Peça "Direcção Geral das Artes" reflete sobre estado do teatro e desafios dos artistas

por Lusa

O espetáculo "Direcção Geral das Artes", encenado por Carlos Alves, nasceu de uma pesquisa sobre artes performativas em Portugal, e reflete sobre o atual estado do teatro, as condições de trabalho dos artistas e a relação com o público.

O espetáculo, quase homónimo da entidade pública que apoia espetáculos em Portugal, e que apresenta uma visão sobre o público e os protagonistas da cena teatral contemporânea, vai estar em cena entre 28 de março e 05 de abril, no Teatro Municipal Amélia Rey Colaço, em Algés, Oeiras, e de 10 a 13 de abril, no Centro Cultural de Carnide, em Lisboa.

"Este espetáculo surge de uma pesquisa que fiz há algum tempo que envolveu uma série grande de pessoas que trabalham nas artes performativas em Portugal. Ou seja, uma pesquisa em que, com essas pessoas, conversámos bastante sobre o momento atual das artes performativas em Portugal, do que é trabalhar em teatro, quais são as condições, o que é que as pessoas pensam sobre aquilo que fazem, sobre o que é feito no país", disse o encenador à agência Lusa.

O texto da peça foi, então, escrito com base nessa pesquisa -- que se alongou por seis meses - e naquilo que as pessoas foram dizendo, nas trocas e nas partilhas que foram sendo feitas de leituras, de filmes e de várias outras coisas.

Segundo o encenador, o título, além de fazer referência à instituição homónima, aponta também para o caminho que as artes performativas estão a seguir no país.

"Portanto, tem a ver com essa dupla conotação da palavra direção-geral: é uma direção-geral no sentido institucional, mas também uma direção-geral no sentido de um caminho. E o espetáculo reflete sobre isso, reflete sobre as artes performativas, sobre a relação com o público, sobre a forma como o público olha para o teatro, como os artistas olham para o teatro", sublinhou.

A narrativa cruza ainda esta reflexão com questões de identidade coletiva e nacional, explorando elementos da literatura e dramaturgia portuguesas muitas vezes esquecidos.

Uma das frases centrais do espetáculo diz que "a contemporaneidade arruma tudo a um canto e os teatros são repositórios de coisas que já não se querem", exemplifica Carlos Alves, apontando que são exatamente essas "coisas esquecidas" que a peça procura, resgatando elementos literários e teatrais que permanecem relevantes, mesmo que estejam longe dos holofotes.

"Então, é esse cruzamento que o espetáculo faz, entre esta ideia de contemporaneidade e uma ideia de uma qualquer tradição que nós podemos encontrar na literatura, no teatro", sublinhou.

Questionado sobre se o espetáculo pretende fazer uma crítica ou lançar um alerta sobre o estado das artes performativas em Portugal e sobre os processos de criação teatral, muitas vezes desconhecidos do público, o encenador esclarece que mais do que uma crítica, a peça procura expor as condições em que se faz teatro no país, abordando temas como financiamento, coproduções e a relação com diretores de teatros.

É principalmente "uma reflexão" sobre isso tudo, em que "há aspetos que são críticos e há aspetos que são meramente de observação daquilo que acontece", tendo o espetáculo "uma voz autoral", mas que bebe muito do que as pessoas lhe foram dizendo durante a pesquisa.

"Eu acho que aqui, no espetáculo, demonstramos também um bocadinho o que é que são esses processos, que não são do conhecimento público, são processos de trabalho e de produção e da relação que temos de ter com as coproduções, com os diretores dos teatros, com tentativas de obter financiamento para espetáculos, todas essas questões que influenciam muito as obras artísticas, e que influenciam também esta obra artística, a minha, tudo isso está refletido no espetáculo", complementou o autor, que é também um dos atores do espetáculo.

Além de Carlos Alves, compõem o elenco Henrique Gomes, João Pires, Mariana Fonseca, Mariana Guarda e Sandra Sousa, "que também fazem parte deste panorama e, portanto, aquilo que eles trouxeram para o espetáculo é a visão deles e também está incluída".

A criação do espetáculo levou quatro anos, desde a pesquisa inicial até a concretização da montagem, evidenciando os desafios do setor, revelou, assinalando que "muitas vezes o público vê o espetáculo terminado e esquece todos os anos que foram precisos para o fazer".

No fundo, "Direcção Geral das Artes" é um espetáculo sobre teatro, mas também sobre o público e a sua perceção do que acontece nos bastidores da criação artística.

Do trabalho de pesquisa que foi feito, sobressaem principalmente três aspetos, o primeiro dos quais é a dificuldade de acesso dos artistas às programações dos teatros, pois apesar da diversidade e riqueza da criação teatral no país, muitas produções acabam por não chegar ao público, devido à "dificuldade de comunicar com os programadores" e "encaixar em determinadas linhas de programação".

Outro dos tópicos principais é a obsessão com a contemporaneidade, o que leva a que muitas vezes as "linguagens acabem por ser muito semelhantes naquilo que se está a fazer, e isso é muito influenciado pelas escolhas que são feitas, dos espetáculos que podem ser apresentados".

"Ou seja, às vezes, apesar do trabalho que é feito em Portugal ser muito diverso, depois aquele que chega ao público já não é tão diverso assim, porque é muito filtrado".

A terceira ideia que sobressaiu na pesquisa é o crónico subfinanciamento das artes, que impede muitos projetos de avançar e mantém os profissionais em condições precárias.

"De facto, as pessoas não trabalham com as condições que seriam justas, porque os honorários têm de ser sempre muito baixos, porque os orçamentos são sempre muito baixos. Há sempre um subfinanciamento que deixa muitos projetos de fora, nomeadamente em concursos da Direção-Geral das Artes e de outras entidades que fazem apoio às artes", indicou, lembrando que esta é uma reivindicação da classe artística, há muito tempo, que continua por resolver.

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