A pouco e pouco a Arena Bercy foi enchendo: de fãs entusiastas e de jornalistas entusiasmados com o que iriam ver. Os quatro aparelhos estavam preparados na arena e as atenções tinham um foco: Simone Biles.
A expectativa era palpável. Depois de Tóquio, em que desistiu da maioria das competições por problemas de saúde mental, a ginasta texana parecia ter um novo rumo depois do marasmo que passou após os Jogos Olímpicos no Japão.
O tema era tabu e Simone Biles como a campeã que ganha foi também a porta-voz de como os atletas de elite também são afetados por problemas do foro mental.
Will Graves, jornalista da Associated Press (AP) lembrou, em declarações à RTP, o percurso da ginasta. A realizar a cobertura dos quartos Jogos Olímpicos da sua carreira, Graves vê, e, Simone Biles uma atleta de excepção que conseguiu manter toda a sua aptidão natural por mais de uma década.
O jornalista destaca uma faceta da texana que fugiu a muitas outras campeãs: a de conseguir trazer muita gente para a ginástica artística, não só nas bancadas como também na modalidade e lembra que quando viaja pelo mundo e fala da sua profissão, a primeira pessoa que mencionam é Simone Biles.
“Ela tem cinco movimentos com o seu nome no sistema de código de pontos e se chegar à final das barras assimétricas, vai tentar um sexto e aos 27 anos isto não acontece. O que ela está a fazer, na minha opinião, nenhum outro atleta olímpico de qualquer outro país conseguiu fazer”, destaca Graves.
Jessica O’Beirne, jornalista do popular podcast Gymcastic, segue Simone Biles desde os 13 anos, e afirma, à RTP, nunca ter tido dúvidas de que em Biles estaria a próxima grande ginasta dos Estados Unidos.
“Lembro-me de a ver e dizer: “esta vai ser a próxima Vanessa Atler, vai ser a próxima Aly Raisman. Todos os seus movimentos eram tão fáceis para ela e tão limpos, o problema na altura era que ela era tão pequena que parecia que as paralelas eram difíceis para ela porque as mãos não eram grandes o suficiente para praticar os movimentos de que ela era capaz”.
O’Beirne afirmou também que manter a forma aos 27 anos é “incrível”. Aliás, um adjetivo muitas vezes utilizado pelos jornalistas que acompanham a carreira de Biles. A jornalista mostrou-se feliz pela nova “felicidade” que a ginasta reencontrou na modalidade depois de Tóquio, depois da pandemia de covid-19Tóquio. A vulnerabilidade como ponto de partida para a mudança
Em 2021, durante a prova All Around de equipas, Simone Biles surpreendeu por ter saído do local onde decorria a prova e por ter regressado vestida, anunciando que não voltaria a competir. A equipa norte-americana perdeu o ouro para a Rússia e a ginasta iniciou, numa conferência de imprensa uma conversa sobre saúde mental, especialmente nos atletas de elite.
Will Graves lembra que muitas pessoas ficaram chateadas nos Estados Unidos com a posição de Biles em desistir, até porque acreditam que acabou por matar as aspirações da equipa norte-americana.
No entanto, o jornalista disse ter sido a melhor decisão para Biles e que foi precisa muita coragem para perceber que não estava bem, ao ponto de poder colocar-se numa situação de perigo iminente.
“Ela sabia que não estava bem, ela sabia que se competisse podia magoar-se a ela própria, porque não sabia onde estava o seu corpo em relação ao chão. E se és ginasta e passas por isso estás literalmente a colocar a tua vida em perigo”.
“Basicamente, muita gente já passou pelo que a Simone já passou e alguns deles não estão vivos. Esse trauma vai aparecer e o teu corpo decide quando vai aparecer. E quanta mais pressão tens e menos recursos tens, [o trauma] vai aparecer”.
E explicou que foi em Tóquio que o problema se manifestou, depois de Biles ter viajado para a capital japonesa, fantasma, com severas restrições devido à covid-19, sem a família e fechada num quarto.
No entanto, ambos os jornalistas destacam o papel da terapia e do terapeuta de Simone Biles. Como a ginasta mantém consultas, até mesmo durante competições, revelando que Biles falou com o terapeuta pessoal na manhã antes da prova de All Around por equipas.
“Tomar conta dela própria e ter um grupo à volta dela, treinadores, que lhe permitiu fazer isso, criou o palco para como a ginástica precisa de ser no futuro. Atletas de elite são sempre vulneráveis, estão em risco para vários tipos de abuso”, explicou O’BeirneO regresso esperado
Uma das grandes incógnitas sobre Simone Biles seria se estaria de regresso ao palco olímpico. A ginasta casou e a modalidade podia ter passado para segundo plano. Nem mesmo assim, a vontade da texana ficou abalada em querer regressar a uma competição que trouxe dissabores.
Na altura trouxe dissabores mas os mesmos podem ter trazido uma nova Simone Biles ao de cima: ainda atleta de elite e de exceção, que mostra vulnerabilidade quando todos esperam que seja implacável.
Tanto Will Graves como Jessica O’Beirne vêm o regresso da atleta com muita alegria.
“Estou muito feliz por ela, estou feliz que ela tenha novamente felicidade na ginástica. Está a trazê-la para a equipa e as pessoas conseguem perceber que é possível ultrapassar algo muito horrível e encontrar a felicidade no teu desporto mais uma vez e na tua vida”, explicou O’Beirne.
E para Jessica O’Beirne há uma certeza: Simone Biles não é a estrela da equipa dos Estados Unidos nestes Jogos Olímpicos, Simone Biles é a estrela dos Jogos Olímpicos.
E Will Graves não deixou cair a questão: será Paris o último palco olímpico de Simone Biles? Para o jornalista da Associated Press a resposta é não. Graves acredita que Biles vai fazer uma pausa na carreira para se focar na vida pessoal mas que com o aproximar dos Jogos Olímpicos em Los Angeles, a ginasta vai “ficar intrigada” com a ideia de competir em casa.
“Penso que ela vai ficar intrigada com a ideia de competir em Los Angeles e a oportunidade de jogar em casa é muito especial e se me perguntarem se ela vai estar em LA 2028, eu respondo “provavelmente”.
Entretanto, a cidade-luz tem sido testemunha do regresso em força de Simone Biles, que depois de quatro ouros, uma prata e dois bronzes conquistados no Rio de Janeiro e Tóquio, leva de Paris três ouros (All Around por equipas e individual) e saltos) e uma prata (no solo). O fenómeno continua.