Maria Velho da Costa, Prémio Camões em 2002, morreu no sábado, aos 81 anos. Conhecida por ser uma das "Três Marias", a premiada romancista estava fisicamente debilitada, mas lúcida, e morreu de forma súbita em casa.
Escreveu contos, peças de teatro e romances, em que se destacou mais, e foi uma assumida defensora dos direitos das mulheres perseguida no Estado Novo após a coautoria, com Maria Isabel Barreno e Maria Teresa Horta, das "Novas Cartas Portuguesas" – uma obra literária que denunciava a repressão e a censura do regime do Estado Novo, que exaltava a condição feminina e a liberdade de valores para as mulheres, e que valeu às três autoras um processo judicial, suspenso depois da revolução de 25 de Abril de 1974.
A romancista portuguesa sabia que todos os regimes totalitários consideram "perigosa" a literatura - afirmou-o em 2013, quando recebeu o Prémio Vida Literária, da Associação Portuguesa de Escritores, e assumiu esse perigo, desde o início, desde a primeira obra, desde os contos de "Lugar Comum" (1966), num trabalho constante sobre "a palavra e o seu cume de fulgor", com "um virtuosismo exemplar", como o definiu o ensaísta Eduardo Lourenço. Como recordou, este domingo, o Presidente da República, Maria Velho da Costa "marcou, a vários títulos, o seu tempo, o nosso tempo".Num comunicado na página da Presidência da República, Marcelo Rebelo de Sousa lamentou o falecimento da autora de uma "obra invulgar e memorável".
"Poucos ficcionistas portugueses contemporâneos escreveram livros tão cultos e inventivos, tão exigentes e insubmissos. Maria Velho da Costa era uma ficcionista com aguda consciência de não-ficção, da poesia, do cinema", enalteceu o chefe de Estado.
Era uma "escritora de ideias, muito atenta à dominação das mulheres e a outros mecanismos ancestrais, escritora com grande consciência ideológica e crítica" que trouxe "para o romance uma densa teia de alusões, imitações, homenagens, coloquialismos e arcaísmos, ousadias textuais, bem pensadas e perfeitamente executadas, que a consagraram como uma das maiores experimentalistas da nossa língua", acrescentou.
"Mulher corajosa e escritora inovadora"
Maria Velho da Costa foi "uma mulher corajosa e escritora inovadora e brilhante", lembrou a ministra da Cultura, este domingo, em comunicado.
"Recordá-la nos seus gestos de desafio e regressar constantemente aos seus livros, eis o que devemos a Maria Velho da Costa", lê-se na nota de pesar da ministra da Cultura, que sublinhou que a obra controversa obra "Novas Cartas Portuguesas" era um "momento fundamental do feminismo em Portugal".
Para Graça Fonseca, "regressar a uma obra faz parte do nosso património literário, principalmente quando nos soube mostrar o país que teimávamos em não ver".
O perigo da literatura e da coragem de uma mulher
Ficcionista, ensaísta e dramaturga, Maria de Fátima de Bivar Moreira de Brito Velho da Costa, de nome completo, nasceu em Lisboa, em 1938, e faria 82 anos no próximo dia 26 de junho. Licenciou-se em Filologia Germânica pela Faculdade de Letras de Lisboa e foi professora do ensino secundário no início da sua carreira. Foi ainda leitora no King`s College, em Londres, e autora de argumentos ou diálogos para cinema, trabalhando com nomes como João César Monteiro, Margarida Gil e Alberto Seixas Santos.
A par da escrita, Maria Velho da Costa desempenhou várias funções oficiais na área da Cultura: integrou o governo de Maria de Lurdes Pintassilgo como adjunta do secretário de Estado da Cultura em 1979 (o escritor Helder Macedo) e adida cultural em Cabo Verde (1988-1991), tendo também pertencido à Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses.
Considerada uma das vozes renovadoras da literatura portuguesa desde a década de 1960, Maria Velho da Costa é autora de romances como obras como "Maina Mendes" (1969), "Casas Pardas" (1977) e "Myra" (2008), tendo sido várias vezes premiada ao longo do seu percurso literário.
Numa entrevista à Lusa, em 2012, a romancista afirmou que "a relação escritor-leitor é muito misteriosa e nem todos os escritores têm como objetivo mudar a vida ou mudar os outros". Para a escritora, havia "um lado da escrita, como em toda a arte, que é um lado mais do que de resposta, é um lado de pergunta que não tem necessariamente um conteúdo social".
Em 1997, recebeu o Prémio Vergílio Ferreira pelo conjunto da obra literária, com o romance "Lúcialima" (1983) recebeu o Prémio D. Diniz e o romance "Missa in albis" (1988) foi Prémio PEN de Novelística. Com a coletânea "Dores" (1994) recebeu o Grande Prémio de Conto Camilo Castelo Branco da Associação Portuguesa de Escritores (APE) e o Prémio da Associação Portuguesa de Críticos Literários. Em 2000, a APE atribuiu-lhe o Grande Prémio de Teatro por "Madame", e o Grande Prémio de Romance, por "Irene ou o contrato social".
O último romance que publicou, "Myra" (2008), valeu-lhe o Prémio PEN Clube de Novelística, o Prémio Máxima de Literatura, o Prémio Literário Correntes d`Escritas e o Grande Prémio de Literatura dst.
Foi galardoada com o Prémio Camões, em 2002; foi feita Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique, no ano seguinte; e, em 2011, tornou-se Grande-Oficial da Ordem da Liberdade.
Maria Velho da Costa representa "a inovação no domínio da construção romanesca, no experimentalismo e na interrogação do poder fundador da fala", disse o júri do Prémio Camões, em 2002, quando lhe atribuiu o galardão. Representa a capacidade de trabalhar a linguagem, de desafiar modelos dominantes, de afirmar a força da mulher.
"A literatura e a poesia, são um perigo" para os regimes totalitários, afirmou, quando recebeu o Prémio Vida Literária. "Por isso [esses regimes] queimam, ignoram e analfabetizam. O que vem dar à mesma atrofia do espírito, mais pobreza na pobreza", acrescentou.
Quando, em 2013 recebeu o Prémio Vida Literária da APE, afirmou no discurso de aceitação, que a literatura não é só "uma arte, um ofício", mas também "a palavra no tempo, na história, no apelo do entusiasmo do que pode ser lido ou ouvido, a busca da beleza ou da exatidão ou da graça do sentir".
"Os regimes totalitários sabem que a palavra e o seu cume de fulgor, a literatura e a poesia, são um perigo. Por isso queimam, ignoram e analfabetizam, o que vem dar à mesma atrofia do espírito, mais pobreza na pobreza", afirmou na altura.
Pegando nas palavras da escritora, publicadas na obra "Da Rosa Fixa", Maria Velho da Costa fez da sua vida "um jogo de uma periculosidade tão íntima, tão cordata, que a minha morte, ainda que lenta, natural, não poderá ser mais que um assassinato inscientemente premeditado, de que vos ilibo. Ah, o ar da colina, planando alto não tem generosidade, respirai compassadamente a escassez, a orla do íngreme".
c/ Lusa