Victor Gama, construtor de instrumentos de Portugal para o Mundo

por Agência LUSA

Instrumentos que são esculturas, músicas que escapam ao triângulo baixo-bateria-guitarra, o trabalho do luso-angolano Victor Gama é do Mundo, com paragem obrigatória em África, através do projecto Pangeia.

Descalço e sentado numa almofada na sua oficina em Sintra, por entre alguns dos instrumentos que tem criado há vários anos, Victor Gama toca a Toha - uma "harpa-totem" feita com mogno e uma cabaça colombiana em forma de ninho.

A Toha, o Acrux, o Zulão ou o Sturn são quatro dos cerca de vinte instr umentos idealizados pelo músico e com os quais tem explorado as fronteiras da mú sica através do projecto Pangeia Instrumentos.

"Eu queria uma abordagem à música em que a escrita fosse feita para um conjunto de ideias em vez de ser para um instrumento já existente", afirmou Vict or Gama à agência Lusa, para explicar o conceito globalizante de Pangeia.

Para o músico, os instrumentos são "objectos que permitem estabelecer u ma ligação com o meio ambiente" e a sua construção de raiz "é uma forma de respo nder a um impulso criativo para a música".

Na pequena oficina de Victor Gama há esboços de instrumentos, dezenas d e discos, caixas forradas com esponja para transportar os instrumentos em viagem , pequenos objectos africanos, ao lado de um computador, serrotes, lâmpadas, fio s eléctricos e um pequeno fogão.

É aí que procede à construção e montagem parcial dos instrumentos, obje ctos que são quase esculturas, que combinam madeira, vidro, pequenas lamelas ou discos de metal e que remetem quase todos para África.

Victor Gama nasceu em 1960 em Angola, de onde saiu com 24 anos para viv er em Portugal. Mantém a dupla nacionalidade, porque na verdade diz que nunca sa iu de África.

"Sinto-me angolano e trabalho muito com a cultura angolana e o Pangeia Instrumentos surge de uma abordagem da música que tem um pouco a ver com o meu p assado", refere o músico.

Os instrumentos, que Victor Gama diz serem objectos "ficcionados", surg em de "uma materialização" de elementos que são colocados dentro de um recipient e (o instrumento) e que são importados para uma performance.

"Eu nunca sei que som vai sair do instrumento que estou a construir. El es têm que ser desenvolvidos mecânica e acusticamente, porque não respondem logo e levam muitos anos até estarem aperfeiçoados", sublinhou o músico.

O Acrux, por exemplo, um instrumento de madeira e vidro com quatro hast es cobertas de discos de metal de diferentes tamanhos, que Victor Gama apelida d e "teclas", foi criado há cerca de dez anos.

O instrumento é uma representação da constelação Cruzeiro do Sul, com o s discos a simbolizarem órbitas de planetas em torno de cada uma das quatro estr elas.

Destes objectos sai uma música que é do Mundo, mas que remete para Áfri ca, e é com eles que Victor Gama desenvolve pesquisas, projectos educativos para crianças e actuações ao vivo.

Em Novembro actuou, pelo terceira vez, no Festival Atlantic Waves, numa igreja em Londres, para um público que diz "estar à procura de coisas novas e r ealmente diferentes daquilo que estão habituadas a ver".

"Hoje um músico pode chegar ao palco e usar apenas um computador portát il", afirmou Victor Gama para contrapor aos seus concertos que descreve como per formances musicais e visuais.

"A escrita de música é uma coisa mais alargada e tento escapar aos cons trangimentos de compor para um instrumento convencional ou para baixo-bateria-gu itarra", defendeu Victor Gama.

"Somos nós, os músicos, que criamos o nosso próprio sistema e temos tod a a liberdade para o fazer", sentenciou o músico.

É um trabalho que segue à risca o lema escrito num papel que está colad o numa das paredes da sua oficina: "Quem senão nós deverá pelo menos tentar imag inar o futuro de tudo isto?"

PUB