MMP abre processo de classificação de 518 peças do acervo do Hospital Miguel Bombarda
Um conjunto de 518 bens culturais, parte do espólio do antigo Hospital Miguel Bombarda, em Lisboa, entrou em processo de classificação como interesse público através de um despacho publicado na quarta-feira em Diário da República (DR).
A abertura do procedimento administrativo de classificação como Conjunto de Interesse Público foi publicada no anúncio número 80/2025 na série II do DR, emitido pela Museus e Monumentos de Portugal (MMP).
Na lista encontram-se dezenas de obras de arte criadas pelos utentes do hospital psiquiátrico, entre cartas, poemas, pinturas, desenhos e esculturas com fósforos, e também diverso material médico, como um martelo de reflexos, uma caixa de cirurgia, um colete-de-forças e ainda móveis de laboratório e de barbearia.
Constam ainda no rol de obras, pinturas de artistas portugueses - nomeadamente retratos dos médicos Miguel Bombarda e Júlio de Matos --, como Salgado Veloso, José Rodrigues e Querubim Lapa.
O conjunto sobre o qual é agora aberto o processo de classificação faz parte de um acervo mais extenso, com cerca de 4.000 obras, algumas consideradas "arte bruta" -- criadas pelos doentes ali institucionalizados -, e cerca de 5.000 fotografias, registos e ficheiros clínicos reunidos ao longo de 120 anos pela instituição psiquiátrica, a mais antiga no país.
A agência Lusa questionou a MMP sobre a totalidade do acervo e aguarda resposta.
Em janeiro deste ano a Fórum Cidadania Lx -- Associação enviou um requerimento ao Ministério da Cultura pedindo a passagem da coleção/acervo do antigo Hospital Miguel Bombarda da área da saúde para a área da cultura, "para evitar o seu desmembramento ou desaparecimento de peças, muitas delas de indiscutível valor".
Em 2011, na sequência do anúncio do encerramento do hospital, efetivado no ano seguinte, foi lançado um abaixo-assinado público para preservar o seu espólio e o do Museu de Pintura de Doentes e das Neurociências que na altura existia.
O secretário de Estado da Cultura à época, Elísio Summavielle, chegou a ser interpelado no parlamento sobre o futuro do hospital, e anunciou que tinha pedido uma intervenção da então Direção-Geral de Arquivos, que, por seu turno, entregou a técnicos o estudo e separação das peças das áreas médica, científica, fotografia, desenho e pintura.
Apesar de ter considerado a "notável a coleção de arte bruta e instrumentos de medicina reunidos ao longo de mais um século", o governante disse que o espaço não seria transformado num museu, mas que seriam criadas condições para ser preservado e visitável.
Na altura, Summavielle lembrou que a tutela do espaço não cabia ao Ministério da Cultura, "mas o acompanhamento técnico deste espólio riquíssimo está a ser feito", garantiu.
A pintora Paula Rego e o neurocientista António Damásio foram algumas das personalidades das áreas da cultura e da ciência que então assinaram a petição a favor da preservação do acervo.
A designação de arte bruta foi criada pelo pintor Jean Dubuffet em 1947, para designar o trabalho artístico produzido fora do sistema tradicional, englobando as criações de crianças, deficientes mentais e criminosos.
O Hospital Miguel Bombarda foi inaugurado em 1848, no edifício da Congregação da Missão dos Padres de São Vicente de Paulo, construído entre 1730 e 1750 na antiga Quinta de Rilhafoles.
Após a extinção das ordens religiosas em Portugal, o edifício albergou o Real Colégio Militar.
Em 1848 foi destinado a hospital psiquiátrico, o primeiro no país dedicado a esta especialidade médica, que afirmava então as suas principais escolas, na base da prática moderna.