Pergunta: Como correu a última prova da Taça da Europa em Quarteira. Ficaste em 12.º lugar. Fala-me das tuas sensações depois dessa prova?
Ricardo Batista: Para mim foi uma prova bastante dura desde o início. Estava à espera de um resultado um pouco melhor por ser uma Taça da Europa. Não é um nível tão alto como estou habituado a competir nas Taças do Mundo e nas WTS, que é o circuito mundial de triatlo. No entanto, por norma, é uma prova bastante competitiva, pois muitos países utilizam aquela prova como seleção para outras provas mais adiante. A minha prestação não foi a melhor mas acho que tenho que olhar para todos os pontos positivos que existiram e sair de cabeça erguida para enfrentar o que falta da época.
Falando do início da tua carreira, dá-nos uma ideia de que como começaste a carreira de triatleta, de que clube és e de alguns resultados que já tiveste?
Comecei a minha carreira de triatleta em 2012, se não estou em erro. Foi por convite do meu treinador, que ainda é o mesmo, que é o Paulo Antunes. Sou de Torres Novas e o convite surgiu numas férias desportivas que o clube fazia no verão e eu praticava natação na altura e fui convidado a experimentar o triatlo no verão. E a partir daí acabei por ficar.
Tive um amor ao desporto muito grande desde o início. Achei um desporto bastante fácil de praticar, não em termos de treino, mas é muito fácil ter a nossa cabeça ocupada todo o dia porque temos três modalidades para treinar e isso é uma coisa que me fascinou desde o início.
Em 2021, foste tricampeão de triatlo em Elites. Como é que essas vitórias te prepararam para o que viria a seguir?
Sim, em 2021 sagrei-me tricampeão nacional de triatlo, que era uma prova na Praia da Torre (Oeiras). Foi uma prova que sempre gostei muito, porque o Nacional é uma prova sempre bastante competitiva ou era, por norma uma prova bastante competitiva, por vezes até tínhamos estrageiros a elevar o nível da prova. E conseguir ganhar três anos seguidos foi, sem dúvida, três anos muito especiais, apesar de na altura participar raramente no Nacional de Triatlo. Mas acho que é sempre um título que nos motiva para enfrentar a nossa carreira com a cabeça para cima.
Pouco depois tens uma vitória na Áustria. Sagras-te campeão europeu de sub-23 em Sprints. Diz-nos como correu essa prova e quais foram as tuas sensações?
Temos dois Europeus: os Europeus de Sprints e os Europeus de distância olímpica e esse era o Europeu de Sprint, em que, normalmente, a prova é junta com as Elites. Foi uma prova que me correu bastante bem. Na altura, lembro-me de não estar à espera desse resultado, foi uma coisa que surpreendeu bastante. E é sempre bom juntar um título europeu de Triatlo de Sprint, que mais tarde voltei a repetir em 2023, que foi uma prova na Turquia, que consegui sagrar-me novamente campeão da Europa em sub-23 e campeão da Europa d Elite, que era na mesma prova.
Depois de outras vitórias, em 2024 recebes a boa notícia. Estás na equipa de Triatlo dos Jogos Olímpicos. Diz-me o que sentiste quando soubeste que irias representar Portugal na maior prova desportiva do mundo?
Acho que é uma notícia que todos os atletas esperam receber. Saber que vão integrar a equipa nacional para os Jogos Olímpicos mas para nós, não é o dia em que passamos a saber que vamos fazer parte da equipa porque o nosso apuramento não funciona com marcas, como em vários desportos. É por ranking de qualificação, ou seja, se estivermos dentro de um certo ranking já sabemos que estamos apurados. É mais só esperar pelo fecho do ranking e aí é o dia em que nós sabemos certamente que vamos aos Jogos.
No entanto, nos dias anteriores, nos meses anteriores, já sabemos se estamos dentro ou não da qualificação mas acho que é sempre uma recordação que vou ter sempre na minha cabeça, saber que não tenho de me preocupar mais com a qualificação e agora sim posso começar a preparar os Jogos Olímpicos da melhor forma.
