Projeto histórico do arquiteto Fernando Távora para o Mercado da Feira vai ser recuperado

por Lusa

O Mercado de Santa Maria da Feira, que é "o monumento mais visitado do concelho" enquanto obra emblemática de Fernando Távora (1923-2005), será requalificado pelo filho do arquiteto, com obras superiores a um milhão de euros, revelou a autarquia.

Inaugurado em 1959, o edifício não regista grande afluência no dia-a-dia por ter poucas lojas e bancas de venda em atividade, mas recebe milhares de visitantes em eventos pontuais ao longo do ano e acolhe também visitas de estudo organizadas por faculdades de arquitetura portuguesas e estrangeiras.

"É uma obra de referência da arquitetura mundial, está classificado como Património Nacional e é o monumento mais visitado do concelho, recebendo muito mais gente do que o próprio Castelo", declara à Lusa o presidente da Câmara Municipal da Feira, Emídio Sousa.

O autarca admite, no entanto, que foi precisamente esse estatuto a prejudicar sucessivos planos de recuperação do imóvel, já que "o receio de se intervir num edifício com semelhante reputação" levou a que a respetiva obra fosse várias vezes adiada.

Para o vereador António Topa Gomes, que na autarquia tutela o pelouro das Obras Municipais, essa demora teve consequências "sobretudo ao nível do piso", onde é mais natural que se note "o desgaste de 60 anos de utilização".

Mais do que correções relativas a pavimentos, contudo, a empreitada irá envolver uma significativa dose de trabalhos destinados a "dotar o mercado das condições técnicas adequadas à sua atividade", o que passará por ajustar o espaço às exigências atuais em domínios como a iluminação exterior, as condições de frio de peixaria e talho, a circulação inclusiva de públicos, etc..

"Está tudo pensado numa perspetiva dual, para se devolver o mercado à sua atividade tradicional e para ele também ser reabilitado em termos de animação - que agora é manifestamente pobre e depois terá outra dinâmica, em articulação com o grande conjunto de eventos que já existe na cidade", diz António Topa Gomes.

Os termos da recuperação do mercado estão a ser ultimados por José Bernardo Távora, que, enquanto filho do autor do projeto original, assegura agora: "Não vou deixar aqui nenhuma marca minha. Trabalhei 30 anos com o meu pai e esta obra vai ser toda de acordo com a visão que ele tinha para este espaço".

O arquiteto identifica o Mercado Municipal da Feira como a sua obra predileta entre todas aquelas de que o pai foi autor, e atribui essa preferência ao facto de o edifício refletir "um trabalho de luta, num período em que se discutia muito o que era `a casa portuguesa` e em que a arquitetura moderna se impunha na Europa, em sequência da destruição, no pós-Guerra".

Desse confronto de ideias resultou o que José Bernardo Távora define hoje como "um edifício de espírito internacional, mas muito português, principalmente nos materiais", dado o recurso a elementos como paredes de granito, vigas de betão bujardado e beirais de ardósia.

O leque de matérias-primas utilizado em 1959 explica, aliás, a longevidade da estrutura e dos revestimentos do edifício, que, com quatro blocos dispostos em torno de uma fonte central "que voltará a ter água", se mantém "ainda hoje com um ótimo aspeto".

Os azulejos do imóvel também estão bem preservados, mas os mosaicos no pavimento - desenhados por arquitetos como Álvaro Siza Vieira e Fernando Lanhas (1923-2012) - perderam já parte dos seus ladrilhos de cor, pelo que serão entretanto restaurados de acordo com os originais.

Ainda assim, José Bernardo Távora defende que "a parte mais complicada do trabalho tem sido adequar o edifício às suas funções atuais", já que "em 60 anos tudo mudou na sociedade e, hoje em dia, exige-se a um mercado muitos mais requisitos legais" em termos de higiene, salubridade, segurança, recolha de resíduos, etc..

"A legislação é tão extensa que chega a ser violenta e, só quanto a projetos de engenharia, são precisos pelo menos 10", salienta o arquiteto, que está há seis meses a preparar a revitalização do imóvel concebido por seu pai.

O projeto de arquitetura para requalificação do Mercado Municipal Fernando Távora deverá ficar concluído até final do primeiro trimestre de 2020, após o que será sujeito a revisão técnica e objeto de concurso público.

A autarquia espera arrancar com a obra no início de 2021, após o que a empreitada deverá terminar no prazo estimado de seis meses.

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