Portugueses procuram reviver glórias do passado nos romances históricos
Quando a auto-estima de um povo é baixa, as pes soas parecem querer "reviver as glórias do passado" nos romances históricos, um género literário que fascina muitos leitores por aliar a informação factual ao m istério.
Esta é uma das explicações apresentadas por escritores e editoras ouvid os pela Agência Lusa sobre o actual sucesso dos romances históricos.
Miguel Real, autor da obra "A voz da Terra", romance editado pela Quidn ovi cuja acção decorre em Lisboa na época do terramoto de 1755, referiu que a ap etência pelo romance histórico não é exclusiva a Portugal, mas uma tendência eur opeia.
"Acontece que os portugueses - no contexto de uma Europa que está a ser subalternizada pelos Estados Unidos - começaram a ter mais nostalgia do seu pas sado relativamente grandioso", sustentou.
Na opinião do autor, "a subalternização aos Estados Unidos provocou uma certa apetência dos europeus pelo romance histórico. Isto acontece quando há pe ríodos de uma certa baixa na auto-estima de um povo: as pessoas procuram reviver as suas glórias do passado".
Miguel Real traça o perfil destes leitores entre a classe média, "sobre tudo pessoas que procuram algum conhecimento que o liceu ou a universidade não l he proporcionaram ou então querem ter a sensação de recriar momentos históricos" do seu país.
O romance histórico "dá o prazer de ler que não encontram no ensaio", a crescenta o professor de filosofia actualmente a fazer um doutoramento em Estudo s Portugueses, ressalvando que este tipo de literatura teve sempre alguma força em Portugal, mas é mais procurado nos últimos anos.
Ana Maria Pereirinha, editora adjunta da Quidnovi, confirmou à Lusa ess a apetência, que resulta numa "natural oferta por parte do mercado editorial".
Mas, apontou, "é uma aposta relativamente segura, desde que seja litera tura de qualidade".
"A Voz da Terra" esgotou a primeira edição, feita em Novembro passado, de 3.000 exemplares em quinze dias, e a editora prepara já o lançamento, este an o, de outro romance histórico do mesmo autor, intitulado "O último Negreiro", a história verídica de um mercador português que se dedicou ao comércio de escravo s.
Um dos grandes últimos sucessos deste género em Portugal é "O Códex 632 ", do jornalista José Rodrigues dos Santos, lançado no final de Outubro passado, e que aborda o tema misterioso da verdadeira identidade e missão de Cristóvão C olombo na época dos Descobrimentos Portugueses.
De acordo com Joana Gonçalves, assistente editorial da Gradiva, a obra já vai na 15ª edição (75 mil exemplares vendidos) e deverá ser publicada breveme nte no Brasil.
O sucesso de "O Códex 632" sucede ao de outro "best seller" do mesmo au tor, publicado em Novembro de 2004 - "A Filha do Capitão", sobre a participação portuguesa na I Guerra Mundial - que atingiu a 10ª edição (vendeu 50 mil exempla res).
O livro está publicado na Itália e deverá também ser editado em breve n a Alemanha e no Brasil.
Quando aliam uma base de verdade histórica ao enigma, mitos, segredos e mistérios, os romances históricos parecem provocar um certo fascínio nos leitor es, ingredientes que compõem a narrativa de "O Código Da Vinci", considerado com o um marco da intensificação da procura destas obras.
"O Código Da Vinci", de Dan Brown, integra praticamente todos estes ing redientes e daí talvez o seu sucesso. Desde 2003, quando foi publicado, já vende u mais de 20 milhões de exemplares em todo o mundo.
Contudo, Joana Gonçalves assinala que "não basta ser um romance históri co para ter êxito" porque "há vários factores envolvidos no fenómeno da procura, que têm a ver com o tema e a qualidade da obra".
José Rodrigues dos Santos exclui, à partida, que o sucesso das suas obr as tenha a ver com o facto de ser uma figura pública que aparece quase diariamen te na televisão.
Para o jornalista e escritor, o êxito deste tipo de romances está mais relacionado com o facto de as pessoas gostarem de aprender alguma coisa quando l êem um livro e também com a sua "legibilidade".
Pelo que se tem apercebido de comentários de leitores, muitas das obras de autores portugueses "provocam bocejos e a sua escrita faz sono".
"Há um certo sentimento de divórcio entre os autores portugueses e os l eitores, que estão cansados de textos experimentais. Ora estes novos romances ap arecem numa linha totalmente nova para a recente tradição portuguesa, ao investi r fortemente na história e numa linguagem fluida e compreensível", disse José Ro drigues dos Santos à Lusa.
Sem adiantar pormenores, revelou que está a trabalhar noutros dois roma nces e a editora Gradiva anunciou que espera publicar pelo menos mais um livro d o autor ainda este ano.
Outro romance histórico português que esgotou a primeira edição (três m il exemplares) em 15 dias foi "O Amor Infinito de Pedro e Inês", da autoria de L uís Rosa, publicado pela Editorial Presença em Novembro passado.
O autor também sublinhou à Lusa a importância da aprendizagem com a lei tura do romance histórico, preferida pelos portugueses porque "os livros de hist ória em Portugal são muito exíguos e até demasiado sintéticos".
Luís Rosa sublinha que, nesta obra sobre o amor trágico de Pedro e Inês , procurou "fazer um grande trabalho de investigação e introduzir um estilo próp rio, uma lírica, uma estética da escrita".
"O romance histórico sempre esteve presente em Portugal nos séculos XIX e XX, mas actualmente há um novo interesse", referiu, concluindo que os portugu eses "têm cada vez mais consciência da riqueza da sua História".