Na Figueira da Foz suástica anterior a Hitler perpetua "pai" do Museu Municipal

por Agência LUSA

Centenas de pessoas cruzam-se diariamente com uma cruz suástica na Câmara da Figueira da Foz, mas o símbolo, de que Hitler se apropriou, nada tem a ver com o holocausto nazi.

Os figueirenses estão familiarizados com a suástica que decora o busto do jurista e arqueólogo António Santos Rocha (1853-1910), fundador do museu que tem hoje o seu nome.

Só que alguns visitantes embirram com a cruz, coram de vergonha e pedem explicações, ignorando estar perante o emblema da antiga Sociedade Arqueológica da Figueira (1898-1910), que teve em Santos Rocha o principal impulsionador.

Após o 25 de Abril de 1974, com o advento da democracia portuguesa, multiplicaram-se as reacções de protesto, impropérios verbais e artigos na imprensa a repudiar o que era compreensivelmente identificado com tirania, admiração de Salazar por Hitler, nazismo e fascismo.

Segundo o "Dicionário Universal da Língua Portuguesa", da Texto Editora (1995), a cruz suástica "é símbolo de felicidade, de salvação, entre os brâmanes (sacerdotes indianos) e budistas", mas foi adoptada pelos nazis alemães, de Adolf Hitler, que tomaram o poder através de eleições, nos anos 30.

O arqueólogo Fernando Coimbra salienta que "a suástica é um símbolo pré-histórico cuja origem se perde na noite dos tempos".

"Utilizada por inúmeros povos, pelo menos desde finais do VI milénio antes de Cristo, teve uma sobrevivência verdadeiramente extraordinária, pois actualmente ainda aparece na Índia e no Tibete, com carácter simbólico", afirma Fernando Coimbra no catálogo das comemorações do centenário da Sociedade Archeologica Santos Rocha, que em 1898 adoptou como emblema, precisamente, a cruz gamada (quatro gamas entrecruzadas e unidas pela base; gama é a terceira letra do alfabeto grego).

Na referida obra, publicada em 1999 pelo Museu Municipal Dr.

Santos Rocha, aquele arqueólogo do Museu de Conímbriga admite que, "de modo geral, a sociedade dos países ocidentais associa apenas, erradamente, a suástica ao nazismo".

"Na realidade - acrescenta - trata-se de um dos símbolos mais representados em vestígios arqueológicos, surgindo com grande profusão nos mais variados objectos, pertencentes a culturas e civilizações muito diversas", desde a Europa à Ásia e África, passando pela América do Norte e do Sul.

A suástica que surpreende muitos forasteiros que sobem as escadas dos Paços do Concelho da Figueira é um "símbolo internacional da arqueologia", explicou à Agência Lusa Joaquim de Sousa, antigo presidente da autarquia (1980-1983), eleito pelo PS, do qual se desvinculou depois para aderir ao PSD.

Nascido e criado na Figueira da Foz, Joaquim de Sousa realçou que Santos Rocha, além de jurista e presidente da Câmara, em representação do Partido Regenerador, no período liberal, "foi um arqueólogo de grande gabarito".

"É um dos mais notáveis figueirenses de sempre, talvez o mais importante depois de Manuel Fernandes Thomaz (ideólogo da Revolução Liberal de 1820)", acrescentou.

Na década passada, ao visitar a Figueira da Foz, onde participou numa iniciativa europeia sobre zonas costeiras, o director do Departamento de História da Universidade de Sassari, na Sardenha, não disfarçou a estupefacção ao dar com os olhos na suástica, contou o ex-jornalista João Marques.

"Salazar?", perguntou o italiano Attílio Mastino.

João Marques, que era adjunto do presidente da Câmara Aguiar de Carvalho, explicou-lhe que a cruz gamada existe há milhares de anos, surge em vestígios arqueológicos um pouco por todo o mundo e só no século XX passou a significar, também, ditadura e tragédia.

Ana Paula Cardoso, chefe da Divisão de Cultura, Museu, Biblioteca e Arquivos da Câmara da Figueira, recordou à Agência Lusa como a antiga conservadora do Museu Municipal, Isabel Pereira, resolveu um dos habituais equívocos em torno da suástica gravada na pedra, sob o busto do fundador daquela instituição de cultura.

"Foi após o 25 de Abril. A doutora Isabel Pereira teve de enviar uma carta a um jornal a desmentir o que fora publicado sobre a cruz, explicando que se tratava do emblema da Sociedade Arqueológica", contou Ana Paula Cardoso.

Aquela cruz suástica "é muito anterior" ao nazismo de Hitler, respondeu, com firme convicção, o pintor Mário Silva, residente na Figueira da Foz.

"Quando reparam naquilo, as pessoas ficam incrédulas porque não sabem o significado", observou o artista, filho do cientista Mário Silva, que foi expulso da Universidade de Coimbra por Salazar.

Em Janeiro, o jornal britânico Sun publicou uma foto em que o príncipe Harry, filho da falecida princesa Diana, surge numa festa de fatos de fantasia envergando um uniforme nazi, com uma suástica no braço.

Acossado pela comunidade judaica, que invocou o crime do Holocausto, e pelos sectores democráticos, o jovem Harry teve de apresentar desculpas públicas.

As palavras "gastam-se com o uso e prostituem-se com o abuso", como escreveu Sebastião Cruz, antigo professor de Direito Romano da Faculdade de Direito de Coimbra. E o mesmo acontece às imagens, assumindo diferentes conotações ao longo dos tempos.

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