Capicua, ou Ana Matos Fernandes, nasceu no Porto nos anos 80, descobriu a cultura Hip Hop nos anos 90 e tornou-se Rapper nos anos 00.
Da experiência entre Lisboa, Porto e Barcelona soube ler com clareza o processo de gentrificação e o seu lado irreversível: “dificilmente voltas atrás no tempo para recriar o café que perdeste, e que estava ali desde os anos 50 ou antes. Da mesma maneira que as lógicas de vizinhança se perdem e que muitas vezes garantem, através da solidariedade, a sobrevivência das pessoas, ou os velhos hábitos de circulação na cidade e de as pessoas se conhecerem e reencontrarem dia após dia na tabacaria, no barbeiro etc., são coisas que nunca mais voltam a acontecer. E quando substituis essa população que vive de facto numa cidade por uma população que passa 3, 4 dias e vai embora, há uma atomização das coisas, os laços desfazem-se. Uma cidade são essas relações muito complexas, que se constroem todos os dias e que, quando se perdem, é irreversível.”
“Percebi desde cedo, desde a pré-adolescência, que se não tivesse acontecido o 25 de Abril, a minha vida teria sido diferente e eu provavelmente não poderia ser aquilo que eu sou, enquanto pessoa crítica e envolvida politicamente, e com uma perspectiva engajada com as questões sociais e políticas. Para mim sempre foi muito óbvio que enquanto mulher, enquanto pessoa preocupada com as injustiças do mundo e também depois enquanto artista, a minha vida estaria muito, muito condicionada. E tenho uma profunda gratidão por aqueles que arriscaram a sua vida na luta contra a ditadura, muitos deles sofrendo perseguição, tortura, prisão, exílio e, muitas vezes, há pessoas que se esquecem que isso acontecia – e não foi assim há tanto tempo – e, portanto, acho que tenho quase um dever moral de exercer essa gratidão na reconquista quotidiana dessas liberdades, porque elas nunca estão garantidas, e é preciso lembrar isso. E, depois, também no exercício pleno daquilo que eu faço que é: enquanto mulher, estar em cima do palco, fazer a minha música, a dizer as coisas que declaradamente eu acredito, sem pedir licença a ninguém, sem me preocupar em ser decorativa, e incentivando outras pessoas, e outras mulheres nomeadamente, a fazer o mesmo, isso já podia por si só ser subversivo, e continua a ser de certa forma, portanto, tenho consciência que o 25 de Abril sempre! porque se exerce sempre todos os dias, quotidianamente, e para que as pessoas não se esqueçam de que, da mesma forma que custou tanto a conseguir conquistar, pode ser fácil perder. E, às vezes, as pessoas têm tendência a relativizar ou a não passar às próximas gerações o que significou de facto, mas, de facto, não podemos adormecer sobre aquilo que é a nossa história recente, porque já temos vários exemplos na Europa sobre como facilmente a extrema-direita cresce e pode de facto ameaçar as nossas liberdades, os nossos direitos mais básicos e há-que estar atento.”
“Rita Lee ressalva a importância de envelhecermos como feiticeiras e não como “pirúas”, não é? (ri-se), ou seja, como mulheres sábias, mulheres que põem essa sabedoria ao serviço da sua liberdade e da sua arte, sem dar satisfações a ninguém… E a Jane Fonda que é um exemplo de activismo político – presa por se manifestar contra as políticas ambientais – vemo-la sempre perto das grandes causas como, aliás, vimos ao longo da sua vida, a fazer cinema feliz. Diz que se encontrou a si própria no celibato; que esteve toda a vida a viver em relação ao pai ou aos seus maridos e que agora, na terceira idade, se encontra a ela própria como mulher, enquanto indivíduo, para cumprir a sua independência, e a sua individualidade de uma forma mais feminista. São de facto exemplos muito inspiradores.”