Morreu José Atalaya, num hospital de Lisboa, de problemas cardíacos. O maestro e compositor tinha 93 anos. Grande pedagogo, fundou a Juventude Musical, para fazer concertos para jovens, explicando as obras e a organização de uma orquestra, bem como a apresentar programas na RTP sobre compositores. Foi diretor da Antena 2 e maestro titular da orquestra sinfónica da RDP, Porto.
Fonte da família confirmou à RTP que José Atalaya faleceu sexta-feira, dia 19 de fevereiro de 2021.O seu velório realiza-se na quinta-feira, na igreja de Nossa
Senhora da Boa-Hora, em Lisboa, entre as 10:00 e as 14:00, seguindo-se o
funeral para o cemitério de Barcarena, nos arredores de Lisboa, segundo o primo, António Atalaya.
Nascido em Lisboa em 1927, José Atalaya compôs a primeira "obra eletrónica" de um autor português. Mas a música não foi a primeira escolha profissional nem a composição a sua principal forma de expressão.
José Atalya tinha 19 anos quando abandonou um curso de Engenharia, influenciado por Joly Braga Santos, para estudar com o compositor Luis Freitas Branco.
"E de 1947 e até 1955, estudo, e apenas com ele, tudo o que viria a apreender nos domínios da análise, da composição e da história da música. Durante oito anos, o grande reformador pedagógico e figura central da música portuguesa do século XX, recebe-me não no seu estabelecimento de ensino, como fizera com Braga Santos, mas na própria residência. Com efeito, meses antes, Freitas Branco, vitimado por intromissões de raiz política, fora obrigado a afastar-se do Conservatório Nacional – no qual fora histórico autor, em 1919, com Vianna da Motta, da mais profunda reforma no ensino da música operada desde os tempos de D. João V."
[in Elementos biográficos contidos na Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira]
A morte de Luís de Freitas Branco levou Atalaya a desistir da composição e dedicar-se à direção de orquestra e musicologia.
Estudou, como bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian, com Félix Prohaska (Alemanha), Hans Swarowsky (interpretação dos clássicos
vienenses), Igor Markevich e Piero Bellugi, discípulo deste último (e de
Berstein) com quem concluiu a formação de chefe de
orquestra.
O regresso à composição demoraria 10 anos, e deu-se por influência de Pierre Boulez. Trabalhou depois com Pietro Grossi, que promoveu a execução das suas Variantes Rítmicas I sobre 4 sons sinusoidais, a primeira obra electrónica de autor português.
O próprio relata as influência que recebeu.
Pierre Boulez (que entrevistei em Basel para a Emissora Nacional) – e que me induziu (marginalmente) a dirigir sem batuta “tenho dez batutas nos meus dedos “ dizia ele, aos seus discípulos, no curso de direcção de orquestra que ali regia de passagem. Eu ia a caminho de Hannover , depois virei para o Sul, Itália, onde conheci Pietro Grossi, o enorme violoncelista “clássico” que “se passara” para a vanguarda mais provocativa. Provoca espantanto na Itália inteira com os seus “cartões perfurados”. Faziam ouvir o melhor Bach sem músicos. Fundara no ano anterior em Florença o Estúdio de Fonologia Musical (S2FM). Tornara-se pioneiro naquele país das enormes potencialidades da Música Electrónica. Na Europa ia circulando através da associação que ele próprio fundou : Vita Musicale Contemporânea.
Grossi , ao saber dos meus antecedentes “electrónicos”, fecha-me no seu estúdio durante 15 dias, inclui-me no grupo dos seus primeiros discípulos e, no concerto anual desse 1968, 30 de Maio de 1968, no activíssimo Circolo Incontro, fez questão de injectar como penúltima peça daquele ímpio espectáculo, as minhas Variantes Rítmicas I sobre 4 sons sinusoidais . Realização que viria a ser, mais tarde, reconhecida como a primeira obra electrónica de autor português quando, por iniciativa de João de Freitas Branco, estas modestas “variações” acabariam por ser ouvidas em estreia lisboeta num concerto da Sociedade Portuguesa de Autores.
Mais tarde eu viria a preferir uma orientação diferente, na linha da Computer Music (...) [ibd]
Mais tarde eu viria a preferir uma orientação diferente, na linha da Computer Music (...) [ibd]
José Atalaya marcou gerações de músicos em Portugal. Foi membro fundador e director da Juventude Musical
Portuguesa (presidida por Luiz e João de Freitas Branco) e o primeiro director e fundador do Grupo
Experimental de Ópera de Câmara, criado e subvencionado pela Gulbenkian.
Interligado à RDP/RTP
Ao longo de décadas Atalaya viveu uma colaboração estreita com a Emissora Nacional, futura RDP, onde ingressou como assistente musical em 1951, onde colaborou com o compositor Pedro do Prado (1908-1990) e o João da
Câmara (1905-1978), e iniciou um percurso de divulgação que se estendeu à
RTP e a diferentes palcos nacionais, através de programas como
"Quinzenário Musical" e "Semanário Musical", que manteve durante mais de
15 anos e que, em 1971, em entrevista, considerou um dos seus trabalhos
"mais apaixonantes".
A colaboração com a televisão começou em 1956, quando a RTP ainda
funcionava na antiga Feira Popular, com a violinista Leonor Prado
(1917-2017) e a pianista Nella Maissa (1914-2014). Atalaya manteve a
colaboração com a televisão pública até 1974, à qual voltou anos mais
tarde, sempre em programas de divulgação.
Em julho 1975,
regressou à já designada Radio Difusão Portuguesa (RDP), tendo sido
coordenador artístico de três orquestras da instituição.
Em 1977,
com Maria João Pires, dirigiu as iniciativas que assinalaram em Portugal
os 150 anos da morte de Ludwig van Beethoven, e tornou-se membro do
Conselho Nacional da Música.
Entre outros cargos, foi diretor
titular da Orquestra Sinfónica do Porto, e conselheiro artístico de
"Lisboa, Cidade de Música", uma iniciativa do antigo edil da capital
Nuno Krus Abcassis.
Em 1982 criou a iniciativa "Música em
Diálogo", na capital, que em 1986 passou para o município vizinho de
Oeiras, onde se manteve até 2009.
Ainda em 1982, fundou a Orquestra Clássica do Porto, a convite do então secretário de Estado da Cultura, Pedro Santana Lopes.
Em 1983, publicou o seu primeiro livro, "A Cassete Azul".
Sob
o patrocínio da Secretaria de Estado da Cultura iniciou, em 1994, a
antologia discográfica "Cinco Séculos de Música Portuguesa", tendo
publicado cerca de 30 títulos.
Em 1998, com o apoio da Câmara
Municipal de Fafe, fundou uma Academia de Música naquela cidade do
distrito de Braga, à qual foi dado o seu nome.
C/Lusa