Nas pisadas do sucesso alcançado com a peça "Porra", que levou à cena em mais de dez palcos sul- africanos, no ano passado, a actriz luso-descendente Sónia Esgueira voltou à carga com "Porra 2 - The returnsh".
A sátira em torno de três gerações de uma família portuguesa emigrada no Sul de África, está em cena com enorme sucesso, desde 6 de Fevereiro, em Joanesburgo, e catapulta para a ribalta o nome da escritora e actriz de 28 anos.
Depois de ser galardoada com um "Fleur du Cap", o mais prestigiado galardão do teatro sul-africano, em 2002, pelo seu desempenho em "2 Gentlemen from Verona", de William Shakespeare, e de ter pisado palcos do Canadá e da Europa, Sónia Esgueira amadurece as personagens da fictícia família Ferreira com um desempenho convincente, que arranca gargalhadas ao público, que todas as noites assiste ao "Porra2", da primeira à última linha do guião.
Na primeira peça, Sónia desempenhara seis papéis diferentes, vestindo a pele do avô, da avó, da mãe, do pai, do filho e da filha:
três gerações de Ferreiras, cada uma delas absorvida na respectiva teia de pequenas tragédias, sonhos e ilusões.
Entretanto, na nova versão, o avô teria morrido e os filhos passaram de adolescentes a jovens adultos.
No "Porra 1", a actriz e autora do texto vestia uma pele de cada vez, alternando as personagens em palco.
Como se isso não fosse suficientemente difícil, na segunda peça, Sónia foi mais arrojada: durante cerca de uma hora e meia ela mantém simultaneamente em palco cinco personagens.
Um exercício tão complicado de desdobramento de personalidades que, por vezes, parece que Sónia Esgueira simplesmente deixa de existir, dissolvida nas múltiplas peles que veste.
"É, com efeito, muito difícil fazer isto mas, à medida que os meses e os anos passam, começa a ser quase que um automatismo. Apesar do hábito, há uma coisa da qual não abdico: é chegar ao camarim uma hora antes do espectáculo e, durante os 60 minutos que me restam, fazer exercícios de meditação. É então que, aos poucos, começo a vestir as diferentes peles e personalidades, sinto a voz do pai, da mãe, dos miúdos, até o seu cheiro e maneirismos - e assim me preparo para ser eles", contou a actriz à agência Lusa.
Nesta sequência, Sónia Esgueira escreveu o guião a meias com Ruth Levin, que foi a sua encenadora no primeiro "Porra" - palavra utilizada para designar os portugueses na África do Sul.
Provavelmente, diz-se, porque usam frequentemente o "Porra!" para extravasar estados de alma, um termo despido de malícia ou insulto.
Da mesma forma, os portugueses e luso-descendentes designam, há gerações, os brancos sul-africanos de origem africânder de "padeces" - e ninguém parece saber muito bem porquê. É apenas uma palavra num universo social multi-linguístico, multirracial e multi- cultural.
"Porra2" joga muito mais com percepções do que com o politicamente correcto da vida. Os pais, por exemplo, criticam constantemente o filho por se ter envolvido com uma mulher de origem africânder, uma "padece" (para eles o miúdo deveria namorar uma portuguesa) e a filha porque, aos 28 anos, é ainda solteira.
"Coisas que não se questionam, aceitam-se como correctas para a mentalidade dos pais", refere a actriz.
Em cena no Liberty Life Theatre em Sandnton, Joanesburgo, até 24 de Fevereiro, "Porra2 - The returnsh" tem atraído vastas audiências `quela prestigiada sala. A maior parte das sessões regista lotação esgotada.
O semanário sul-africano de maior tiragem, o Sunday Times, fez uma critica muito positiva ao trabalho de Sónia Esgueira, elogiando a actriz luso-descendente e o seu corrosivo sentido de humor.
O sabor geral da peça é, com efeito, de comédia mas Esgueira não se limitou à exploração fácil do riso como sub-produto dos personagens exagerados e das suas inflexões linguísticas, definidoras instantâneas da origem étnica. Por isso, criou algumas cenas de elevado peso emotivo, como os diálogos entre pai e mãe Ferreira, cujo casamento e emoções se questionam por vezes "olhos nos olhos".
Tal como a maioria dos casais, eles próprios e os seus sentimentos andaram perdidos metade da vida, na azáfama de criar os filhos, de gerir os negócios, de sobreviver numa sociedade estranha, e, a dado momento, o pai confessa à mãe o quanto ambos mudaram e admite que o seu amor por ela se mantém, afinal, tão forte como no primeiro encontro, no primeiro filho e em todas as curvas da vida.
Mas, mesmo nesses quadros, a reacção do público é de sentido contrário: responde com gargalhadas quase constantes do princípio ao fim da peça, levado pelos gestos, vozes e maneirismos da actriz que dá corpo às personagens.
Sónia confessa que, de início, ficou intrigada com essa reacção mas, depois, foi levada a aceitá-la.
Até porque, conclui, afinal de contas, "não tem mal nenhum chamar ao Porra uma comédia de costumes".