O fado é a partir de agora Património Imaterial da Humanidade. A candidatura do género musical português foi aprovada este domingo durante o VI Comité Intergovernamental da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura. A UNESCO distingue o fado enquanto tradição e expressão da identidade da cultura do país. Os peritos da Organização avaliaram o processo de candidatura português como exemplar. Em Lisboa, o Presidente da República viu na decisão “um motivo de orgulho para todos os portugueses”.
Foi um antecessor de António Costa, Pedro Santana Lopes, quem lançou as bases da candidatura do fado a Património Imaterial da Humanidade, tendo por embaixadores dois nomes maiores desta expressão musical, Mariza e Carlos do Carmo. Aprovada por unanimidade na Câmara de Lisboa, a 12 de maio de 2010, a candidatura seria apresentada à Presidência da República a 28 de junho do mesmo ano e posteriormente oficializada junto da Comissão Nacional da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura. Dois meses depois, chegava à sede da UNESCO, na capital francesa.
Confirmada a declaração como Património Imaterial da Humanidade, ao cabo de longas horas de análise de dezenas de candidaturas internacionais, António Costa destacou o que disse ser um “grande tributo que a UNESCO prestou aos fadistas”: “Finalmente tocou-se o fado”
“Tocou-se o fado e acho que foi um grande tributo que a UNESCO prestou aos fadistas, àqueles que têm cantado, que têm tocado, que têm composto, aos poetas que têm dado as suas letras ao fado e que são aqueles que justificam nós estarmos hoje aqui e que asseguram a grande salvaguarda do fado, dando-lhe futuro e perenidade”, assinalou o autarca de Lisboa, em declarações citadas pela agência Lusa.
“Estranha Forma de Vida” foi o fado que António Costa fez chegar às demais delegações presentes em Bali depois de agradecer a distinção da UNESCO. “Acho que foi a melhor forma de homenagear aqueles que têm de ser hoje homenageados. São aqueles que têm feito o fado e que são os fadistas. E aquela Estranha Forma de Vida é uma homenagem a todos”, explicou.
“Profunda satisfação”
Cavaco Silva escolheu o portal da Presidência da República na Internet para uma primeira reação aos acontecimentos de Bali. O “reconhecimento” da UNESCO, afirmou o Chefe de Estado, “constitui um motivo de orgulho para todos os portugueses”. “A partir deste momento, o fado é reconhecido como um Património de toda a humanidade, um valor inestimável no presente e uma herança cultural importante para as gerações futuras”, escreveu Aníbal Cavaco Silva.
O Presidente deixou uma saudação a todos os que se envolveram na preparação da candidatura: “O seu sucesso é também o sucesso de todos os que, ao longo de mais de um século, viveram, trabalharam, escreveram e cantaram o fado. Estão de parabéns os fadistas, os poetas, os músicos, os compositores, os estudiosos e todos os que contribuíram para fazer do fado uma melodia universal”.
Por sua vez, a diretora do Museu do Fado - onde se aguardou em ambiente de festa antecipada o desfecho da maratona de análise na Indonésia - encara a decisão da UNESCO como uma “grande alegria” e, ao mesmo tempo, uma “responsabilidade acrescida”.
“E ouviu-se o fado. Muito bom e muito bem. Estamos muito felizes e com imensa vontade de partilhar essa alegria com todos os que trabalharam nesta candidatura, com todos os que constroem o fado, com todos os nossos artistas, todos os nossos parceiros, as instituições envolvidas, os investigadores, a equipa do Museu do Fado. É uma alegria muito grande”, reagiu Sara Pereira, que lembrou os cinco eixos estratégicos do projeto de salvaguarda submetido à UNESCO: a rede de arquivos; o arquivo digital sonoro; o programa editorial; roteiros temáticos do fado; o programa educativo.
Já o secretário de Estado da Cultura, Francisco José Viegas, considerou em comunicado que a distinção da UNESCO dá aos portugueses “alegria”, num momento “em que Portugal necessita como nunca de notícias positivas".
“Um grande estímulo”
Ouvido pela Antena 1, Carlos do Carmo confessou-se emocionado e recompensado com a distinção da UNESCO, sublinhando que se trata de um enorme estímulo para todos os que se dedicam ao fado: “Agora, depois da emoção, vou ver se tenho voz para cantar”.
“O jogo vai ter regras, porque eles vão-nos dizer quais são as regras do jogo. Com o empenho que houve nestes seis anos, que foi muito grande, desta dedicação para apresentar a candidatura, este empenho não vai quebrar. Portanto, isto não se esgota nesta candidatura e coisas muito bonitas vão ainda acontecer, com certeza, porque a equipa não se vai desmembrar e estou convencido de que a comunidade do fado vai ficar muito sensibilizada, porque isto é bom para todos os que tocam, todos os que cantam. Isto é um grande estímulo”, sublinhou o cantor.
Na véspera da decisão, o musicólogo Rui Vieira Nery, à frente da Comissão Científica da candidatura, colocava em destaque uma “reconciliação nacional” sobre o fado. Assim como o facto de o processo ter gerado “um certo sentimento de unidade na comunidade fadista que nem sempre existe”. O especialista, que é afilhado dos fadistas Maria Teresa de Noronha e Fernando Farinha, salientava à Lusa, por outro lado, a virtude de “a candidatura ter sido acompanhada pela comunidade e não apenas por um comité de investigadores”.
À rádio pública, Rui Vieira Nery defendeu este domingo que a distinção atribuída ao fado abre portas “a outras eventuais formas culturais portuguesas”. “Fala-se de crónicas de mortes anunciadas, neste caso é uma crónica de um sucesso anunciado, mas é sempre muito consolador. Nós tivemos muitos anos de trabalho envolvidos com muita gente nesta candidatura e todos nós, que participámos nela, estamos muito felizes por esse trabalho ter chegado a bom porto”, frisou o musicólogo, que, em Bali, chegou a tecer duras críticas à presidência da reunião da UNESCO, atribuindo a demora da discussão a uma “incompetência extraordinária”.
“E é prosseguir com a responsabilidade que o Estado português assume neste momento de continuar a proteger e a difundir o fado. Mas penso que esta vitória transcende o fado. Acho que é uma vitória da cultura portuguesa no seu todo”, rematou.
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