O Festival de Vilar de Mouros, Caminha, comemora entre sexta-feira e domingo 35 anos, mas as primeiras edições e as actuais são vistas pelos "resistentes" de 1971 como "incomparáveis", tantas as diferenças que as separam.
Ouvidos pela agência Lusa, Mário Dorminsky (tinha então 16 anos), Isabel Barge (18 anos) e Narciso Miranda (21 anos) são unânimes em afirmar que o "Woodstock português" que viveram há 35 anos nada tem a ver com a edição que contam presenciar no próximo fim- de-semana.
"Não é comparável. Hoje os festivais são essencialmente um negócio. Naquele tempo, lutava-se contra a corrente, tentando fugir às malhas do regime", realçou a filha do fundador do Festival de Vilar de Mouros, o médico António Barge, falecido em 2002.
Isabel Barge, professora de Inglês numa escola de Viana do Castelo, teve uma participação activa na organização do Festival de Vilar de Mouros de 1971, até como intérprete do cabeça-de-cartaz, Elton John, então grande estrela da música pop.
Assistiu ao regresso do festival em 1982, mas já então as diferenças eram muitas.
"Foi completamente diferente. Já estávamos em liberdade. A História não se repete. Em 1971 havia uma conjuntura que deu origem a um festival com aquelas características. Foi único. Foi uma pedrada no charco", frisou.
Já afastadas da organização, Isabel Barge e a família continuaram a ir ao Festival de Vilar de Mouros, nas reedições de 1996, 1999 e anos seguintes, aceitando os convites que os novos organizadores nunca deixaram de fazer, mas nem a música nem o ambiente as cativava.
"Em termos musicais, o festival já não me diz muito. E o ambiente é pesado. Há muita gente que vai ao festival por outras razões [droga]. Custa-me muito ver a juventude envelhecida, já mutilada. Custa-me ver isso aqui", lamenta.
Isabel Barge reconhece, contudo, o apelo que o Festival de Vilar de Mouros continua a exercer junto da juventude, referindo que no ano passado as suas sobrinhas e amigos juntaram na aldeia um grupo de "20 e tal pessoas".
Quem também quer regressar a Vilar de Mouros este ano é Narciso Miranda, o ex-autarca de Matosinhos que em 1971 foi acampar para a aldeia com nove amigos, depois de viajarem desde S. Mamede Infesta "apertadinhos e de mochilas às costas" em dois Austin Mini Clubman 1000.
"É provável que vá até lá este ano e é possível que até leve as minhas filhas", de 24 e 26 anos, ambas arquitectas, a quem Narciso Miranda quer transmitir a "certa dose de utopia" que viveu nos dois dias do "Woodstock português".
Para Narciso Miranda, o Festival de Vilar de Mouros de 1971 "foi uma espécie de sinal de liberdade total", não só de movimentos como de ruptura com preconceitos sociais e políticos.
"Voltei lá duas ou três vezes, a última há seis ou sete anos, mas já é diferente", afirmou, sublinhando que as condições mudaram radicalmente com o 25 de Abril de 1974.
Mário Dorminsky é um dos quase "totalistas" do Festival de Vilar de Mouros, tendo falhado apenas a edição de 1982, que marcou a estreia em Portugal dos U2.
O organizador do Fantasporto planeia ir de novo este ano ao festival, "mas mais pelo ambiente do que pelo programa", que considera uma ruptura com o passado.
"Não é o Vilar de Mouros tradicional. É um pouco diferente do que foi a origem", lamentou, prevendo que à edição deste ano acorram "públicos de nicho e não propriamente grandes públicos".
Mário Dorminsky realçou que Vilar de Mouros "é o único festival que consegue ter três gerações" e "sempre se caracterizou pela conjugação de públicos diferentes", pelo que a edição comemorativa deste ano "devia ser mais heterogénea".
O agora vereador da Cultura na Câmara de Gaia frisou, no entanto, que Vilar de Mouros continua a ocupar "um espaço paradigmático no universo dos festivais portugueses".
De 1971, recorda-se apenas que "estava a chover torrencialmente" pouco antes de Elton John actuar, e que foi com a família de carro do Porto a Vilar de Mouros, regressando nos dois dias a casa.
"Foi um momento de liberdade total. Portugal vivia o movimento hippie. O ambiente que se viveu em Vilar de Mouros conseguia, de alguma forma, quebrar todas as barreiras sociais", referiu Dorminky.