Projeto turístico taliban nas ruínas dos Budas de Bamiyan preocupa UNESCO

por Carla Quirino - RTP
Vale de Bamiyan UNESCO

Os taliban iniciaram obras para construírem uma área turística perto das ruínas arqueológicas onde se erguiam os Budas de Bamiyan, datados do séc. V d.C. Arqueólogos e especialistas alertam que este projeto pode causar ainda mais danos ao que resta do património mundial, depois da destruição em 2001 pelos próprios taliban.

Desde de 2003 que a proteção da paisagem cultural e ruínas arqueológicas do Vale de Bamiyan é gerida pela UNESCO, mas o Governo taliban veio anunciar a construção de um complexo turístico perto da área arqueológica que abrigava os Budas de Bamiyan.

O projeto pretende "reconstruir" um mercado histórico, que foi destruído na guerra civil dos anos de 1990. De acordo com os planos do Governo, a área tornar- se-á um centro de turismo com restaurantes, pousadas, estacionamento, balneários públicos e lojas de artesanato e mercearias.

A UNESCO diz não ter sido consultada para os novos planos dos taliban, inclusive nunca foi a favor da reutilização da área circundante.

"Este antigo mercado está na zona de amortecimento arqueológico do património mundial e a UNESCO nunca foi a favor da reutilização deste lugar", explicou um diplomata com experiência em questões patrimoniais no Afeganistão, citado na publicação britânica The Guardian, que pediu para permanecer anónimo.

"Pelo contrário, esses edifícios estão localizados no meio de uma zona arqueológica e os próprios edifícios são de alguma forma parte do património do final do século XIX e início do século XX e, portanto, a sua reconstrução é sensível".

Há muitos anos que a estrada principal que passa por Bamiyan foi desviada para limitar as vibrações e a poluição do tráfego. Mas o novo plano taliban vai contrariar essa cuidado patrimonial, pois prevê o retorno de um grande fluxo de pessoas e veículos a uma área frágil, oficialmente designada como zona protegida e considerada um dos maiores tesouros do Afeganistão.
Projeto turístico
Numa cerimónia junto a um dos nichos que abrigava um Buda, altos funcionários taliban, incluindo o governador de Bamiyan, Abdullah Sarhadi, discursaram, cortaram uma fita e colocaram as primeiras pedras numa vala recentemente cavada, simbolizando o arranque das obras dos novos edifícios.

Mawlawi Saifurrahman Mohammadi, diretor provincial de informação e cultura, anunciou que as áreas comerciais serão constituídas por "lojas de artesanato que só poderão vender produtos locais, mercearias, alfaiatarias e bordados, restaurantes tradicionais e casas de chá".

Acrescentou que serão construídos caravançarais, como áreas de alojamento: "Os caravançarais devem ser usados como pousadas, para as pessoas [turistas] pernoitarem, e como locais de exposição de artesanato local, para fornecimento de balneários públicos e estacionamento".

Mohammadi garantiu terem sido feitos mais de 20 controlos rígidos de construção para respeitar a natureza sensível do local. De acordo com o governante, essa fiscalização inclui limitar os edifícios a um único andar, restringir o uso de materiais de construção para pavimentos e controlar o tipo de pedras e gesso usados.

Sublinhou que o projeto foi assinado pela UNESCO, a agência educacional, científica e cultural das Nações Unidas: "[O Governo central] negociou com a UNESCO que nos enviou uma orientação sobre como fazê-lo".

Mas a UNESCO, que monitoriza sítios do património mundial e trabalha em Bamiyan há décadas, afirma que não foi consultada sobre o projeto e não aprovou a reconstrução do mercado. Num comunicado a organização alertou que a construção pode afetar o trabalho de conservação do que resta das ruínas.

"A UNESCO não solicitou nem se associou a este projeto, que está localizado no coração da zona arqueológica e pode ser problemático para a conservação adequada do património mundial", esclareceu.

O governador de Bamiyan argumentou que decidiu iniciar a reconstrução motivado pela petição feita dos proprietários de lojas, que se queixaram de terem ficado sem os terrenos quando estes foram fixados como área de património protegido.

"Não devemos deixar que as pessoas fiquem sem as terras", afirmou Abdullah Sarhadi. "As pessoas não conseguiram obter sua propriedade [legítima], agora é hora de recuperá-la".

No entanto, em reconhecimento tácito do potencial valor arqueológico da área, Mohammadi sublinou que o Governo se reservaria o direito de recuperar a área do mercado para escavações arqueológicas no futuro.
Monumento dos Budas de Bamiyan
Bamiyan está situado nas altas montanhas do Hindu Kush, no planalto central do Afeganistão. O vale, que fica ao longo da linha do rio Bamiyan, já foi parte integrante da antiga Rota da Seda, favorecendo a disseminação não apenas para comerciantes, mas também para cultura, religião e idioma.

Na rápida expansão do budismo entre os séculos I e V d.C., a paisagem de Bamiyan acabou por abrigar a construção de duas estátuas colossais: Salsal e Shamama, de 55 e 38 metros de altura. Salsal significa "a luz brilha através do universo"; Shamama é a "Rainha Mãe".

As estátuas foram colocadas em nichos em ambas as extremidades de um lado do penhasco e esculpidas diretamente dos penhascos de arenito.


Homens locais perto da estátua maior de Buda "Salsal", c. 1940

A 27 de fevereiro de 2001, o regime fundamentalista taliban declarou a intenção de destruir as estátuas e, a 2 de março, a destruição começou com armas e artilharia. Os taliban argumentaram que estavam a aplicar a lei islâmica, ao destruir ídolos.
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