Tinder, o "modelo de frigorífico" que apaixona alguns e desilude outros

Milhões de pessoas sonham em encontrar um amor correspondido. Inês Matos e Leonardo Silva conheceram os parceiros dos seus relacionamentos no Tinder. No entanto, nem todos os “matches” acabam numa história de amor. Cátia Lopes desinstalou a aplicação depois de perceber que tinha medo de lhe ser associada. Estar numa app de encontros não significa, necessariamente, disponibilidade para o amor.

No passado, os apaixonados escreviam cartas e deixavam-nas nas caixas de correio dos pretendentes. Contudo, com a era digital, a promessa de encontrar o amor tornou-se online.

Para muitas pessoas, a procura da “alma gémea” acontece quando entram numa aplicação de encontros. De acordo com uma investigação realizada pela Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, em 2024, mais de 61 por cento dos casais conhecem-se pela internet, especialmente em aplicações de relacionamentos.

O processo é simples e rápido. Primeiro, instala-se a aplicação e cria-se uma conta. Depois, o utilizador seleciona algumas fotos e tem a opção de escrever uma pequena biografia sobre si. Durante a procura, desliza-se para a esquerda quando é um não e sempre que alguém demonstra interesse, face ao que aparece no ecrã, desliza para a direita, indicando um sim. De seguida, espera-se um match.
Encontraram o amor
Inês Matos tem 24 anos e conheceu o namorado no Tinder. Uma história de amor que partiu de uma biografia de uma aplicação de encontros.

Por vezes, as mudanças traduzem-se em solidão. Inês tinha acabado de se mudar para um distrito novo, onde não conhecia ninguém, e as pessoas com quem trabalhava eram mais velhas. Estas razões levaram-na a instalar aplicações de encontro. Inicialmente, tentou o Bumble e o Tinder, mas foi na segunda aplicação que funcionou.

“Então pronto, pus-me lá. Por acaso, até correu bem, mas acho que a parte mais importante foi eu estar a tentar ter um relacionamento social, mas também estava aberta a encontrar amizades porque me sentia mesmo muito isolada”.

Na sua opinião, o processo de instalar o Tinder foi o clássico: as amigas criaram-lhe o perfil e tiraram-lhe as fotos, algo que a fazia sentir-se pouco autêntica.Receber um match pode significar receber uma quantidade de validação do outro. Quando questionada sobre o que sentia ao receber um match, Inês descreve a sensação com a expressão “Terapização”, “se é que posso dizer isto” (ri-se).


Explica este sentimento relatando que, na universidade, tinha uma amiga que estava à procura de algo casual. Por isso, usava todas as aplicações de encontro e já tinha ido a diversos encontros. Sempre que falavam sobre o assunto, dizia-lhe: “Inês, eu estou aqui porque isto faz maravilhas para o meu ego".

Perante esta afirmação, refere que é superficial dizer algo do género, mas “a verdade é que é agradável para o ego saber que aquela pessoa gosta de mim”.

Inês acredita que a sua vida seria muito pior se, no dia em que o perfil do atual namorado apareceu no ecrã, não tivesse deslizado para a direita. Não sabe o que poderia ter sido, mas a verdade é que, antes do verão de 2022, abandonou o Tinder, a aplicação de encontro que promete ajudar os utilizadores a encontrar a sua alma gémea ou relacionamentos casuais.

Tal como Inês, Leonardo Silva, de 24 anos, estava à procura de conhecer novas pessoas. Por isso, decidiu instalar o Bumble e o Tinder, de forma a ter um leque mais abrangente.

“Havia pessoas que usavam uma, havia pessoas que usavam outra, e assim eu acabava por usar as duas”, refere.

Leonardo estava a passar uma fase de mudança, tinha acabado o mestrado e estava à procura do primeiro trabalho, o que o levou novamente à sua cidade natal. Estas razões, aliadas ao facto de ter terminado o seu último relacionamento há algum tempo, fizeram-no criar o perfil.

