Lisboa, 26 out 2019 (Lusa) -- A Biblioteca Nacional de Portugal, em Lisboa, expõe, até 31 de dezembro, uma mostra dedicada ao centenário da fundação do jornal sindicalista A Batalha, órgão oficial da antiga Confederação Geral do Trabalho (CGT), com uma "vida tumultuosa e singular".
Com curadoria de António Baião, do Centro de Ética, Política e Sociedade, da Universidade do Minho, de António Cândido Franco, da Universidade de Évora, e de João Freire, do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa - Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE), a exposição reúne jornais, panfletos e fotografias, entre outros objetos, na maioria provenientes do Arquivo Histórico-Social.
Segundo João Freire, a exposição pretende "assinalar um jornal com uma vida tumultuosa e singular que, nos anos 1920 [foi fundado em fevereiro de 1919], chegou a ser considerado o diário de terceira maior tiragem do país".
"Não se sabe exatamente se assim foi, mas era um diário de grande importância e feito numa base do amadorismo, do voluntariado, da militância desses homens e algumas mulheres que criaram e desenvolveram os sindicatos agrupados na CGT", disse João Freire, professor aposentado do ISCTE, que esteve na fundação do Arquivo Histórico-Social e continua a realizar investigação nas suas áreas de trabalho.
De acordo com o livro "Surgindo vem ao longe a nova aurora -- Para a história do diário sindicalista A Batalha (1919-1927)", de Jacinto Baptista, originalmente publicado em 1977 e este ano reeditado pela Letra Livre, o diário A Batalha publicou o seu primeiro número em 23 de fevereiro de 1919, com um cariz por um lado "doutrinário" e por outro "noticioso, especialmente de crítica e ataque aos erros do sistema social vigente".
"A Batalha acompanhará, durante os seus anos de vida legal, a sorte do movimento operário português, a sua ascensão, o seu apogeu e, enfim, o seu declínio, principalmente devido às insuperáveis dissenções ideológicas internas, antes do fim que a ditadura violentamente lhe impôs", escreveu Jacinto Baptista.
João Freire explicou à Lusa que o jornal teve três fases, a primeira precisamente até ao encerramento em 1927, já em período de ditadura militar, ao longo da qual contou com um suplemento literário e ilustrado, à segunda-feira, que publicou nomes como o escritor Ferreira de Castro ou o pintor Guilherme Filipe.
Entre outras figuras que se puderam ler nas páginas de A Batalha, jornal que obteve admiração por parte de congéneres sindicais no estrangeiro, encontram-se Tomás da Fonseca, Adelaide Cabette, Vitorino Nemésio, José Régio e Jaime Brasil.
No primeiro número, A Batalha indicava pretender ser "um jornal onde os espezinhados, a cujo número [pertencia], encontrem um defensor apaixonado e a classe poderosa um adversário contumaz das prerrogativas de que goza ilegitimamente, mas adversário leal, que deseja impor-se, não pelo exercício do insulto degradante ou da calúnia arvorada em acicate, mas pela crítica correta e justiceira aos seus atos".
No mesmo livro de Jacinto Baptista é feito um resumo, a título de exemplo, das posições assumidas pelo jornal: A Batalha era favorável à abstenção política, à expropriação ("da terra, dos instrumentos de trabalho e das matérias-primas"), às greves (que "serão constantes porque são determinadas pelo regime do salariato"), ao jornalismo profissional (do qual era "indispensável escorraçar, sem tréguas nem quartel" os "amadores"), ao naturismo e à luta de classes.
Por outro lado, A Batalha opunha-se ao alcoolismo ("Camaradas: a taberna, o álcool, o taberneiro, o destilador são vossos inimigos; destrói os dois primeiros e os últimos ocupar-se-ão em mister mais honroso e proveitoso para a sociedade", escreviam em 1922), ao boxe (por ser um "jogo brutal, jogado, em regra, por verdadeiros brutos"), à censura (incluindo a que visava os jornais reacionários), à colonização ("isso de pegar em armas para defender umas colónias que nunca nos pertenceram não é, nem pode, nem deve ser connosco", escreviam em 1925), às eleições ("escasseiam as probabilidades de salvar isto e aumenta o número do que se arvoram em salvadores para deitar tudo isto a perder", em 1922), ao fascismo e aos fascistas, bem como a Fátima, os partidos políticos, à pena de morte e às touradas.
A partir de 1927, sem condições para a publicação do jornal, inicia-se "uma segunda fase muitíssimo alongada, correspondente, grosso modo, ao período da ditadura do Estado Novo que foi o das publicações clandestinas", explicou João Freire.
A Batalha entra na terceira fase após o 25 de Abril, pela mão de Emídio Santana, considerado "o mais conhecido e importante militante anarcossindicalista da geração que ainda conheceu o período da República", responsável pelo plano de atentado contra Salazar, em 1937, que o levou a 16 anos de prisão em Coimbra.
João Freire salienta que o jornal tem sido publicado desde então até agora de forma ininterrupta, mas já "numa base de tiragem muito restrita", depois de, "no passado, [ter] tirado, em média, 10 mil exemplares, com picos muito superiores".
Hoje, A Batalha assume-se como um "jornal de expressão anarquista", ou seja, como sublinha João Freire, "largou completamente a referência aos sindicatos".
A exposição sobre o centenário da fundação de A Batalha, que assinala também os 45 anos da "revista de cultura libertária" A Ideia, vai ficar patente na Biblioteca Nacional, até 31 de dezembro.
No dia 12 de novembro, vai ser lançado no auditório da instituição o novo livro de João Freire, "Quatro itinerários anarquistas: Botelho, Quintal, Santana e Aquino", com apresentação de José Pacheco Pereira.
Além de Emídio Santana, a obra recorda Adriano Botelho, do comité confederal da CGT, autor de "Da Conquista do Poder", Francisco Quintal, um dos promotores da Federação Anarquista Ibérica, que foi oficial da Marinha Mercante e revisor do jornal República, e Acácio Tomás Aquino, um dos primeiros prisioneiros do campo de concentração do Tarrafal, associado à organização da greve na Marinha Grande, em janeiro de 1934.
No dia 10 de dezembro, vai ainda decorrer um colóquio sobre os 100 anos do jornal.