O escritor angolano Luandino Vieira explicou que o facto de não editar qualquer livro há longos anos "pesou muito" na decisão de recusar o Prémio Camões, que lhe foi atribuído em 2006.
"Teria sido uma grande injustiça para os escritores que estavam a editar regularmente", disse, à Agência Lusa, Luandino Vieira, à margem da apresentação, em Vila Nova de Cerveira, do seu romance "O livro dos Rios", o primeiro de uma trilogia intitulada "De Rios Velhos e Guerrilheiros".
Luandino Vieira, 71 anos de idade, admitiu que a sua decisão poderia ter sido outra, se o prémio lhe tivesse sido atribuído este ano, agora que retomou a actividade editorial, suspensa desde 1975.
"Teria que analisar a minha decisão à luz desse elemento novo que estaria em cima da mesa", acrescentou.
O Prémio Camões 2006, o mais importante galardão literário da língua portuguesa, no valor de 100 mil euros, foi atribuído a 19 de Maio a Luandino Vieira, mas poucos dias depois o escritor anunciava que se recusava a receber aquele dinheiro, invocando "razões íntimas, pessoais".
E isto apesar de, como o próprio hoje admitiu, o seu saldo bancário "andar num nível muito baixo", o que obriga os responsáveis do banco a "vigiarem" a sua conta, para não correr o risco de, um dia destes, emitir uma cheque sem cobertura.
"O Luandino vive como um franciscano, é completamente despojado dos bens materiais", referiu à Lusa o escultor José Rodrigues, dono do Convento de S. Paio, em Vila Nova de Cerveira, onde o escritor angolano vive há cerca de 15 anos.
"[Luandino] tem o seu mundo, muito próprio, e por isso nada que ele faça me surpreende. A única coisa que surpreenderia é se ele deixasse de escrever. Mas tenho a certeza de que isso não vai acontecer nunca", disse ainda o "senhorio" do escritor angolano.
Luandino Vieira só não é "um eremita a sério" porque normalmente tem com ele, no convento, a namorada.
"É um homem muito introvertido, que fala muito com ele mesmo e que escreve até quando está no banho. A luz do seu quarto está sempre acesa", descreve José Rodrigues.
"Tal como ele, também sou de Luanda. As nossas famílias conheciam-se e a nossa amizade foi-se cimentando ao longo do tempo. A prova disso é que ele está a `descansar` no meu convento há 15 anos e poderá continuar a fazê-lo o tempo que quiser", acrescentou.
Nascido em Portugal, na Lagoa do Furadouro, a 04 de Maio de 1935, José Luandino Vieira é cidadão angolano pela sua participação no movimento de libertação nacional e contribuição para o nascimento da República Popular de Angola.
Durante a infância e a juventude, viveu em Luanda, onde frequentou e concluiu o ensino secundário.
Teve diversas profissões até ser preso, em 1959, no âmbito do "Processo dos 50", foi depois libertado e em seguida, em 1961, novamente preso e condenado a 14 anos de prisão e medidas de segurança.
Em 1954, transferiram-no para o Campo de Concentração do Tarrafal, onde passou oito anos, e foi libertado em 1972, tendo sido colocado em regime de residência vigiada, em Lisboa.
Começou nessa altura a publicar da sua obra, quase toda escrita nas várias prisões por onde passou.
Depois da independência de Angola, foi nomeado para a Televisão Popular de Angola, que organizou e dirigiu entre 1975 e 1978, para o Departamento de Orientação Revolucionária (DOR) do MPLA, que dirigiu até 1979 e para o Instituto Angolano de Cinema (IAC) que chefiou entre 1979 e 1984.
Membro fundador da União dos Escritores Angolanos, exerceu a função de secretário-geral desde a fundação, a 10 de Dezembro de 1975, até Dezembro de 1980.
Foi secretário-geral adjunto da Associação dos Escritores Afro-Asiáticos, entre 1979 e 1984, e novamente secretário-geral da União dos Escritores Angolanos, entre 1985 e 1992.
Após o fracasso das primeiras eleições angolanas, em 1992, e o recrudescimento da guerra civil, Luandino Vieira abandonou a vida pública, passando a dedicar-se exclusivamente à literatura.
Sobre o livro que hoje apresentou, disse tratar-se não de um romance mais sim de um "poema", que reflecte "um acerto de contas e a sua gratidão em relação à terra angolana".
"Queria que fosse um hino a Angola, mas não consegui", referiu.
Confessou que foi um seu "compadre" angolano o responsável pelo seu regresso à vida editorial activa.
"Ele enviou-me, por e-mail, um romance que escreveu e eu disse-lhe logo que tinha que o publicar, porque era muito bom. Ele respondeu-me que o publicaria no mesmo dia em que eu publicasse também um novo livro, se não queimava o trabalho dele. Perante isto, eu não tinha como não avançar", explicou.