Consegues a qualificação fazendo parte de um clube do anterior de Portugal, não falamos nem de um Benfica, nem de um Sporting. Fazes parte do Clube de Natação de Torres Novas. Como defines o apoio do teu clube e aquilo que foi a tua caminhada até chegar aos Jogos Olímpicos?
Desde sempre o clube sempre me apoiou em todas as minhas decisões e sempre me apoiou em toda a minha carreira desde o início. No Triatlo, as provas mais importantes que fazemos não são pelo clube mas pela seleção. Não tem uma grande influência porque acabamos por ter todo o apoio necessário do clube. É um clube pelo qual tenho muito amor, é da terra onde nasci e tenho muito carinho pelo clube e por todas as pessoas que estão no clube e que me ajudaram desde que comecei a fazer triatlo, desde os escalões mais jovens até à minha qualificação e participação olímpica.
Na estafeta mista em Paris, enquanto equipa, conseguem um quinto lugar. Sabes como te correu a prova mas tens mais três colegas. Fala-me da tua sensação e dos restantes a seguir ao quinto lugar.
Acho que foi o resultado que me surpreendeu mais nos Jogos Olímpicos, foi mesmo o quinto lugar da estafeta mista porque foi um dia em que não só eu mas como todos os meus outros três colegas nos superámos a todos. Apesar de termos uma estafeta bastante competitiva, individualmente temos atletas bastante bons, a nossa qualificação foi bastante atribulada, e nunca tivemos garantias de que pudéssemos fazer uma boa prova apesar de termos membros bastante fortes.
Acho que como equipa foi a prova onde funcionámos melhor, onde tudo correu como devia ter corrido e saímos de lá bastante surpreendidos. Não só nós os quatro mas diria que todas as pessoas que estavam a olhar para nós naquele dia.
Falemos então da prova individual em que consegues um sexto lugar. Novo diploma olímpico, atrás do Vasco Vilaça. Como te sentiste durante a prova até chegares à meta?
Acho que durante a prova é muito difícil pensar bem no que estamos a fazer porque estamos demasiado dentro da prova, demasiado competitivos. Já temos que prestar atenção a demasiadas circunstâncias que por vezes nem nos apercebemos em que lugar estamos. Acho que foi um resultado que também me surpreendeu porque foram os meus primeiros Jogos Olímpicos e por vezes nos Jogos é um pouco difícil de ter uma preparação sem azares nenhuns, sem nenhum percalço, porque é uma prova que todos atletas preparam da melhor maneira possível e toda a gente se encontra na melhor forma de sempre.
E além disso há diversos fatores externos que normalmente não temos nas provas do campeonato do mundo. Há muito mais meios de comunicação à volta da prova, há muitos mais olhos a olhar para nós e acho que é um fator de pressão extra para os atletas que competem. No entanto, soube lidar com isso da melhor maneira e saio muito contente de Paris com o sexto lugar.
As águas do Rio Sena, onde tiveram de nadar, deram alguns problemas gastrointestinais a alguns atletas. Aconteceu contigo, aconteceu com alguém da equipa. Como foram lidando com toda essa questão?
Sim, acho que houve bastante barulho à volta da água do Rio Sena, se ia estar ou não em condições para as nossas provas. O que é certo é que no ano anterior, já tínhamos realizado por lá o evento de teste e correu tudo normalmente na prova individual mas depois na estafeta a prova virou um duatlo, ou seja, sem natação, o que nos levou a pensar que a natação nos Jogos podia ser uma incerteza. Acho que nenhum atleta queria competir nos Jogos Olímpicos em formato de duatlo, sem natação, porque as dinâmicas da prova são completamente diferentes mas acho que ninguém ficou seriamente doente com a prova. Obviamente houve pessoas que ficaram doentes mas em todas as provas isso acontece.
Acho que, talvez, a organização dos Jogos pudesse ter um pouco mais de cuidado ao escolher o local da prova mas também compreendo porque os Jogos Olímpicos e a prova de Triatlo não é coisa que se organize numa semana. São vários anos a preparar aquele palco, temos de estar com atenção às águas, aos percursos de bicicletas e corrida. Onde vão estar os parques de transição, portanto, é um cenário bastante difícil de preparar mas acho que no fim do dia tudo correu bem e acho que o maior problema acabou por não ser a qualidade da água mas sim a corrente da água.
