disponível mas tem de ser utilizado da forma certa. No pior cenário as manobras poderão demorar sete a oito dias, com um impacto extremamente desestabilizador em todo o comércio mundial.
"Se o método não for o correto poderá demorar uma semana, se for bem feito poderá demorar dois dias. Mas se tivesse sido correto de princípio, a crise poderia ter sido ultrapassada ontem", sublinhou o piloto da SCA.
O navio, de pavilhão do Panamá e gerido pela BSM Hong Kong, vinha do Mar Vermelho com destino ao porto de Roterdão, na Holanda, de acordo com o portal de vigilância marítima Vessel Finder.
Devido aos estragos provocados pelo incidente deverá vir a ser rebocado para reparações até ao local de estacionamento mais próximo, o Grande Lago Amargo, 30 quilómetros mais a norte.
Vulnerabilidade
O incidente levou um analista a sublinhar não só a importância da passagem para o comércio mundial, já duramente afetado pela pandemia de Covid-19, mas também a sua vulnerabilidade.
"Esta é uma passagem marítima estratégica, um gargalo, atravessado por muitos navios e se alguma coisa acontece, pode ser muito perturbador para a troca de bens entre transportadoras e para a comunidade global", referiu Gerry Northwood, presidente da seguradora MAST, à Al Jazeera.
Um incidente deste tipo, explicou, é "uma espécie de aviso, um lembrete" da vulnerabilidade do Canal e do seu potencial para perturbar todo o planeta.
"Se for necessário reverter para uma rota mais longa, isso irá somar duas a três semanas de perturbações no comércio mundial enquanto este tenta organizar-se, além do acréscimo das despesas devido a uma viagem mais longa", sublinhou.
No Canal do Suez passa diariamente 12 por cento do tráfego marítimo
mundial, com a rota alternativa
entre a Ásia e a Europa, via Cabo da Boa Esperança, a demorar pelo menos mais uma
semana. O Canal foi inaugurado em 1869. Só em 2020, de acordo com a Autoridade do Canal do Suez, SCA, este foi
usado por quase 19 mil navios, numa média de 51.5 por dia, com 1.17 mil
milhões de toneladas de carga. O tráfego beneficiou o Egito 5,6 mil
milhões de dólares em taxas.
"As próximas 24h vão ser críticas para determinar um impacto a médio termo" estimou por seu lado à Agência Reuters, Chris Evans, especialista da empresa Colliers para as cadeias de distribuição.
"Se o atraso for significativo, então a alternativa da rota do Cabo da Boa Esperança irá ser consideradas, para manter tudo em movimento", acrescentou.
Perturbações causadas pela pandemia do coronavírus SARS-CoV-2 e um aumento na procura de bens tem estado a levar nos últimos meses a congestionamentos logísticos de contentores e de produtos em todo o mundo.
Petróleo recupera
A Tanker Trackers, que usa satélites e dados marítimos para seguir as rotas dos navios, referiu que "cargueiros de petróleo saudita, russo, de Omã e dos Estados Unidos, estão à espera em ambos os extremos" do Canal.
A reação imediata do incidente foi a recuperação do preço do petróleo de um dos seus dias de menor valor nos mercados.
Receios de atrasos nos fornecimentos devido ao engarrafamento no Suez, o ouro negro valorizou mais de quatro por cento, para quase 63 dólares o barril, às 14h45 GMT, recuperando da queda de quase seis por cento dada terça-feira que fez cair os preços do barril abaixo da fasquia dos 60 dólares.Diversos fatores afetaram nas ultimas duas semanas o preço do petróleo, que caiu 12 por cento depois de ganhos substanciais devido à expectativa da recuperação da economia devido à vacinação anti-Covid nos países mais ricos. O regresso dos confinamentos na Europa deprimiu de novo os investidores e os países produtores da OPEP+ deverão reunir a 1 de abril para rever a produção.
O impacto positivo do atraso do Suez nos preços de gás e de petróleo deverá ser apenas imediato, mas irá depender do tempo que demorar a retirar o porta-contentores do local.
"Se durar durante, por exemplo, semanas, irá obviamente afetar de forma grave todas as rotas de carga", afirmou Ashok Sharma, diretor-geral da corretora de navios BRS Baxi, de Singapura, à Agência Reuters.
"Mas acredito que há recursos suficientes e próximos para lidar com a situação rapidamente", acrescentou.