Grande Entrevista com Joana Marques: Pedro Nuno Santos "é um vaidoso absoluto", Montenegro "está ainda na fase de esconder a vaidade"
É com humor que começa aquela que é a primeira entrevista de 2024 do Grande Entrevista, da RTP. "Em princípio depois é sempre a melhorar", diz Joana Marques ao jornalista Vítor Gonçalves. A humorista que assina a rubrica "Extremamente Desagradável", na rádio Renascença, falou das intenções por trás das suas piadas, de política, de Cristiano Ronaldo e da vaidade que começa a sentir-se entre um povo tendencialmente discreto, como é o português.
“É uma boa pergunta. Eu acho que são os dois muito vaidosos, mas acho que a vaidade do Pedro Nuno Santos está mais visível a olho nu. Acho que é um vaidoso absoluto e se calhar o Luís Montenegro é um vaidoso que está ainda na fase de esconder a sua vaidade”, responde Joana Marques.
A humorista considera, no entanto, que “ser vaidoso na política pode ser uma boa arma”, já que “nós desconfiamos de alguém que não tenha essa vaidade e, no fundo, essa autoconfiança”.
“Acho que o modesto tem um caminho um bocadinho mais difícil. Se todos fossem Rui Tavares, por exemplo, tinham um bocadinho mais de dificuldade. Por alguma razão o Rui Tavares está no Livre”, graceja.
E recorda um outro exemplo desta vaidade na política: “Nós tivemos um vaidoso que teve imenso sucesso durante muito tempo – depois passou a ter um grande insucesso – que foi José Sócrates. Acho que talvez tenha sido o maior vaidoso da política nacional. E depois muitas coisas que fomos sabendo na Operação Marquês comprovavam que ele era de facto muito vaidoso”.
“Mesmo aquela vaidade de ter que ter um livro muito vendido, nem que para isso tenha que ser um amigo a ir comprar os livros para ele, é uma vaidade levada ao extremo. Se nos contassem parecia uma figura de ficção, uma figura inventada”, acrescenta.
Questionada por Vítor Gonçalves sobre se Marcelo Rebelo de Sousa tem essas características, Joana Marques é categórica: “Sem dúvida”, afirma. “É outro perfil, no sentido em que é muito diferente, mas acho que também está lá uma absoluta vaidade, o gostar muito de ser o centro das atenções, gostar muito de ser ouvido, e também de vez em quando não adorar que brinquem com ele”, refere.
“Acho que consegue manter sempre um fairplay, até porque sendo presidente da República vai ser sempre muito visado por toda a gente, mas acho que há um lado de Marcelo Rebelo de Sousa que preferia que não estivessem sempre em cima dele”.
Ronaldo “é um vaidoso absolutamente assumido”
Para Joana Marques, a vaidade “tem um lado muito cómico”. “Acredito que muitas vezes o vaidoso não se apercebe desse lado cómico que a vaidade tem, mas eu acho que a vaidade observada assim um bocadinho de longe, vista de fora, é muito engraçada, porque faz com que as pessoas digam coisas sobre si próprias altamente elogiosas, que eu às vezes teria dificuldade em dizer até sobre outra pessoa, quanto mais sobre mim própria. Isso fascina-me”, conta na Grande Entrevista.
“Por um lado invejo, porque acho que são pessoas com muita autoestima, muito amor próprio e não lhes falta autoconfiança, mas visto de fora acho ligeiramente ridículo e não tem problema nenhum, porque o ridículo não mata”.
A humorista dá como exemplo Cristiano Ronaldo, que considera “uma personagem muito engraçada do ponto de vista humorístico”.
“Não lhe retiro em nada os méritos desportivos que tem, mas aquela personalidade para mim é uma personalidade que dá muita vontade de rir – que se calhar seria essencial tê-la para conseguir as coisas que ele conseguiu”, refere.
“É um vaidoso absolutamente assumido e que eu acho que até impôs de certa forma, com os milhares de fãs que tem, esse seu perfil como o perfil a seguir (…). Claro que no Ronaldo não fica tão ridículo porque ele depois consegue refletir isto no campo, em golos, numa performance inacreditável. Noutras pessoas que têm atitude de Ronaldo não sendo, torna-se ainda mais cómico”.“É bastante risível que as pessoas entendam fazer das suas vidas um reality show e que depois às vezes fiquem um bocadinho chateadas com as consequências disso”.
Várias vezes alvo de crítica pelo tipo de humor que pratica, Joana Marques garante que não se trata de “um exercício gratuito de algum ódio ou de ajuste de contas com alguém”. “Eu não tenho nada contra as pessoas de quem falo, até porque a maioria nem sequer conheço”, explica.
“Faço pelo exercício. Percebo que pelo meio mete uma pessoa que existe, que é de carne e osso, que pode não gostar, que pode naquele dia receber muitas chamadas dos amigos [a dizer] ‘olha, estão a falar de ti na Renascença’, e que isso tudo pode ser muito aborrecido. Mas eu não as vejo como um alvo a abater nem nada disso. É só um meio para chegar ao fim, que neste caso é a gargalhada”.
Linha que separa ofensa de piada é “absolutamente clara”
Para a humorista, é “absolutamente clara” a linha que separa uma ofensa de uma piada. “Mas também é claro que, do outro lado, as pessoas podem considerar ofensas coisas que, para mim, não são”, diz, frisando que “é uma coisa altamente subjetiva”.
Questionada sobre se já se arrependeu de algum texto, Joana Marques responde negativamente. “Há cuidados mínimos que eu tento ter. Quando me arrependo mesmo é quando não tem graça, isso aí é que me chateia. Ou quando digo coisas erradas – porque, obviamente, nesta velocidade a que andamos, ter sempre um texto para o dia seguinte, às vezes cometo assim erros de palmatória que depois me chateiam”.“Agora a profissão que as miúdas e os miúdos querem ter é ser youtubers, influencers, tiktokers (…). Do ponto de vista cómico isso é ótimo. Do ponto de vista do país, não sei se a longo prazo, quando deixarmos de ter médicos, advogados e engenheiros porque todos são tiktokers, pode ser um pouco mais grave”.
Joana Marques, que em março apresenta a um Altice Arena esgotado o “maior evento de desmotivação do mundo”, vê também nos chamados coaches a vaidade que a fascina. “Fico absolutamente fascinada com o facto de haver pessoas que acham que são inspiradoras ao ponto de a sua história comover os outros, mobilizar os outros para fazerem coisas diferentes, e acho que assumem uma responsabilidade que eu nunca teria coragem de ter”, afirma.
Acredita também que ver o lado cómico em cada situação pode ser uma questão de treino. “Acho que é um bocadinho como um trabalho de ginásio, é exercitar um músculo, neste caso o da observação”.
“No fundo é como aprender uma outra língua, um outro idioma. Há quem aprenda inglês porque um dos pais fala muito bem inglês (…), eu acho que como os meus pais tinham muito esse olhar também um bocadinho cínico sobre o mundo, me ajudaram a treinar isso”, conta.
Veja ou reveja a Grande Entrevista de Vítor Gonçalves a Joana Marques na RTP Play.