Mulheres que contam. Manuela Grazina

por Silvia Alves - RTP

Em busca da química da felicidade, Manuela Grazina é defensora da “ciência para todos”, porque “as pessoas precisam de ciência para viver melhor, e porque o conhecimento nos traz liberdade e novas formas de reagir aos problemas”. É uma investigadora e professora universitária que “semeia Ciência por todo o lado”, a explicar às pessoas onde é que podem buscar “a fonte de felicidade em si mesmas porque, quando nascemos, todos ganhamos superpoderes que é podermos fazer coisas com aquilo que somos, com aquilo que temos.

"Em vez de nos queixarmos com o que não temos, com aquilo que, às vezes, nunca poderemos ser, é pensar: acordei, pestanejei, então tenho a obrigação de ser um bocadinho feliz, porque posso ver o mundo, posso ver os outros, posso interagir, posso ganhar mundo. E, depois, o que é que eu posso fazer com o corpo que eu tenho, com a cabeça que eu tenho, com o cérebro?”.

É importante a ciência guiar a decisão política, porque investe-se hoje e ganha-se no futuro, para termos uma sociedade mais saudável, mais equilibrada e que vai ser mais produtiva. A lei é crucial, mas não chega. O que “é preciso, é capacitar as pessoas para a tomada de decisão. E isso só se consegue com conhecimento da Ciência”.

Manuela Grazina concentra uma parte da sua investigação no cérebro e, especialmente, no córtex pré-frontal e no sistema límbico, cruciais para o bem-estar. E afirma claramente que a “felicidade é algo que se leva quando se vai, não é o que se encontra quando se chega. Nós não nascemos todos com a mesma capacidade para ser felizes, mas ganhamos todos ao nascer a mesma probabilidade de treinar o cérebro para o ser”.

É intrínseco à nossa espécie procurar o prazer e o bem-estar. É o que acontece nas dependências também, mas é preciso controlo porque “a felicidade em excesso faz mal à saúde”. Precisamos de desconforto, algo que o cérebro faz naturalmente.

Quando o sistema límbico é estimulado, libertam-se neurotransmissores, como a dopamina e a serotonina, para termos a sensação de bem-estar e prazer – só que, se forem libertados em excesso, pode entrar-se em psicose. O cérebro impede que isso aconteça fazendo libertar GABA, um “neurotransmissor-travão”.

É pelo prazer que nós sobrevivemos como espécie, é pelo prazer que nós conseguimos sobreviver na nossa vida, para ir à procura da nutrição e da reprodução. Mas há um problema: a desregulação, quando o estímulo é demasiado forte, como é o caso das drogas de abuso, ou de qualquer estímulo abusivo que estimule demasiado o sistema límbico, como é o caso dos videojogos, da internet em uso excessivo, especialmente em idades em que o córtex pré-frontal ainda não está desenvolvido para actuar como travão. A activação desse travão equivale ao peso da responsabilidade, à imposição de limites – isto é crucial para os mais novos, e é o papel dos educadores, dos pais e dos professores, uma vez que o córtex pré-frontal só está completamente desenvolvido pelos 21 anos de idade.

As drogas e o álcool destroem os neurónios, sobretudo aqueles que fazem a ligação ao córtex pré-frontal. O seu consumo faz com que se fique “sem travão” e, sem ele, não se consegue controlar a impulsão para continuar a consumir. O efeito do estímulo excessivo relacionado com os dispositivos electrónicos é igual ao das drogas!

“Se nós comprometermos o desenvolvimento e treino do córtex pré-frontal com o sistema límbico das crianças, vamos tornar essas crianças reféns desse estímulo para sentirem bem-estar. Isto é catastrófico em termos de saúde mental.” E, muitas vezes, surge associada a esta questão, o problema do sono e do apetite desregulados. É preciso garantir uma alimentação equilibrada com proteínas, porque é com os seus aminoácidos que se formam os neurotransmissores, e evitar “o excesso de açúcar, porque o excesso de açúcar vai ter um efeito semelhante às drogas de abuso: quando em excesso, para além de desregular o metabolismo, que está relacionado com a diabetes tipo 2, sobretudo, o açúcar em excesso transforma-se em gordura, leva à obesidade, é toda uma desregulação metabólica. A obesidade leva à acumulação de gordura nas artérias, que ficam com calibre menor, leva a hipertensão, risco cardiovascular, isto depois está tudo interligado”.

Os jovens sempre centrados em equipamentos eletrónicos sofrem, também, de uma perda imensa em termos daquilo que são as capacidades cerebrais. Perde-se a capacidade de olhar o outro e de reconhecer as emoções nas expressões faciais do outro: perde-se a orientação e, portanto, a capacidade de viver em sociedade de uma forma equilibrada. Uma espécie de autismo.


E pensemos até nas crianças antes de nascerem: “Não é difícil perceber a importância do investimento numa melhor alimentação, no evitar o stress das grávidas, porque isso vai ser um ganho de saúde no futuro, e esse ganho de saúde vai dar bem-estar. Na idade fetal recebemos estímulos que vão influenciar o nosso neuro-desenvolvimento. As grávidas com excesso de stress vão ter filhos que correm um risco muito grande de, mais tarde, terem problemas a nível mental, seja depressão, seja hiperatividade, seja problemas com as dependências e não só de substâncias, mas também de videojogos e vídeo-conteúdos, as chamadas ludopatias”, diz Manuela Grazina.

Quer mais ideias claras sobre o funcionamento o cérebro? Manuela Grazina partilha connosco uma “lição”.

Manuela Grazina é especializada em Genética Bioquímica, Genética Humana, Neurociências, Bigenómica e Teranóstica (Medicina de precisão, Farmacogenómica). É Doutorada em Ciências Biomédicas, na área de Genética Bioquímica, com Pós-Graduação em Biomedicina, Mestre em Biologia Celular (especialização em Neurogenética) e Licenciada em Bioquímica, pela Universidade de Coimbra.

É Professora Auxiliar com nomeação definitiva, na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (FMUC), com afiliação desde 1997 (Unidades Curriculares Bioquímica, Bioquímica da Imagem, Neurociências e Farmacogenómica).

É investigadora do Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra (CNC), em ligação estreita com a Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, sendo líder do Grupo de Investigação, desde 2007 “Investigação Translacional Reversa em Doenças Bigenómicas e Medicina Personalizada”.

É, desde 2023, mentora científica, direcionada aos utentes do Centro Cirúrgico de Coimbra, uma ação inédita de transferência de saber, que resulta de um protocolo entre o CCC e a Universidade de Coimbra.

Foi recentemente eleita para a Direção (vogal) da Casa da Infância Doutor Elysio de Moura (CIDEM); no final de 2023, foi convidada a integrar o recém-criado Conselho Científico e Educacional do UC-Exploratório Centro Ciência Viva da Universidade de Coimbra.

Para além de tudo isto, e muito mais, Manuela Grazina é uma comunicadora de Ciência nata e generosa. Acompanhou-nos à Sala dos Capelos e mostrou-nos as suas insígnias.

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