A Vanessa Fernandes falou sobre a vossa prova. Disse que ficou muito impressionada. Sabemos quem foi a Vanessa Fernandes e a lenda que é em Portugal no que toca ao Triatlo. Como foi ouvir as palavras de uma atleta como ela?
É sempre muito bom ser reconhecido pela Vanessa. Ela, inclusive, esteve em Paris no fim da nossa estafeta. Quando estávamos a sair da zona do Athletes Lounge, nós vimos lá a Vanessa e ficámos surpreendidos. Nós não sabíamos que ela ia lá e é sempre muito especial ser reconhecido pela mãe do Triatlo em Portugal. Acho que fizemos tudo para a deixar orgulhosa e acho que conseguimos. Talvez possamos lutar por melhor daqui a três anos Los Angeles mas vamos ver como tudo corre até lá.
Esperas qualificar-te para Los Angeles2028? O que tens como visão para a tua prova ou provas?
É um projeto que já começou porque uma qualificação olímpica não se prepara num ano ou dois mas sim em quatro. Assim que acabamos os Jogos Olímpicos, temos que começar a pensar nos próximos porque não podemos parar de treinar, temos de estar sempre em boa forma para o máximo de pontos possíveis para a qualificação. Acho que vou encarar a qualificação de maneira diferente por já ter passado pelo mesmo processo para os Jogos Olímpicos anteriores.
Paris ensinou-me muito nesse aspeto, acho que me tornou num atleta que sabe lidar melhor com a pressão, todos os meios de comunicação à volta da prova e acho que isso vai tornar a preparação bastante mais fluída porque já não vou estar demasiado preocupado com esses fatores.
A Federação Portuguesa de Triatlo foi distinguida como sendo a melhor de 2024, muito pelo resultado que Portugal teve nos Jogos Olímpicos. Como achas que tem sido o apoio da Federação ao longo deste tempo?
Acho que a Federação tem funcionado bastante bem. Há sempre algumas coisas que não conseguimos controlar. Por vezes temos de lutar contras as federações mas acho que isso não acontece só na nossa federação, vão sempre existir essas coisas. Temos de aprender a lidar com isso e não deixar que os percalços interfiram na nossa preparação. A Federação mudou recentemente, as coisas continuam a correr bastante bem. É uma federação que luta diariamente ao nosso lado para que nós consigamos estar na nossa melhor forma possível para a qualificação olímpica.
Em Portugal diz-que só se liga aos atletas quando há Jogos Olímpicos. Tendo nós um país muito ligado ao futebol, o que achas que falta melhorar na mentalidade para que os atletas sejam mais reconhecidos?
Sim, acho que sentimos que temos todo o país a olhar para nós e o mesmo não acontece nos anos anteriores, de preparação. Apesar de nesses anos não termos tantas pessoas a olhar para nós, temos de continuar a trabalhar da melhor maneira. Diria que estamos a treinar o mesmo que treinamos em anos de Jogos Olímpicos. Não somos tão reconhecidos e acabamos por ter resultados de bastante relevância.
Nós somos um país pequeno mas com grandes atletas e acho que se houvesse um maior apoio do Estado e de todos os portugueses poderíamos vir a ter atletas de destaque mundial. Não é que não tenhamos mas podíamos ter muito mais.
Tens um irmão mais novo, também triatleta. Já vos compararam a uma certa dupla inglesa do triatlo. Fala-me da tua relação com o teu irmão e se achas que ele está preparado para no futuro estar contigo, por exemplo, em Los Angeles?
Sim, acho que sim. O meu irmão também é bastante forte do triatlo. Ele se sagrou campeão do mundo de juniores, tal como eu me sagrei em 2019 e ele está, diria, a seguir os meus passos e acho que é o que o vai levar ao sucesso e à qualificação olímpica. Acho que é bastante possível estarmos os dois juntos nos próximos Jogos Olímpicos. É claro que ainda estamos muito longe disso acontecer mas estamos os dois a trabalhar para isso e se tudo correr bem, acho que vamos estar os dois presentes em Los Angeles.