Itália recupera artefactos etruscos do século III a.C. saqueados em Úmbria

por Carla Quirino - RTP
Artefatos etruscos apreendidos pela polícia italiana Emanuele Antonio Minerva - Comando Carabinieri para a Proteção do Património Cultural italiano

Diversos artefactos arqueológicos da época etrusca estavam a ser vendidos no mercado ilegal de arte quando as autoridades italianas conseguiram localizá-los e apreendê-los em meados de novembro. Detiveram ainda duas pessoas suspeitas de terem feito uma escavação ilegal e de saquearem a necrópole com cerca de 2.300 anos, na região de Úmbria, a cerca de 150 quilómetros ao norte de Roma.

Entre os principais achados estão dois sarcófagos, oito urnas de pedra esculpidas com cenas mitológicas gregas, um frasco de perfume e espelhos de bronze. Algumas das urnas têm inscrições com o nome de família Pulfna e apresentam coberturas com esculturas de mulheres reclinadas. Os lábios e jóias das figuras ainda preservam vestígios de coloração.

Num estudo científico preliminar das urnas por arqueólogos do Ministério da Cultura de Itália, foi confirmado que os bens pertencem a um único contexto funerário, consistindo num túmulo hipogeu (sepulcro subterrâneo) associado a uma importante família local, os “Pulfna”.

 Tampa de uma das urnas que preserva pigmentos policromados e coberturas de folha de ouro | Remo Casilli - Reuters

Os etruscos floresceram na zona central da península itálica, na Etrúria (atual Toscana-Úmbria), há cerca de 2.700 anos, constituindo cidades-Estado independentes. Porém, após diversos conflitos com Roma, foram gradualmente assimilados pela cultura romana no fim do mílénio. Desta comunidade ficou sepulturas luxuosas, cerâmica e estátuas, mas curiosamente poucos documentos escritos. Utilizava um alfabeto semelhante ao grego, possivelmente absorvido por via do comércio com os fenícios. 
Fotografias online deram o alerta
Os Carabinieri do Núcleo Tutela Património Cultural - seção de arqueologia, coordenada pelo Ministério Público do Tribunal de Perugia encetaram a investigação em abril passado, após uma comunicação do Comando de Proteção do Património Cultural reportaram uma alegada escavação ilegal na área entre Chiusi e Città della Pieve associada à descoberta de importantes achados arqueológicos etruscos.

Tudo porque foram detetadas fotografias de urnas cinerárias com figuras semi-reclinadas, típicas da cultura etrusca, a circularem no mercado ilícito de arte.

O procurador-chefe de Perugia, Raffaele Cantone, em conferência de imprensa explicou que suspeitos apontam ser amadores

"Eles não tem nada a ver com o mundo dos saqueadores de túmulos experientes” e eram “desajeitados” e “amadores” na maneira como "tentaram acessar ao mercado negro de arte saqueada", sublinhou.

A polícia recorreu a um investigador da Universidade de Roma, Tor Vergata, que contextualizou a pertença das descobertas a uma necrópole etrusca, provavelmente da área de Chiusi, já rica em evidências artísticas semelhantes.Após as autoridades terem a confirmação de uma iminente comercialização dos bens no mercado clandestino de antiguidades, monitorizaram telefonemas e contas informáticas.

Paralelamente, os Carabinieri cruzaram informações sobre indivíduos considerados com capacidade de gerir operações clandestinas, tivessem acesso à propriedade e conseguissem realizar terraplanagens. 

Os dados concentraram a atenção num empresário local, dono das terras adjacentes àquelas onde um outro hipogeu com materiais arqueológicos semelhantes que já tinha sido descoberto em 2015

Nesse caso, um agricultor que lavrava a terra, perto do sítio dos artefatos recuperados em 2024, descobriu um hipogeu que também pertencia à família Pulfna. Esse proprietário agiu conforme a lei e contactou de imediato as autoridades, não destruindo o contexto arqueológico. Recebeu cerca de 100 mil euros como recompensa.


Conjunto das urnas etruscas recuperadas | Remo Casilli - Reuters

Com recurso a imagens captadas por drone, foi possível para a polícia identificar o fosso deixado no local da escavação ilegal. Foi então emitido um mandado de busca local e encontraram as urnas etruscas retratadas nas fotografias - em perfeitas condições.
Espólio com rico valor arqueológico
As urnas, todas intactas, são feitas de pedra travertina branca da Úmbria, parcialmente decoradas em alto relevo com cenas de batalha e caça. Têm ainda frisos, alguns dos quais apresentam pigmentos policromados e coberturas de folha de ouro, outros com representações do mito de Aquiles e Troilo.

Dos dois sarcófagos, um é representado apenas pela cobertura. Um outro está completo com os restos humanos de uma mulher na faixa dos 40 anos.


Sarcófago | Remo Casilli - Reuters

No conjunto dos artefactos há também uma riqueza de bens funerários.

Um dos quatro espelhos de bronze encontrados tem a representação do mito da fundação de Roma com a loba Capitolina a amamentar Rómulo e Remo (mitologicamente Rómulo foi o fundador da cidade).

No espólio está um jarro de bálsamo que ainda contém traços orgânicos do perfume usado na antiguidade, um pente em osso, vários situlae - contentores em forma de balde produzidos em bronze e oinochoe – um jarro para vinho com um formato tradicional da cerâmica grega antiga.

De acordo com os arqueólogos que colaboraram com os Carabinieri, estes objetos eram usados por mulheres da elite etrusca durante os banquetes.

Os especialistas também deixaram claro que as “peças apreendidas, ao serem associadas a um único hipogeu, tornam o valor arqueológico, artístico e histórico da recuperação em si particularmente relevante”.

A polícia de arte o espólio apreendido está avaliado pelo menos em oito milhões de euros.

A procuradora Annamaria Greco, que liderou a investigação, afirmou que "os dois suspeitos enfrentam acusações relacionadas com o crime de furto e tráfico de bens roubados. Podem apanhar penas de prisão de até dez anos".
Tópicos
PUB