Com o uso da aplicação, começou a receber os primeiros matches. No início, sentia “algo especial”, mas, com o passar do tempo, essa sensação desvaneceu-se e tornou-se numa “coisa mais banal”, uma vez que para conseguir falar com alguém é preciso dar match.

Entre tantas outras fotografias, deslizou uma delas para a direita, o match foi feito e, assim, conheceu a namorada. Fala abertamente sobre o facto de ter encontrado o amor numa aplicação e diz não sentir tabus em relação a isso.

Nem sempre as pessoas encontram o amor nas aplicações de encontro. Cátia Lopes tem 32 anos e em 2021 tinha Tinder. Foi nessa altura que começou a duvidar se seria uma opção segura, questionava-se sobre se “as pessoas com quem poderia falar eram aquelas que pareciam ser nas fotos ou não”.

Relembra que não queria que ninguém soubesse que tinha Tinder. O receio do que os outros iam pensar e o desejo de não ser associada às aplicações de encontro levaram-na a perceber que prefere conhecer pessoas pessoalmente e saber com quem está falar.
Presos na aplicação
Assim como as redes sociais, as aplicações de encontros têm o objetivo de manter o utilizador o máximo tempo possível na página. Não fechar a app é uma questão com a qual o consumidor e o criador se debatem diariamente, embora estejam em lados opostos do problema.

Maria Inês, psicóloga clínica da Learn2be, pós-graduada em terapia de casal e sexologia, explica que as aplicações são criadas num “modelo de fast food, de frigorífico". “Eu vou ali, abro o frigorífico, escolho aquela pessoa, se não gostar corto a conexão, mas tenho a facilidade de conhecer outra pessoa. Obviamente que isso nos leva a sentir objetificados e é viciante, porque quanto mais fácil for para nós, mais viciados ficamos nessa compra”.Na opinião de Leonardo, as aplicações estão muito direcionadas, quase como se fosse uma roleta: “Uma pessoa fica ali com ansiedade só para ver se vai aparecer mais alguma coisa”.

Quando Inês passava muito tempo a selecionar alguém pela fotografia e pelo texto que escreveu sobre si, levava-a a tirar imediatamente conclusões e a julgar as pessoas. Sempre que isso acontecia, parava, porque não era produtivo. Conta que tinha uma regra número um: "Se era uma pessoa que não tinha nada na biografia, não dava um sim, porque se tu nem sequer te vais dar ao trabalho de escrever três linhas idiotas, pronto, não vale a pena".

Apesar de ser algo a que Inês prestasse atenção, a psicóloga Maria Inês explica que é preciso ter em consideração o facto de “há pessoas que sabem escrever uma composição sobre ela e não são aquilo que escrevem”.

As redes sociais alteraram a forma de relacionamento entre as pessoas - a facilidade com que se conhece alguém está ao alcance de um simples clique. Na opinião de Inês, a utilização das aplicações para conhecer alguém está, cada vez mais, relacionada com o facto de as pessoas reportarem que se sentem sozinhas e ser difícil conhecer alguém fora do meio em que se está inserido.

Para Inês, existe a falta de um “terceiro espaço, tu ou estás em casa, ou no trabalho/universidade, não há aquele terceiro espaço”. A internet começou a representar esse terceiro espaço. Contudo, conhecer alguém no online pode criar uma dependência. Ou seja, segundo a psicóloga Maria Inês, “se eu tenho uma pessoa a apertar-me os cordões todos os dias, obviamente que eu vou depender dessa pessoa e não vou ter mecanismos para aprender a apertar os cordões”.

Assim, encontrar o amor numa rede social destinada a conhecer pessoas torna-se um desafio, porque para se criar uma relação e uma conexão real é preciso “vulnerabilidade e emocionalidade, só que muita gente como não se dá ou não se predispõe a essa vulnerabilidade. Então, quando sente que estão a tocar nesse ponto, afasta-se e recolhe-se das relações”, explica a psicóloga da Learn2be.
Os problemas de se escolher pelo físico
A aparência física tem um impacto significativo, sobretudo no mundo online. A decisão de conhecer ou não conhecer alguém é tomada com base na opinião que se retira das fotografias.

