Guimarães, Braga, 19 abr (Lusa) - O coreógrafo Rui Horta regressa ao palco como bailarino com "Vespa", um "exercício de solidão" em que o artista aproveita a "janela de oportunidade" para usar o corpo após 30 anos "escondido atrás das obras" que criou.
Não procura o aplauso, não tem necessidade de ser amado, confessa, mas sobe ao palco no dia em que faz 60 anos para se dar a conhecer tal como um "serial killer" quando se entrega, comparação do próprio Rui Horta, que reconhece a "esquizofrenia" de um espetáculo em que é criador e intérprete, situação que descreve como "tramada", e assume que Vespa é "pessoalíssimo" mas não autobiográfico.
Sentado no palco, pés á solta, mãos entrelaçadas, de olhos fechados, Rui Horta descreve o espetáculo que estreia no palco na quinta-feira, no Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães, como uma "espécie de fogo", um jogo de extremos em que um zumbir de um inseto na cabeça revela a insatisfação que, acredita o artista, é a "razão do percurso, da viagem civilizacional" do homem.
"Não é um espetáculo autobiográfico, não me interessa contar a minha vida. Se me perguntares se é um espetáculo pessoal, é pessoalíssimo, eu exponho-me muito no espetáculo", esclarece.
Para Rui Horta, "Vespa" "é um exercício de saber estar só".
"Muita solidão ao longo destes meses. Estar só no estúdio horas e horas, não sabia que era capaz disso", reconheceu.
Há três décadas sem pisar o palco, Rui Horta admite que o regresso agora era uma coisa "muito improvável", mas que aconteceu: "Eu não tenho necessidade de estar no palco, de ser amado, de ter aqueles aplausos todos".
"Eu sempre me escondi atrás das obras [que criou como encenador] e sempre me senti bem atrás das obras porque no fundo depois comecei a ter muito sucesso e isso tirava-me toda a minha energia", diz, antes de fazer uma pausa.
"É como os assassinos em série que nós conhecemos pelos crimes que eles fazem e nunca os conhecemos e depois há uns polícias e detetives que dedicam a vida a descobri-los ou eles entregam-se. Eu fui mais ao menos isso, fui-me entregar à Judiciaria e estou aqui hoje para ser visto", compara.
E porquê agora? "Agora tenho mais tempo, o Espaço do Tempo [projeto instalado em Montemor-o-Novo que criou e dirige] está em velocidade cruzeiro, os meus filhos estão maiores, mais autónomos e eu tenho um espaço e esse espaço é para aproveitar. É o meu espaço e o meu tempo, uma janela de oportunidade para usar o corpo", responde, admitindo que a decisão de voltar ao palco como bailarino "foi intuitiva e não racional".
"Vespa" surge assim como "uma espécie de um raio, é uma espécie de fogo e há dor", um espetáculo "numa cabeça ocupada por um inseto a zumbir", o barulho da insatisfação.
"Essa é a poética, é o estar vivo, não é o feliz que eu sou, é que feliz que eu ainda vou ser. Tinha outra vida para viver, é uma pena isto não durar mais tempo. Somos todos insatisfeitos, a razão do percurso da viagem civilizacional do homem é o não feito", considera.
Agora em palco como intérprete, Rui Horta fala como o também encenador do espetáculo.
"Estou a pôr-me numa situação tramada. Ao longo da minha vida trabalhei com os melhores interpretes e estou-me a por agora no lugar deles no palco e isso é tramado, é muito difícil. É um desafio, estou-me a ouvir a mim a dizer as coisas que dizia a eles mas estou a dizer a mim próprio", descreve.
E quando a questão é quem fala quando fala, se o intérprete se o coreógrafo, o artista admite que "os criadores são todos um pouco esquizofrénicos", a diferença está na forma de lidar com esse lado de extremos.
"Existe em muitos de nós e nós fazemos disso algo positivo. Eu acho que ate sou um tipo relativamente equilibrado mas quando perguntas se no espetáculo há uma esquizofrenia talvez, mas há um extremo completamente oposto", admite.
"Vespa" vai estar no palco do Vila Flor entre quinta-feira e sábado, antes de seguir para o Convento São Francisco, em Coimbra, nos dias 29 e 30 de abril, para o Teatro Aveirense a 06 de maio, e para o Centro de Arte de Ovar, no dia 27 de maio.