Município e Direcção Regional da Cultura apostados em preservar canto de improviso em risco
Alcácer do Sal, Setúbal, 31 Mai (Lusa) - O município de Alcácer do Sal e a Direcção Regional da Cultura do Alentejo (DRCALEN) estão a desenhar uma estratégia para preservar o Ladrão do Sado, um canto de improviso em risco de se perder.
As duas entidades estabeleceram recentemente um protocolo que prevê a realização do Plano de Salvaguarda para o Ladrão do Sado e a instalação, em Alcácer do Sal, de um centro para a salvaguarda da décima e do verso improvisado.
"Ou se começa a pensar numa estratégia para preservar esta tradição, ou se perde esta manifestação cultural para sempre", alertou hoje à agência Lusa Paulo Lima, coordenador do Programa para a Salvaguarda do Património Imaterial do Alentejo, na DRCALEN, "preocupado" com o estado actual da décima e do verso improvisado no sul do país.
Além destas iniciativas, encetadas no decorrer de um festival internacional do verso improvisado, que decorreu em Alcácer do Sal, a autarquia e DRCALEN estão a desenvolver um estudo sobre a tradição do canto do Ladrão do Sado.
Segundo Paulo Lima, o estudo está a ser feito com base numa recolha realizada pelo etnomusicólogo francês Michel Giacometti (1929-1990), em finais de 1984, a pedido da autarquia.
"Do trabalho dele, resultaram cinco bobinas, que foram entregues na altura à Câmara Municipal, que incluem modas cantadas e tocadas (concertina, acordeão, gaita de beiços, etc.), mas com particular atenção para o canto coral e, neste campo, para o Ladrão do Sado", explicou.
O projecto constitui ainda uma "antecâmara" para as comemorações da passagem dos 80 anos sobre o nascimento de Giacometti, que se assinala no próximo ano, indicou.
O estudo, que deverá estar concluído no final do Verão, vai ser editado em papel, com imagens da autoria do fotógrafo Augusto Brázio, e, mais tarde, em suporte digital, numa parceria com o Museu da Música Portuguesa.
O canto do Ladrão do Sado, também chamado de Ladrão dos Pretos ou Ladrão de Palma, é uma forma cantada de improviso típica da zona de Alcácer do Sal e "única no país".
"Tem várias variantes, como o facto de ser cantado no trabalho, mas também na taberna ou no baile de roda, além de ser o único canto de improviso do sul que pode ser misto (cantada por homens e mulheres) e de ter um bordão nasalado no quarto verso", esclareceu Paulo Lima.
Para o município, a preservação desta forma poético-musical assume também especial relevância, já que se trata de "um património imaterial que tem grande interesse em Alcácer e que se pode extinguir com o tempo, porque só os mais idosos o conhecem".
"É uma tradição muito impregnada nas pessoas", realçou Isabel Vicente, vereadora da cultura, em declarações à Lusa.
"As pessoas da minha família que trabalhavam no campo, na monda do arroz, cantavam estas modas. Às vezes, ainda oiço a minha avó cantá-las", confidenciou.
Isabel Vicente considera que esta forma encontrada pelos populares de elaborar as décimas "na hora, com uma métrica tão rigorosa, é algo extraordinário", e cuja preservação pode contribuir para o "reforço da identidade do Alentejo".
"Esta parceria com a DRCALEN é uma tentativa de salvaguardar e promover esta tradição, tentando fixar em Alcácer um festival anual do improviso, além de um projecto mais alargado, que pretendemos aprofundar para depois candidatar ao QREN regional", adiantou a vereadora.
O Programa para a Salvaguarda do Património Imaterial do Alentejo, que inclui a criação de uma rede internacional de improvisadores, entre outras iniciativas, tem em vista o encontro de formas de preservar cantos de improviso típicos, como o baldão, a desgarrada ou o despique.
Paulo Lima considera que, neste campo, há que seguir o exemplo de outros países, em particular os situados na bacia do Mediterrâneo, para "encontrar formas de continuidade para estas tradições".
A promoção de cursos de formação para aprender as técnicas dos cantos de improviso e a realização de festivais são algumas das ideias que podem vir a ser aplicadas em Portugal.
RE.
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