A investigadora portuguesa Tânia Ganito, docente do Instituto de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa, está a estudar o povo Mosuo, uma comunidade chinesa matriarcal em que a autoridade é exercida pelas mulheres.
Este é um dos temas da edição de Agosto da revista Oriente, publicação quadrimestral da Fundação Oriente, que divulgou fotografias do povo Mosuo, acompanhadas por um texto da professora Tânia Ganito.
A investigadora, que estudou língua e literatura chinesa em Pequim, iniciou há dois anos um mestrado sobre os Mosuo, subgrupo da etnia chinesa Naxi, que habita na região do Lago Lugu e manteve as suas tradições ancestrais devido ao isolamento geográfico.
Contactada pela Agência Lusa, a investigadora contou que viveu três meses com uma família da aldeia de Luoshui, partilhando o seu quotidiano, as refeições, os rituais, os momentos de trabalho e de lazer.
Exemplo raro de povos do mundo cujo sistema social se rege pelo matriarcado, os Mosuo têm também atraído a curiosidade de turistas e investigadores devido ao seu sistema de vida sexual, designado por "a visita".
Entre os Mosuo, o homem não desposa a mulher nem a traz para viver consigo. Ela permanece na sua própria casa, com a família da mãe, e escolhe os homens que pretende receber em sua casa sem que desse acto resulte um compromisso.
De acordo com a investigadora, na maioria dos casos o homem tem somente o direito de visitar a mulher que o escolhe durante a noite, no quarto desta, mas regressa a casa no dia seguinte, logo ao amanhecer.
"Devido à restrição de contactos, as tradições dos Mosuo mantiveram-se quase inalteráveis, mas, a partir de 1978, quando se verificaram reformas na China, houve uma maior abertura ao mundo", explicou Tânia Ganito.
Gradualmente, conhecendo a existência desta comunidade e das suas práticas, os chineses começaram a visitar a região, desencadeando um movimento de turismo que se tornou actualmente a principal fonte de subsistência dos Mosuo.
"Claro que o sistema de visita, por ser um aspecto exótico, fascina os turistas e é a principal atracção", comentou a investigadora, acrescentando que, apesar disso, o povo "lida bem com a situação e sabe impor barreiras".
"Eles dizem que normalmente os turistas que surgem com essa intenção saem deprimidos porque raramente uma mulher mosuo escolhe um homem do exterior" para a visitar, assinalou.
Outro aspecto que impressionou Tânia Ganito foi a forma como vivem na mesma casa as famílias extensas. "Há uma interdependência e uma cumplicidade muito bonitas que me levaram a perceber a importância da família e da partilha do dia a dia entre várias gerações", observou.
Sobre o impacto das influências externas nas tradições dos Mosuo, Tânia Ganito referiu que a comunidade "percebeu que se trata de um importante móbil de desenvolvimento, e que, por isso mesmo, tem de preservar a sua identidade para garantir a subsistência".
Segundo a investigadora - que está actualmente a fazer um mestrado em ciências antropológicas com o apoio da Fundação Oriente - os Mosuo fizeram um grande investimento para criar infra-estruturas de acolhimento dos turistas e partilhar actividades com eles.
"Porém, mantêm privados certos espaços e domínios da sua vida, nomeadamente as casas de oração, os quartos das mulheres e às vezes também a casa da matriarca", descreveu.
Entre os Mosuo é a matriarca a figura mais importante da família, os filhos continuam a viver na casa materna e os progenitores não têm quaisquer direitos sobre a prole nascida de uma mulher de outra linhagem.
O conceito de paternidade e o termo "pai" não existem no dialecto Mosuo, mas muitas crianças conhecem o seu progenitor e visitam-no ocasionalmente.
É ao irmão da mãe que cabe a responsabilidade de educar os filhos desta, que lhes transmite princípios de moral e ética, exercendo o papel de "pai social".
Tânia Ganito referiu que os homens parecem conviver bem com o facto de serem as mulheres a deter o poder e a tomar decisões: "Penso que eles ficam aliviados por poderem ter uma vida tranquila, deixando para as mulheres o maior peso das responsabilidades", opinou.
No passado, era frequente as Mosuo terem vários homens ao longo da vida e essa situação era socialmente aceite, sem ser alvo de qualquer crítica social.
Actualmente, segundo a investigadora, devido ao maior número de contactos com a etnia Han, a maioritária, "é mais comum as mulheres fazerem a visita com apenas um homem".
No entanto, ressalvou, o casamento monogâmico entre este povo constitui ainda uma raridade. Nos anos 80, durante a Revolução Cultural, a prática da visita era considerada promíscua, e foi proibida, "o que provocou grande instabilidade no seio" das comunidades Mosuo.
Cerca de 91,59 por cento dos chineses pertencem à etnia Han e os restantes 8,41 por cento dividem-se entre 55 etnias minoritárias reconhecidas oficialmente e que detêm alguns benefícios devido ao seu estatuto, nomeadamente quotas nas universidades.