Mulheres que Contam. Sara Barriga Brighenti

por Silvia Alves - RTP

Sara Barriga Brighenti não tem um percurso linear, o que constitui uma característica da sua vida: "procurar sempre aquilo que posso fazer de novo, e aquilo que posso fazer melhor".

Na escola António Arroio, interessou-se pelos têxteis e tecidos, pelo vestir como uma matéria cultural – aprendendo a cultura ancestral para trazê-la para o mundo contemporâneo.

A mãe de uma colega de escola, que trabalhava na Fundação Calouste Gulbenkian, oferecia-lhes bilhetes para assistir aos ensaios gerais da Companhia de Dança. Ver dança contemporânea formou o seu olhar, juntamente com as outras visões do mundo possíveis que os professores e colegas da António Arroio lhe deram.
Como estudante de Belas Artes, apercebeu-se de que o que a interessava era o espaço, a relação entre o espaço e os objectos, e a relação com o público.

Em 1997, uma bolsa Erasmus leva-a a Bruxelas – uma cidade cosmopolita efervescente, com uma enorme e variada oferta cultural – ali desdobra os estudos por duas escolas: a francófona La Cambre e outra flamenga, onde encontrou docentes que tinham um pensamento sobre a cultura muito perto daquilo que a própria Sara queria explorar.
O seu trabalho foi uma intervenção numa casa desocupada da cidade de Bruxelas, reflectindo sobre o que significa o “desinstalar famílias” de casas.

“Essas famílias tinham saído do bairro, porque aí ia ser construído o bairro europeu, todo o conjunto de edifícios para a Comunidade Europeia, mas finalmente não foram usadas e foram abandonadas. Então esta ideia da intimidade que foi desapropriada do seu lugar, este lugar de memórias em que nós sentimos a presença das pessoas, mas que, efectivamente, já lá não estão, era o que de facto me interessava explorar. E entre a escola La Cambre, em que eu tenho oficinas extraordinárias, em que eu trabalhava serigrafia porque me interessava muito trabalhar os têxteis por esta ideia presença/ ausência – e na escola flamenga em que tinha uns tutores que me deram a conhecer artistas e me ajudaram a formar este pensamento e a escrever este conceito do trabalho – eu consegui o melhor dos dois mundos.”


Sara Barriga Brighenti regressa no final da Expo ’98 a Lisboa. Nesse fim de século, estava a formar-se um pensamento sobre o que é a mediação, o que é a educação em museus, como falar de arte contemporânea para públicos vários. Enquanto trabalha no Centro de Arte Moderna da Gulbenkian, continua a dar aulas no ensino secundário. Entre o normativo escolar, ou a avaliação dos alunos, e o despertar da consciência através das artes fica o mundo inteiro.

É convidada para pensar o serviço educativo do Museu Casa das Histórias Paula Rego com o objectivo de educar para a cidadania, para formar indivíduos criativos e com massa crítica.

Aproximar os públicos e a cultura, aproximar os públicos e os museus, leva a um inesperado e até misterioso convite…

O Banco de Portugal convida-a a pensar um museu, ainda inexistente, para a sua colecção numismática e notafílica, abordando, simultaneamente, a história do dinheiro. Entregam-lhe dois catálogos da colecção e, ao abri-los, caem por terra todas as dúvidas que Sara pudesse ter: na colecção de moedas está espelhada toda a História de Arte – em cada moeda, está contida a arte, a expressão artística, as manifestações da História da Humanidade.
O resultado foi um museu tecnológico, multimédia, com o projecto de museografia a cargo do designer Francisco Providência, longe do clássico museu de vitrines. Sara Barriga Brighenti foi directora do Museu do Dinheiro, sendo responsável pela instalação do museu, pelo plano de exposições, edições, e muito mais.
Quando é inaugurado, Sara lembrou-se de trazer a arte contemporânea para o espaço. Porque “é um espaço da cidade, contemporâneo, é um espaço de divergência e, necessariamente, não pode ser um espaço neutro. Aqui assumindo a ideia de um projecto de um museu como um projecto político, em que as vozes dos artistas têm toda esta dissonância e criatividade e trouxeram formas muito diferentes de olhar para a colecção.”
Uma década depois, Sara Barriga Brighenti regressa às Artes, potenciando o seu conhecimento em matéria de Educação e de Artes e Cultura. Torna-se subcomissária do Plano Nacional das Artes.

Na Conferência do Porto Santo, em 2021, foi elaborada a Carta do Porto Santo como um mapa orientador de princípios e de recomendações para aplicar e desenvolver um paradigma de democracia cultural na Europa. A Carta dirige-se a decisores políticos europeus; às organizações e instituições culturais e educativas; e aos cidadãos europeus, para que se responsabilizem pelo horizonte cultural comum.

