Em direto
Guerra no Médio Oriente. A escalada do conflito ao minuto

Luísa Costa Gomes adapta novelas policiárias de "Quaresma, Decifrador" para televisão

por © 2008 LUSA - Agência de Notícias de Portugal, S.A.

Lisboa, 28 Nov (Lusa) -- A escritora Luísa Costa Gomes, que está a adaptar ao formato de série televisiva as 13 novelas policiárias de Fernando Pessoa, protagonizadas pelo detective amador "Quaresma, Decifrador", classificou o projecto como "um daqueles desafios a que dificilmente se resiste".

Luísa Costa Gomes disse à Lusa que os produtores da série serão Pandora da Cunha Telles e Alexandre Oliveira e que escreveu já o episódio-piloto, a pedido da RTP1, que manifestou interesse no projecto, embora "ainda não haja resposta definida", estando prevista uma reunião com o canal de televisão pública "nas próximas semanas".

Sobre as dificuldades que enfrentou para adaptar as novelas este ano publicadas pela Assírio & Alvim, com texto fixado por Ana Maria Freitas, a escritora apontou como a primeira o facto de elas terem permanecido "inéditas e inacabadas em vida do escritor", numa sessão do I Congresso Internacional Fernando Pessoa, uma iniciativa da Casa Fernando Pessoa que encerra as comemorações dos 120 anos do nascimento do escritor, que hoje termina em Lisboa.

"O que temos, portanto, são fragmentos, o que não é propriamente novidade em Pessoa. Umas vezes temos o crime e não temos a solução, outras vezes temos a solução e não temos o crime, outras vezes temos apenas o raciocínio de Quaresma, que é sempre muito caprichado por Pessoa, outras o contexto, por vezes capítulos desgarrados, etc. Se em algumas novelas há pelo menos um núcleo que é reconstituível como narrativa, outras há em que o carácter fragmentário não deixa entrever o texto como ele deveria acabar por ser", indicou.

A segunda dificuldade com que se deparou foi que "o enredo da maior parte das novelas que o têm é razoavelmente simples, mesmo cândido, e um pouco datado".

"São novelas - classificou - de uma sociedade pacata, provinciana, cândida e de uma polícia primitiva, muito longe da sofisticação actual. Isso não retira qualquer interesse à novela, que segue algumas das regras da `detective story` da Idade de Ouro do policial inglês que Pessoa muito admira, sendo aliás membro do Albatross Book Club e lendo todo o género de policiais".

"Em termos de adaptação e de argumento, portanto, temos primeiro um défice de enredo (que muitas vezes se reduz ao enigma), depois um défice de acção propriamente dita e por fim uma grande economia de personagens - Quaresma, o Chefe Manuel Guedes, da Investigação Criminal, mais conhecido por `Guedes Bruto`, a vítima, que não conta muito, porque em princípio está morta, e um par de suspeitos -- o que, em termos de orçamento, é bom", observou, provocando o riso na audiência.

Para Luísa Costa Gomes, o grande interesse da série "Quaresma, Decifrador" "é o Abílio Fernandes Quaresma propriamente dito", embora não tenha "nada, à partida, de motivador, nem de simpático, como personagem".

"É - descreveu - um homem humilde, envelhecido, magro, doente, alcoólico, fumador inveterado, leitor de charadas e enigmas do `Almanach de Lembranças`. Vive modestamente na Rua dos Fanqueiros, com uma manta pelos ombros, numa desarrumação de livros e almanaques. Não tem propriamente vida social, excepto quando o Chefe Guedes, o Sancho Pança deste Quixote apagado e cinzento, lhe aparece com o dom de um mistério".

"Mas -- sublinhou - dizer que é o Sherlock Holmes da Rua dos Fanqueiros é errar o ponto e a dimensão do personagem. Há qualquer coisa de essencialmente lisboeta no Quaresma que o subtrai a esse tipo de comparações. É, como Pessoa, um asceta e um bibliómano. Como Pessoa, um intelectual isolado na cafraria cultural portuguesa. Um cérebro gigantesco aprisionado numa circunstância menor".

Outro "aspecto interessante" do desafio da adaptação das novelas da série Quaresma foi, segundo a escritora, "a sua diversidade de abordagens, de registos, de variações dentro do subgénero do policial: investigações de crimes que já foram resolvidos, descoberta por Quaresma de criminosos que não são denunciados à polícia, por cavalheirismo...".

"É evidente em Pessoa - sustentou - a vontade de fazer malabarismos dentro dos parâmetros consensuais da novela policial, e às vezes um pouco fora deles. O que haviam de ser as novelas policiárias de Pessoa são fragmentos em que o autor permanentemente se entrega à experimentação formal, na busca do tom exacto para o `grande policial português` cujo padrão sabia estar, de certo modo, a constituir".

Por estas razões, Luísa Costa Gomes considera o estudo destas novelas "imprescindível para o conhecimento da obra" de Pessoa, até "porque ele próprio as considera extremamente importantes", tendo escrito, por exemplo, "sobre a leitura de romances policiais, que `são um dos poucos divertimentos intelectuais que ainda restam ao que ainda resta de intelectual na Humanidade`".

ANC.


PUB