Seixas da Costa: "Um Eça de Queiroz com um bom blog ou página de Facebook era muito perigoso"
Foto: Manuel Fernando Araújo - Lusa
Para Francisco Seixas da Costa, conselheiro cultural da Fundação Eça de Queiroz e antigo embaixador, não há dúvidas de que o escritor e diplomata se tratou de alguém que soube ler - como poucos - a sociedade e a política nacionais, mas, mais de um século após a morte do romancista, o ex-secretário de Estado reconhece que é difícil desenhar o perfil do político por detrás da figura de Eça de Queiroz.
Para o antigo embaixador, há, na obra de Eça de Queiroz, informação sobre o que pensaria o escritor acerca da política e dos políticos do final do século XIX - bem como dados sobre posições políticas próprias -, mas, segundo Seixas da Costa, é preciso separar o autor das personagens criadas ao longo das décadas.
"Olhamos, por vezes, para uma figura como o tal João da Ega - que é, porventura, a figura mais evidente n'Os Maias, que é uma obra central -, e tentamos colocar o Eça como representado pelas críticas de João da Ega. Mas, eu não sei se isso é verdade, porque, em outras áreas, Eça foi bastante mais conformista do que João da Ega e teve posições bastante mais conformistas, o que significa, portanto, que o Eça, ao longo do tempo, se calhar plasmou nalgumas das suas várias figuras e dos seus vários personagens aquilo que foi pensando", sublinha.
Segundo Seixas da Costa, que se assume como queirosiano convicto, não existe no trabalho de Eça de Queiroz uma "crítica política à sociedade portuguesa dessa altura", mas uma "leitura de uma sociologia irónica do Portugal partidário do final do século XIX" e "daquilo que são os vícios da sociedade de lisboeta e do jornalismo".
Em entrevista à Antena 1, o membro do Conselho Cultural da Fundação Eça de Queiroz assinala ainda que o olhar crítico acutilante do autor de O Crime do Padre Amaro ou de O Primo Basílio poderia acarretar, hoje em dia, alguns problemas. Desde logo, do ponto de vista da linguagem.
"Se Eça de Queiroz escrevesse o que escreveu na altura e se isso fosse lido - e, particularmente, tivesse a repercussão que na altura não teve, porque era um ambiente muito limitado", sublinha Francisco Seixas da Costa, que, questionado sobre o que seria Eça de Queiroz na era das redes sociais, atira: "Um Eça de Queiroz com um bom blog ou com uma página de Facebook era muito perigoso".
E acrescenta: "O que Eça nos dá é um retrato da sociedade lisboeta e da vida lisboeta, dos cafés, dos bares, de tudo aquilo que era o ambiente lisboeta e também do Teatro Nacional de São Carlos, do Parlamento, dos políticos que sobem e que descem. No fundo, eu diria que Eça ajuda muito a ligar aquilo que nós conhecemos da história através da história literária".
Seixas da Costa lamenta, no entanto, que não exista uma figura semelhante no século XXI em Portugal. "Nós não temos na sociedade portuguesa uma escrita que seja tão sociologicamente relevante como a que Eça de Queiroz fez para o final do século XIX", remata o antigo embaixador, que acredita que Eça de Queiroz teria " prazer" em escrever sobre o atual parlamento nacional: "Seria extraordinário a desmontar o discurso político".