A pandemia tornou evidente a importância, mesmo que inconsciente, que a Cultura tem na vida e bem-estar das pessoas e comunidades. O usufruto, preservação e criação de Cultura é um direito constitucional. E é um garante de uma democracia e cidadania plenas, porque incentiva o pensamento crítico, e suporta um olhar diversificado sobre o mundo.

A pandemia trouxe a necessidade de criar um conjunto de materiais de suporte online para toda a comunidade escolar. E mergulhar nos recursos educativos do Plano Nacional das Artes é puro prazer: www.pna.gov.pt/recursos-educativos/

Qualquer agrupamento de escola pode aderir ao Plano, enviando o seu pedido para info@pna.gov.pt

Num século pensado nas mulheres como protagonistas, Sara Barriga Brighenti nomeia, como figuras de referência, aquelas que são suas companheiras, as mulheres que a inspiram, a quem volta nas suas leituras. Uma delas é Sophia de Mello Breyner, não só na sua figura como poeta, mas como escritora para a infância, e também como a mulher política que também está na Assembleia Constituinte e vem defender os direitos culturais dos cidadãos.

Outra figura importante é, naturalmente, Paula Rego.
E depois há outras escritoras, pela forma como viveram a sua vida, mas também pelo que escreveram, pelo seu trabalho, Clarisse Lispector, a Susan Sonntag, mas também Agustina Bessa Luís, ou Marguerite Duras…

Enquanto professora, ou free lancer nunca se sentiu discriminada, mas mais tarde, quando assumiu lugares de liderança, e quando muda para o contexto do mundo da economia e finança, sente, pela primeira vez, de uma maneira mais óbvia, que existem diferenças de oportunidades entre mulheres e homens.
Mas acrescenta:

“Para ser justa, também, é qualquer coisa que as instituições estão a tentar procurar alterar, mas há um grande trabalho a fazer. E, não queria circunscrever a igualdade de oportunidades na diferença entre homens e mulheres, mas também de pessoas de origens muito diferentes, com deficiência ou sem deficiência. Numa perspectiva de igualdade há ainda um mundo a transformar.”

Casada com um artista, Paulo Brighenti, a própria subcomissária do Plano Nacional das Artes reflecte sobre o que significa isto de trabalhar no tempo de lazer dos outros, e de como é difícil equilibrar a vida pessoal e profissional.

“O ser mãe dá-nos um sentido de responsabilidade muito grande que é o de passar aos nossos filhos aquilo em que acreditamos. Eu acho que temos um tempo muito curto para o fazer. A formação dos valores, não é da identidade, mas aquilo que, de facto, levamos para a vida como as nossas crenças, forma-se num tempo muito curto da nossa vida, muito inicial, eu acredito até aos 12 anos; depois, consolidamos, podemos mudar também.

A voragem de um trabalho que não tem fins-de-semana – tudo isto é um entusiasmo, tudo isto se faz com imenso sentido de missão, de gosto – mas também tudo isto nos coloca a questão de sabermos se estamos a saber fazer bem esta divisão entre vida pessoal e profissional.

Eu vivo com um artista plástico, com um pintor, para um artista também não existe diferença entre o mundo pessoal e o mundo profissional. As minhas filhas já nasceram neste contexto, e eu acho que nós tentamos fazer de todos, momentos felizes - nem sempre conseguimos.

Mas, talvez, nestes mundos de missão, em que o trabalho é uma missão, essa diferença seja mais esbatida, e passa a ser uma forma de estar no mundo, e não uma diferença entre dois mundos.”

Numa vida impregnada de arte, não admira que o teatro, o cinema, a leitura, e o desenho façam parte dos seus tempos livres, bem como estar na natureza, e não fazer nada! Na leitura destaca o gosto por histórias de vida, biografias, seja ficções, ou não.
“Gostei muito de ler os 4 livros da Elena Ferrante, Italo Calvino pela forma como traz a cultura e a imaginação, e nos propõe pensar para além do que é comum, e leio muitos ensaios, talvez essa seja mesmo o grande volume da minha leitura, porque sou também muito apaixonada pelo conhecimento, e sobre áreas de conhecimento que, naturalmente, tocam sempre a cultura, mas que abrem o espectro da cultura para a ciência, ou até para as questões sociais, para a economia – foi uma área que nunca pensei, mas que é absolutamente apaixonante.”

O seu mote de vida inscreve-se no optimismo que a move e lhe dá energia. Sendo uma pessoa optimista, entende os obstáculos que a vida lhe coloca como desafios.

“Eu tenho de ser capaz de amanhã fazer melhor, mesmo que seja mais difícil, mesmo que as circunstâncias não sejam favoráveis, mas é um mote de esperança de que eu vou ser capaz.”




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