Pintura Panorama do Congo é fundamental para entender o colonialismo - historiador

por Lusa

O historiador Matthew G. Stanard defendeu hoje, em Lisboa, que falar sobre a colonização implica analisar a pintura O Panorama do Congo, com que a Bélgica tentou demonstrar o desenvolvimento que levou àquela região africana, escondendo as atrocidades.

O professor norte-americano e especialista em propaganda colonial europeia falava na conferência "Propaganda Colonial: Como mostrar e como questionar", que decorreu no Museu Nacional de História Natural e da Ciência (MNHNC), onde está patente uma exposição que reinterpreta o Panorama do Congo através da realidade virtual.

A obra original, encomendada aos pintores belgas Alfred Bastien e Paul Mathieu para a Exposição Internacional de Gante, em 1913, é uma pintura circular com 115 metros de comprimento por 14 metros de altura e representava o Congo -- atual República Democrática do Congo (RDCongo) -- como um paraíso, sem referência às atrocidades que o povo congolês sofrera, nomeadamente quando era propriedade privada do rei Leopoldo II, o que aconteceu até 1908.

Precisamente por essas atrocidades terem sido denunciadas internacionalmente, o Congo passou a ser governado pela Bélgica, que recorreu a esta e a outras formas de propaganda para justificar a sua ação colonizadora.

Segundo Matthew G. Stanard, que sublinha a "surpreendente e prolongada propaganda colonial que a Bélgica efetuou", o rei "Leopoldo II pagou a jornalistas para contarem algumas histórias do Congo e para não escreverem sobre outras, usando também fotografias".

Desta forma, referiu, os belgas conheceram um Congo onde a esmagadora maioria nunca tinha estado. O Panorama do Congo, por seu lado, recebeu na Exposição Internacional de Gante, em 1913, mais belgas do que alguma vez o país africano recebera.

A obra pertence à coleção do War Heritage Institute, na Bélgica, e durante quase um século esteve esquecida nas reservas dos museus, até que foi desenrolada, filmada e fotografada e, naturalmente, alvo de pesquisa.

"Se queremos realmente falar de colonização, seja em que prisma for, temos de ver o Panorama do Congo", disse Matthew G. Stanard.

Apoiado em várias imagens da obra, o investigador explicou que a mesma retrata um modo de vida no Congo em perfeita comunhão entre os povos nativos e os colonizadores, sobressaindo os sinais de "atraso" dos autóctones face ao "desenvolvimento" do colonizador.

"É a natureza perante o desenvolvimento", observou, exemplificando com uma imagem em que vários congoleses atravessam o rio a pé, enquanto mais acima uma ponte metálica -- edificada pelo colonizador belga, com a mão-de-obra local -- tenta representar a importância harmoniosa do colonizador e justificar a própria colonização belga

Além de branquear as atrocidades cometidas contra os congoleses, a pintura de Alfred Bastien e Paul Mathieu -- que se deslocaram à região para poderem efetuar a obra -- pretendia ser uma forma de divulgar conhecimento sobre África, numa altura em que os europeus viam no conhecimento uma forma de alternativa à própria religião.

Na conferência de hoje, Matthew G. Stanard mostrou um excerto de um filme sobre a exposição de 1913, na qual esteve representada uma vila indígena, com congoleses trazidos para o efeito e que estavam em exposição, com réplicas das suas casas e simulando o seu dia-a-dia, aos olhos dos visitantes.

"A mensagem era clara: Não havia atrocidades e sim desenvolvimento", adiantou.

Além de ser possível uma visita virtual ao Panorama do Congo, a exposição no MNHNC inclui vária documentação e um painel de grandes dimensões, onde se lê a confissão de Louis Lacroix, um funcionário da concessionária Anversoise, publicada num jornal em 1900: "Vou comparecer perante o juiz por ter assassinado 150 homens e cortado 60 mãos; por ter crucificado mulheres e crianças; por ter mutilado muitos homens e pendurado os seus restos mortais na cerca da aldeia; por ter disparado sobre um indígena com um revólver; por ter assassinado uma indígena".

Leopoldo II recebeu o Congo, a título pessoal, na sequência da Conferência de Berlim, em 1885, que dividiu a África entre as potências europeias. Chamava-se então Estado Livre do Congo. Passou a ser uma colónia belga em 1908 e tornou-se independente em 1960.

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