Museu Episcopal de Beja revela tesouros ocultos de igrejas e antigos conventos

por Agência LUSA

Tesouros ocultos de igrejas e antigos conventos de Beja, como uma cruz de madeira com puas de ferro usada como instrumento de penitência, dão corpo à primeira exposição do Museu Episcopal da cidade, que é hoje inaugurado.

O núcleo, o último da rede museológica da Diocese de Beja a entrar em funcionamento, integra a Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres, considerada um dos mais belos templos barrocos do Sul do país, que assim reabre ao público após 20 anos fechada.

A cerimónia de inauguração do museu e reabertura da igreja, agendada para as 17:30, vai ser presidida pela ministra da Cultura, Isabel Pires de Lima, no âmbito da iniciativa "Cultura Presente" que se prolonga até quarta-feira no Baixo Alentejo.

O director do Departamento do Património Histórico e Artístico da Diocese de Beja (DPHADB), José António Falcão, explicou hoje à agência Lusa que "o museu inclui o acervo próprio da igreja e uma casa anexa, que irá receber exposições temporárias".

Desta forma, continuou, o museu pretende "devolver" ao público a igreja, há 20 anos fechada ao culto, além de "estudar, preservar e revelar o património das igrejas e dos antigos conventos e casas religiosas de Beja".

Alguns tesouros ocultos deste património compõem o espólio da primeira exposição temporária do museu, "Nas Asas da Aurora", que revela objectos devocionais, alfaias litúrgicas, pinturas e esculturas.

Entre os objectos devocionais, que agora vêm à luz do dia pela primeira vez, encontra-se um conjunto "extraordinário e raro" de instrumentos que eram utilizados para penitência e auto-mortificação nas antigas casas religiosas femininas de Beja, recentemente inventariado pelo DPHADB.

Neste conjunto de instrumentos, dos séculos XVIII e XIX, José António Falcão destacou um cilício de linho, cintos e colares com pontas de arame e látegos (chicotes) ou açoites de cânhamo e de ferro.

Uma pequena cruz de madeira com puas de ferro, do início do século XX, que servia para colocar sob os joelhos ou pés, é outro dos "impressionantes documentos de uma época profundamente marcada pela vivência mística".

Do espólio da exposição, o responsável destacou ainda peças de igrejas que "surpreendem pela beleza e pelo esplendor", como as insígnias de antigos bispos e a imagem de São Pedro, de Joaquim Machado de Castro, que pertencia à ermida com o mesmo nome, situada nos arredores de Beja.

O retrato no leito da morte de Soror Perpétua da Luz, uma monja "iluminada" que viveu no convento da Esperança, é outra das peças, que "impressiona pela austeridade".

Através de uma parceria entre o DPHADB e o Estado, a Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres, considerada também um dos emblemáticos monumentos religiosos da cidade, foi alvo de uma recuperação que permitiu salvaguardar a talha, as pinturas murais e os azulejos.

Considerada uma "igreja de ouro", o templo reflecte o "horror ao vazio" próprio da arquitectura do barroco, com um interior "muito sumptuoso, concebido à maneira de obra de arte total", com contributos de artistas nacionais e estrangeiros da época.

"A azulejaria, a escultura e a pintura convivem no espaço da igreja com uma grande coerência plástica, criando um `teatro sagrado`, que permite antever as glórias do Céu", salientou José António Falcão.

Da autoria de Manuel João da Fonseca e Francisco da Silva, a talha que cobre integralmente as paredes "dialoga" com telas de António de Oliveira Bernardes, o grande pintor da transição do reinado de D. Pedro II para o de D. João V.

"Verdadeiramente impressionante", salientou o responsável do DPHADB, é o ciclo de pinturas murais que reveste na íntegra o tecto da igreja, "criando a ilusão de uma arquitectura povoada por cenas da vida de Nossa Senhora".

"Trata-se da `Sagrada Família`, a obra-prima que António Oliveira Bernardes levou a cabo, em 1620, em parceria com o seu pai, Pedro Figueira, pintor natural de Moura, mas estabelecido em Beja, e com João Pereira Pegado, outro mestre da região", precisou.

Os cilhares de azulejos, assinados por Gabriel del Barco, "completam na perfeição o conjunto da igreja, que desenvolve todo um tratado de teologia em torno da vida e dos mistérios da Virgem".

Por todas estas "particularidades", Vítor Serrão, especialista em História da Arte, classificou a igreja como "um dos mais sedutores testemunhos de totalidade decorativa da arte barroca do tempo de D.

Pedro II".

Apostado em salvaguardar as igrejas históricas e o património litúrgico e eclesiástico, o DPHADB tem vindo a criar, desde 2002, a Rede Diocesana de Museus, que integra sete pólos distribuídos pelo distrito de Beja e Litoral Alentejano.

O tesouro da Igreja de Nossa Senhora das Salas (Sines), o Tesouro da Colegiada de Santiago do Cacém, o Tesouro da Igreja de São Vicente (Cuba), o Tesouro da Basílica Real (Castro Verde), o Museu de Arte Sacra na antiga igreja-colegiada de São Pedro (Moura) e o Museu do Seminário de Beja são os núcleos já abertos.

PUB