Humor intemporal de Eça sobe ao palco do Trindade em versão de "Os Maias"

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Lisboa, 01 Fev (Lusa) - A peça "Os Maias no Trindade", escrita por António Torrado a partir do romance "Os Maias", de Eça de Queirós, estreia-se quinta-feira no Teatro da Trindade, em Lisboa, com encenação de Rui Mendes.

"Não é uma adaptação, é uma versão, uma interpretação do romance `Os Maias`", disse à Lusa o escritor António Torrado, autor do texto.

E explicou porquê: "Quando pegamos numa obra maior, como são `Os Maias` ou `Guerra e Paz`, do Tolstoi, não podemos usar as cenas todas, não podemos fazer uma `découpage` de `Os Maias` em histórias aos quadradinhos. Tem de ser algo que mantenha o espírito do Eça de Queirós".

"Não tive a intenção de dar a conhecer `Os Maias`, porque toda a gente já conhece a história, foi lida no liceu - naturalmente só em resumos pelos mais cábulas, mas foi lida - ou está a ser lida ainda", considerou.

Por isso, resolveu trazer para o princípio da peça "aquilo que é um dos motivos fulcrais e que só aparece quase no fim: quando o senhor Guimarães vem de Paris, sabe-se lá de onde, e, qual mensageiro do destino, vem dizer que aquele casal de apaixonados (Carlos da Maia e Maria Eduarda) afinal era constituído por irmãos", o que "destrói tudo e tem um clima de tragédia".

O espectáculo começa no Teatro da Trindade, "onde se passa uma cena muito importante, uma cena enorme, um Sarau de Beneficência, em que aparecem, a discursar, intelectuais um pouco ridículos, políticos um pouco ridículos, e partimos daí - que é o capítulo XVI, salvo erro, do romance - para contar, em flashback, toda a história do Carlos Eduardo e da Maria Eduarda", explicou, por sua vez, Rui Mendes.

Como não pretendiam "fazer um melodrama, mas sim uma comédia de costumes", enfatizaram "um pouco mais" a situação decorrente do Sarau e fizeram "com que algo que tinha o tom de melodrama se transformasse também numa comédia, quase numa sátira".

"Sem atraiçoar o Eça de Queirós, sem atraiçoar o quadro social em que ele se move e que pintou genialmente, nós estamos a dar uma volta ao texto. Por isso é que eu lhe chamo uma versão, lhe chamo uma interpretação da história matriz, que é a do incesto", insistiu António Torrado.

É a primeira vez que o romance de Eça de Queirós é levado a cena desde 1962, data em que foi reposta a adaptação feita pelo escritor açoriano Bruno Carreiro, cuja estreia foi em 1945, no Teatro Nacional D. Maria II, pela companhia Amélia Rey Colaço/Robles Monteiro.

Foi o Teatro da Trindade - classificado por Eça, no romance, como "o teatro mais moderno de Lisboa", na altura em que "Os Maias" foi pela primeira vez publicado, em 1888 - que encomendou a António Torrado esta peça.

"É claro que, num espectáculo de duas horas, temos de tentar condensar e concentrar os acontecimentos mais importantes e as ideias mais importantes de `Os Maias`. Essa foi, talvez, a grande dificuldade que o António Torrado teve no texto, na versão, e que eu tive também", admitiu Rui Mendes.

Outra dificuldade apontada pelo encenador foi a escolha do elenco da peça, porque Eça de Queirós descreve pormenorizadamente a aparência das suas personagens.

"Preocupámo-nos mais em pôr em cena o espírito das personagens e dos enredos que as envolvem do que propriamente as características físicas de cada uma delas", sublinhou.

Assim, José Fidalgo é Carlos da Maia, Sofia Duarte Silva veste a pele de Maria Eduarda, José Airosa encarna o alter-ego de Eça, João da Ega, Pedro Górgia é Dâmaso Salcede e Rogério Vieira desempenha o papel do poeta Tomás de Alencar.

O elenco completa-se com os actores Mário Jacques, Luís Mascarenhas, João Didelet, Luís Alberto, Augusto Portela, Igor Sampaio e Afonso Malão, que compôs a música original da peça e é também responsável pela direcção musical.

"A opinião não é só minha - frisou Rui Mendes -, `Os Maias` é talvez o maior, o mais importante romance da literatura portuguesa e toda a gente julga que o conhece. Eu também julgava e, depois de pôr a peça em cena, continuo a julgar que o conheço, mas de cada vez que o lemos ou vemos qualquer coisa baseada nele, descobrimos coisas novas".

"E é isso que eu desafio as pessoas a virem ao Trindade encontrar: as coisas novas que decerto vão encontrar n``Os Maias`, de Eça de Queirós. Umas certas, outras talvez menos certas: é a nossa visão", rematou.

No final da peça, estará à disposição do público o texto de "Os Maias no Trindade", publicado em livro pelo INATEL.

O espectáculo estará em cena até 26 de Abril, de quarta-feira a sábado às 21:30 e domingo às 16:00, na sala principal do Teatro da Trindade.


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