Revista da abysmo capta vitalidade da arte durante a "travagem brusca" do confinamento

por Lusa

Os dias de confinamento levaram o editor João Paulo Cotrim ao encontro de um mundo pulsante de criatividade nas redes sociais, no qual mergulhou para recolher pedaços e juntá-los numa revista digital, feita espaço experimental e de memória.

"Torpor. Passos de voluptuosa dança na travagem brusca" é o nome da revista digital gratuita criada e disponibilizada pela editora abysmo, de João Paulo Cotrim, que procura captar o efeito que a crise pandémica e o confinamento tiveram "tanto nas artes como na vida".

A revista é fruto dessa experiência, não foi planeada previamente, "resultou de sucessivos diletantes passeios pelas redes", nas quais João Paulo Cotrim descobriu um mundo que palpitava criação artística, contou o editor à Lusa.

"De súbito, a noite iluminava-se com pequenos palcos, páginas, imagens onde se reconhecia gente a pulsar e a criar. Tendo em conta que, apesar de ser a memória do mundo, as redes são voláteis e instáveis, tratava-se de recolher-caçar e dar a ler".

É aqui que nasce a revista, da necessidade de ter um repositório onde compilar e guardar, para hoje e para memória futura, a arte nascida do confinamento.

Porque "o papel do editor é encontrar nexos, tentar que do caos surjam sentidos, objetos, maneiras de ver e andar", explicou João Paulo Cotrim.

A abysmo cedo se apercebeu, na crise pandémica, que os seus autores usavam as redes sociais para ensaiar novas formas de contar ou para publicar, e que não tinham parado de produzir de muitas formas: poemas, contos, pensamento, desenho, pintura, humor, muitas vezes misturando os vários géneros e linguagens.

A par com os autores da casa, "um sem número de amigos ia comentando e produzindo e jogando nas redes, pelo que se afigurava urgente não perder no fluxo aquilo que era bastante mais que espuma dos dias. A estes juntaram-se depois outros com trabalhos inéditos ou feitos propositadamente", acrescentou.

A dinâmica é explicada por João Paulo Cotrim, que conta que a partir do convite inicial, e muito depois, já na fase da divulgação, "surgiram ligações e contra-propostas, diálogos, desafios, até entre os autores", como por exemplo a escritora Inês Fonseca Santos, que "respondeu" ao poema da Rita Taborda Duarte.

Contas feitas, cerca de 30% dos conteúdos são inéditos.

E neste contexto surgiram "vozes a que importa dar atenção, garanto", salientou.

Sobre o título da revista, "Torpor", que se completa com "Passos de voluptuosa dança na travagem brusca", João Paulo Cotrim explica que é preciso "mergulhar nas palavras, que não se esgotam na sua superfície gasta. Torpor pode bem ser próximo, como a preguiça, ou o oposto: a dança".

A revista digital foi lançada no dia 20 de maio e é composta por "seis blocos" (o equivalente a seis números), que vão sendo disponibilizados de dois em dois dias, sempre em dias pares, até 30 de maio, quando será libertado o último.

E fica por aqui, com estes seis blocos e uma versão pdf, afirma o editor, adiantando depois que, "do nada", surgiu a hipótese de uma versão em papel, que deixa em aberto.

"Como se diz agora demais, um passo de cada vez. Voltaremos diletantemente para acrescentar um ou outro fragmento, mas o essencial está feito. A garrafa (biodegradável) está atirada ao oceano".

Já com quatro blocos disponíveis, a Torpor tem direção editorial de João Paulo Cotrim e imagem gráfica de José Teófilo Duarte, e conta com a colaboração de artistas plásticos, pintores, ilustradores, fotógrafos, escritores, psicanalistas, divulgadores científicos, ensaístas, jornalistas, poetas, tradutores, designers, produtores, "criadores de toda a espécie".

Alberto Pimenta, António de Castro Caeiro, António Jorge Gonçalves, Nuno Saraiva, João Fazenda, Sérgio Godinho, Filipe Homem Fonseca ou António Mega Ferreira são alguns dos nomes presentes neste projeto, entre muitos outros. 

A reação dos leitores "tem sido surpreendente e generosa, tendo em conta que tudo nasceu do nada, de um impulso, sem estrutura ou planeamento", afirma.

Para que tudo acontecesse, foi fundamental o trabalho de uma outra rede, a das ajudas e parcerias, a começar pela DDLX, "os designers que deram forma ao objeto volúvel".

"Temos estado a acompanhar isso mesmo, tem crescido o número de leitores que regressa para continuar no labirinto. Há muito por explorar, e falo do que está à vista, que nascem subtilezas em todos os cantos", disse o editor. 

Sobre o que ainda está por vir, nos dois números por desvendar, haverá muitas novidades dentro do mesmo registo.

"Vamos ter, lá está, vários inéditos (poesia, tradução, desenho), muita reflexão, até prática sobre a cultura nestes dias, muita ficção e imagens fortíssimas".

Os seis blocos, que não são estanques, como sublinha o editor, têm temas: "A abrir", "A pessoa primeiro", "Quatro ou mais paredes", "Voar baixinho", "E mais além", "Enfim". E estão disponíveis em www.torpor.abysmo.pt.

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