Livro de Raquel Varela propõe mudanças na cronologia da revolução

por Lusa

Lisboa, 13 mar (Lusa) -- A investigadora Raquel Varela autora do livro "História do Povo na Revolução Portuguesa 1974-75" sustenta que o poder dos cidadãos envolvidos nas dinâmicas da democracia direta pode obrigar a mudanças na "cronologia da revolução".

"O que é mais relevante neste trabalho é que chegamos à conclusão de que a cronologia da revolução deveria ser mudada", disse à Lusa Raquel Varela, autora do livro "História do Povo na Revolução Portuguesa 1974-75" que vai ser apresentado dia 20 de março no âmbito do Festival Literário da Madeira por Miguel Real.

"Eu proponho que se mude a cronologia da revolução depois de os dados e os estudos sobre as ocupações, as greves, as manifestações e as ocupações das fábricas. O que é determinante na revolução não são as mudanças de governo. Eu defendo é que as mudanças de governo são determinadas pelas mudanças na revolução. Nós inventariamos os factos detalhadamente - e o livro tem uma cronologia detalhada - que mostra que as mudanças dos governos são feitas pelo impacto das mudanças na revolução e do curso dos acontecimentos na revolução que não é nem o governo nem o MFA mas sim o que as pessoas fazem nos locais de trabalho, nos locais de vida. Isso é que é a revolução", defende Raquel Varela.

O livro investiga a "explosão de ocupações" e defende que estas foram determinantes para o desencadear do 11 de março pela ala spinolista.

A historiadora do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa estudou as dinâmicas das comissões de trabalhadores, das comissões de moradores e de soldados e conclui que mais de um terço da população portuguesa esteve envolvida "diretamente e ativamente na vida do país" em 1974 e 1975.

"É uma das revoluções anticapitalistas mais importantes da História porque foi uma das revoluções onde foi mais longe o duplo poder e a organização de base", explica Raquel Varela sublinhando que o "poder dos cidadãos" quase se sobrepôs ao poder do Estado em vários momentos durante quase dois anos, em Portugal.

"O Estado estava permanentemente ameaçado em 1974/75 por um poder paralelo e esse poder foi muito mais extenso do que se pensava até agora, quer do ponto de vista orgânico quer do ponto de vista inorgânico", afirma a historiadora.

Segundo Raquel Varela, as Comissões de Trabalhadores, em grande medida surgem espontaneamente nos locais de trabalho no próprio dia 25 de Abril e a primeira coisa que fazem é apoiar não só a nova situação democrática contra a ditadura mas começam "imediatamente" a reivindicar condições laborais.

De acordo com o novo livro que estuda o processo revolucionário português, a reivindicação e a consciência sobre a situação laboral logo após o Golpe de Estado do dia 25 de Abril de 1974 provocam "um salto" entre revolução meramente democrática para uma revolução de caráter social.

O Estado está em crise -- há uma explosão de movimentos sociais nos primeiros dois meses. A partir daí verificam-se sucessivas tentativas de reforço do Movimento das Forças Armadas (MFA) através da Aliança Povo/MFA, da construção dos sindicatos pelo PCP e do PS que tentam "apaziguar" os movimentos sociais.

Para a autora do livro, numa primeira fase, as tentativas de retirada do poder aos trabalhadores falharam porque se verificam no quadro de uma crise económica brutal e porque os patrões tentam descapitalizar empresas verificando-se medidas de contraciclo que conheceram forte resistência.

"Os trabalhadores reagem com ocupações porque querem conservar os seus postos de trabalho. O mote não é construir uma sociedade socialista. O mote é lutar contra os despedimentos e conservar os postos de trabalho", diz Raquel Varela.

Ao poder dos trabalhadores e das comissões de moradores, em todo o país, junta-se a atividade cada vez mais efetiva das comissões de militares (baixa patente) em setembro de 1975 o que acaba por conduzir ao golpe do dia 25 de novembro.

"A minha hipótese é a seguinte: o MFA não é a revolução, é uma tentativa de dirigir a revolução. Quando o MFA entra em crise em agosto de 1975 por causa do processo social, nas forças armadas tinha caído a hierarquia e tinha-se aguentado o MFA. O MFA estava a segurar o Estado. Quando o MFA entra em crise o que é que sobra nos quartéis? As comissões de soldados", explica Raquel Varela que no livro aborda a questão do 25 de novembro como o golpe que põe fim ao "duplo poder".

"À medida que o Estado entra em crise, o duplo poder aumenta a sua força. São dois poderes. Quando um entra em crise o outro reforça-se e quando o Estado recupera o poder, a partir do 25 de novembro, paulatinamente, o duplo poder vai desaparecendo", diz Raquel Varela.

O livro "História do Povo na Revolução Portuguesa 1974/75" (535 páginas, Bertrand Editora) inclui, além de fotografias inéditas da Agência Magnum, várias tabelas e quadros de números de greves, manifestações, ocupações de casas e fábricas, unidades em autogestão, cooperativas, saneamentos, evolução salarial, entre outros.

Tópicos
PUB