Dependendo do nível de autoestima, os indivíduos são mais ou menos afetados. Ou seja, a validação física pode causar problemas, uma vez que “podem facilmente subir o ego de quem as usa, mas, quando os utilizadores deixam de ter matches, podem sentir o contrário”, afirma Sofia Vizinho, psicóloga clínica e da saúde, com especialização avançada em terapia de casal e sexologia.

A psicóloga Maria Inês explica que, “quando as pessoas nos conhecem pelo físico e depois não criam conexão connosco, acaba por ser penoso para nós, porque depois começamos a pensar: será que eu fui suficiente? Não fui assim tão suficiente para aquela pessoa, isto porque nos identificamos e reconhecemos apenas pelo físico”.A disponibilidade de opções nas aplicações faz com que seja “divertido escolhermos as pessoas pelo perfil e termos vários encontros, mas a partir de certo ponto isso é cansativo”. O facto de a procura ser viciante impede a criação de conexões reais, realça a psicóloga.

Segundo Sofia Vizinho, quando há facilidade de escolha, torna-se difícil decidir: “Pensamos se será a pessoa certa, porque há mais. E a ideia de que há mais opções acaba por dificultar a escolha”.

Este pensamento pode levar as pessoas a continuarem dentro da aplicação, gerando um ciclo do qual não conseguem sair, enquanto torna comum a rejeição.

Devido à facilidade em conhecer pessoas e à possibilidade de relacionamentos fast food que as aplicações permitem, as pessoas criaram a expectativa de uma conexão à primeira vista.

“Eu desisto daquela pessoa porque depois também tenho outras opções de escolha e vou sempre procurando, mas, ao mesmo tempo, sinto-me cada vez mais sozinho. Sinto-me cada vez mais viciado e cada vez mais sozinho e isto acaba por contribuir para a falta de compromisso”, afirma a psicóloga Maria Inês.

O online é uma porta de entrada para se conhecer alguém, no entanto, a conexão e a química são estabelecidas através da comunicação. As aplicações e as redes sociais promovem um défice emocional, pois diminuem a comunicação do mundo real, levando à carência de competências socioemocionais. Assim, é necessário encontrar um equilíbrio entre a utilização das redes sociais e as interações presenciais.

“Obviamente que é um momento mais vulnerável e o ser humano gosta de se esconder das próprias emoções e da vulnerabilidade, mas acaba por criar conexões mais reais", refere a psicóloga Sofia Vizinho.

A psicóloga Maria Inês explica que a expectativa, por parte do utilizador, de encontrar a alma gémea numa aplicação torna o “processo frustrante, porque aquilo que a pessoa apresenta ser quando eu vou conhecê-la não é essencialmente aquilo que ela é”. A desilusão do utilizador faz com que se sinta assoberbado por um “sentimento de desesperança, como se nunca fosse encontrar ninguém e acabasse sozinho”.Ao usar uma aplicação como o Tinder, o Bumble ou outra para conhecer pessoas, é fundamental ter-se consciência de que as motivações são diversas, desde a amizade ao dating, ou sexuais.

Os tempos mudaram e a forma de conhecer pessoas para relacionamentos também. Se antes se utilizava a expressão “encontrar o amor ao virar da esquina”, agora sonha-se com a hipótese de se encontrar o amor ao deslizar para a direita.

Numa altura em que há artistas como Miguel Luz e Van Zee a escreverem uma ode ao amor, pode constatar-se que os jovens não escrevem cartas, mas continuam a querer sentir o “amor que arde sem se ver”. A comodidade de quem desliza o dedo faz com que as novas gerações estejam mais ligadas ao wifi e menos às caixas de correio.